TEMPO PER ANNUM - APÓS PENTECOSTES

(22 de maio a 26 de novembro de 2016)

Horários de Missa

CAMPO GRANDE/MS
Paróquia São Sebastião


DOMINGO
16:30h - Confissões
17h - Santa Missa

TERÇA A SEXTA-FEIRA
(exceto em feriados cívicos)
11h - Santa Missa

1º SÁBADO DO MÊS
16h - Santa Missa

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Nossa Sr.ª das Graças


Ave Maria, gratia plena;
Dominus tecum:
benedicta tu in mulieribus,

et benedictus fructus
ventris tui Iesus.

Sancta Maria, Mater Dei
o
ra pro nobis peccatoribus,
nunc et in hora
mortis nostrae.

Amen.

Nosso Padroeiro


Sancte Sebastiáne,
ora pro nobis.

Papa Francisco


℣. Orémus pro Pontífice nostro Francísco.
℟. Dóminus consérvet eum, et vivíficet eum, et beátum fáciat eum in terra, et non tradat eum in ánimam inimicórum ejus.
℣. Tu es Petrus.
℟. Et super hanc petram ædificábo Ecclésiam meam.
℣. Oremus.
Deus, ómnium fidélium pastor et rector, fámulum tuum Francíscum, quem pastórem Ecclésiæ tuæ præésse voluísti, propítius réspice: † da ei, quǽsumus, verbo et exémplo, quibus præest, profícere: * ut ad vitam, una cum grege sibi crédito, pervéniat sempitérnam. Per Christum, Dóminum nostrum.
℟. Ámen.

Dom Dimas Barbosa


℣. Orémus pro Antístite nostro Dismas.
℟. Stet et pascat in fortitúdine tua Dómine, sublimitáte nóminis tui.
℣. Salvum fac servum tuum.
℟. Deus meus sperántem in te.
℣. Orémus.
Deus, ómnium fidélium pastor et rector, fámulum tuum Dismam, quem pastórem Ecclésiæ Campigrandénsis præésse voluísti, propítius réspice: † da ei, quǽsumus, verbo et exémplo, quibus præest, profícere: * ut ad vitam, una cum grege sibi crédito, pervéniat sempitérnam. Per Christum, Dóminum nostrum.
℟. Amen.

Pe. Marcelo Tenório


"Ó Jesus, Sumo e Eterno Sacerdote, conservai os vossos sacerdotes sob a proteção do Vosso Coração amabilíssimo, onde nada de mal lhes possa suceder.

Conservai imaculadas as mãos ungidas, que tocam todos os dias vosso Corpo Santíssimo. Conservai puros os seus lábios, tintos pelo Vosso Sangue preciosíssimo. Conservai desapegados dos bens da terra os seus corações, que foram selados com o caráter firme do vosso glorioso sacerdócio.

Fazei-os crescer no amor e fidelidade para convosco e preservai-os do contágio do mundo.

Dai-lhes também, juntamente com o poder que tem de transubstanciar o pão e o vinho em Corpo e Sangue, poder de transformar os corações dos homens.

Abençoai os seus trabalhos com copiosos frutos, e concedei-lhes um dia a coroa da vida eterna. Assim seja!
"

(Santa Teresinha do Menino Jesus)

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Homilias



25/11/2012
 
10:33 | Postado por Sacerdos



O inimigo semeando o joio em meio ao trigo. Ilustração por René de Cramer.

Por Pe. Marcelo Tenório

Enfim, mais um dia do Senhor na nossa vida, um Domingo, Dies Domini, dia santo, para nós cristãos a Páscoa semanal. O santo Evangelho de hoje fala da parábola do joio e do trigo. O patrão, senhor das terras, mandou que se plantasse trigo. Para que serve joio? Ninguém quer joio. O joio serve para nada, mas para ser queimado, jogado fora. O inimigo, de madrugada, semeou joio. De repente, quando o joio começou a crescer em meio ao trigo, os empregados perceberam que alguma coisa estava errada. E foram até o patrão: “Senhor, plantamos trigo, e parece-nos também que está nascendo joio. Temos que arrancá-lo.” E o patrão disse: “Não, deixa estar, porque pode ser que, arrancando o joio, arranque-se também o trigo, e eu não quero que o trigo se perca. Vamos deixar o joio crescer. No momento em que forem ceifar, aí sim, veremos bem, o que é o joio e também o que é o trigo; então, iremos recolher o trigo para o meu celeiro, e o joio nós vamos queimar e jogar fora.”

Esta parábola se refere a nós. O patrão, o senhor, é Deus, é nosso Pai. O trigo foi plantado em nosso coração, na nossa alma, no dia do nosso Batismo. E o que Deus espera de nós é que sejamos trigo, não joio. O inimigo pode semear na nossa alma o joio; se crescerá ou não, depende de nós. Nós não somos pessoas possessas pelo demônio; mesmo os possessos pelos demônios não pecam voluntariamente, porque não estão nas suas atribuições e faculdades normais, na sua plena liberdade. Possessões demoníacas não acontecem “em três a cada quatro pessoas”. De forma que tudo está a critério das nossas decisões. Se queremos nos transformar em joio, transformar-nos-emos em joio; se queremos nos transformar em trigo, transformar-nos-emos em trigo. Sabemos muito bem e claramente, pela palavra de Deus, para onde vai o joio e para onde vai o trigo. Agora, se durante a vida me tornei joio, não posso esperar que, no final das contas, vá ser também colocado no celeiro, pois a palavra de Deus é muito clara: joio no fogo, trigo no celeiro. Se em minha existência me esforço, pela minha conduta, a ser “trigo”, como bem falava Santo Inácio de Antioquia, com certeza Deus não falhará em suas promessas; meu destino é o “celeiro”, a casa do Pai, não há outro objetivo... Agora, se prefiro justamente o oposto, então meu objetivo, meu fim último é o inferno; o fogo do joio representa o inferno, o fogo dos condenados.

A Epístola que acabamos de escutar é uma exortação à nossa santidade, tendo como princípio fundante a caridade, o amor. Por isso que o grande Mandamento é amar a Deus sobre todas as coisas, e ao próximo como a nós mesmos. Mas a caridade é o vínculo da perfeição e da paz, isso basta; Santo Agostinho já dizia: “Ame e faça o que quiseres.” Claro que nós compreendemos muito bem que a frase de Santo Agostinho não se refere a desejos ilícitos.

Nós temos o privilégio de assistirmos, todos os domingos, à Santa Missa no Rito de sempre, o Rito que gerou santos, o Rito que trouxe para a Igreja uma multidão de mártires, de confessores, de doutores... Um Rito tão perfeito que não há outro igual. O mesmo Rito que Santa Teresinha do Menino Jesus via das grades do Carmelo, assim como Santo Afonso Maria de Ligório e outros santos que estiveram diante deste altar, como nós estamos agora. E qual a diferença destes santos para nós? A grande diferença é que eles não ficaram apenas olhando o rito. A grande diferença é que estes não fincaram os pés apenas nos detalhes dos ritos e nas alfaias do altar, e nem no rito pelo rito. A grande diferença destes santos para nós é que eles se tornaram o que deveriam se tornar mesmo, e que ainda nós não temos a coragem de nos tornar: “hóstias com Hóstia”.

Se a Missa é a renovação do Sacrifício do Senhor, também nesta Missa deve ter o meu sacrifício, a minha entrega total ao Senhor, renunciando a toda tendência de ser joio, custe-me o que custar. “Grande diferença” esta, porque o mesmo Espírito Santo que a multidão de Santos recebeu, também nós recebemos através do Batismo. E o que falta em nós para permitir que os sagrados Ritos nos santifiquem? Porque, se eu não quero, Deus não pode: “Aquele que te criou sem ti, não te salvará sem ti”.

O que falta para nós? Respondo com uma expressão muito tosca – mas Santa Teresa de Ávila usava expressões mais pesadas que esta. O que falta para nós todos é vergonha na nossa cara. Se a gente tivesse vergonha na cara, e olhássemos sério para o mistério do Calvário, se olhássemos realmente com os olhos da fé o que os Santos viram em êxtase, verdadeiramente, Cristo em suprema agonia, derramando Sua última gota de sangue por nós – se nós víssemos isso, nós iríamos transcender ao Rito, ao estético, ao belo, para nos encontrarmos com o Belo, com a própria Beleza, que é Deus nosso Senhor. Isso, sim, nos transformaria, com certeza, em hóstias vivas a se sacrificarem a cada instante, a cada minuto, a cada momento. Temos que ter muito cuidado, porque sobre nós poderá cair o que caiu sobre os fariseus: “O Reino dos Céus será tirado de vocês, e será dado a outro povo.” Assim Deus prometeu, e assim Deus realizou. Não adianta o exterior se nosso interior não mudou em nada, muito pelo contrário, piorou.

Nós estamos divulgando a Carlo Acutis, este jovem do banner ao lado, morto em 2006, dando a vida pelo Papa. Um jovem como outro qualquer. Um gênio na internet. Um jovem que, em seu apostolado, usava todos os meios modernos, menos o modernismo. Viveu até o último instante o seu amor sacrifical por Deus. Depois da sua Primeira Comunhão, jamais perdeu a Missa. Confessava-se toda semana. Procurava imitar em tudo, inclusive na prática de penitências, os Pastorinhos de Fátima, pelos quais tinha uma grande devoção. Embora sua família fosse muito rica, em vez de acompanhar os amigos para os países tropicais nas férias, ele sempre costumava ir para Assis. Fazer o que em Assis? Rezar, fazer penitência, sacrificar-se e socorrer os pobres. E ele não sabia que estava marcado para morrer! Não sabia nada disso... E ele não assistia à Missa Antiga! Porque não tinha onde morava, e não deu tempo de conhecê-la... Mas, ah, se ele tivesse descoberto a Missa Antiga! Interessante isso...  E alguém pode dizer: “Mas ele não assistia à Missa Antiga, como pode ser declarado Servo de Deus? E como pode ser elevado à honra dos altares?” Então, vocês que assistem à Missa Antiga, mostrem-me a sua santidade, que eu mostrarei a santidade deste menino de apenas quinze anos, que assumiu, até o último instante, ser “hóstia com Hóstia” no altar de sua vida.

E quando ele menos esperava, veio a notícia da leucemia fulminante, e ele quis saber do médico até onde ele poderia sofrer. E vendo os ataques na Europa contra o Santo Padre, um pouco pela trama diabólica contra a Igreja, outro tanto naquela onda de escândalos de pedofilia no clero, em que o mundo inteiro – modernista, ateu e herege – exigia até que o Papa fosse levado a tribunais, este jovem – que não assistia à Missa Antiga – determinou-se e disse a seus pais: “Ofereço todos os sofrimentos que irei passar pelo Santo Padre.” Grandiosa esta decisão dele. Ofereceu, e Deus aceitou, porque sofreu imensamente, durante sua doença até o último instante da sua vida. Pelo Santo Padre, até o fim, dando a sua vida.

E deixou oito conselhos aos jovens que servem muito bem para nós, que estamos aos poucos ficando de cabelos brancos ao mesmo tempo que não tomamos passos em direção a Deus:

“Desejem imensamente a santidade. E, se ainda este desejo não tiver nascido em seus corações, peçam isso a Deus com insistência, e Ele lhes dará.”

“Ide à Missa todos os dias e façam a Santa Comunhão.”

“Lembrem-se de rezar o Rosário todos os dias.”

“Confessem-se toda semana, mesmo que seus pecados sejam pequenos.”

“Se puderem, façam constantemente um momento de adoração ao Santíssimo diante do altar, lugar onde realmente Jesus está presente (...).”

“Peçam a seu Anjo da Guarda para ajudá-los continuamente, de modo que ele se torne seu melhor amigo.”

“Façam pedidos e ofereçam flores a Jesus e a Maria (...).”

“Todos os dias, leiam uma passagem das Sagradas Escrituras.”

E, assim, ele no ensina coisas que ele mesmo testemunhou. Apenas com quinze anos, era tão ingênuo a ponto de achar que o encontro de Assis seria o momento em que, enfim, os hereges aceitariam a Jesus e se converteriam. Apesar desta ingenuidade, Carlo fincou pé com o Catecismo, dando várias e várias catequeses a seu grande amigo – que era muçulmano – até que o venceu nos argumentos, e se tornou católico. E, pelo funeral de Carlo Acutis, diante de sua grandeza – seu corpo exalava um perfume – toda a família muçulmana de seu amigo já católico se converteu ao Catolicismo romano. Por um menino de quinze anos, que não teve a chance de conhecer o mistério profundo da Missa Antiga, à qual todos os domingos nós assistimos... “Ah, mas ele assistia à Missa nova!...” Repito: mostre-me a tua santidade, e eu te mostrarei a dele!

Corramos à conversão, porque as prostitutas podem estar nos Céus na nossa frente; encontrando-se elas com o mistério (da Missa de Sempre), convertem-se, e nós ficamos no pé, só no resto, só no exterior, e de fato não mudamos nem nos convertemos. Se nós temos a primícia das primícias – que é a Missa Antiga – temos muito mais responsabilidade, e Deus irá exigir muito mais de nós, porque não só o rito, temos a teologia; não só o rito e a teologia, temos a moral de todos os tempos, a moral cristã autêntica. Então, Deus exigirá de nós muito, mas muito mais que exigirá de alguém que nem sabe de tantas coisas. “A quem muito é dado, muito será cobrado.” Que Nossa Senhora nos dê a graça de queremos ser sempre “trigo”, e de fugirmos do terrível destino do joio, que será lançado fora, às trevas exteriores, ao fogo – não fogo que consome, mas o fogo que jamais se apaga.



Homilia proferida em 11 de novembro de 2012.

*     *     *



05/11/2012

O Reinado Social de Nosso Senhor ocorre de forma visível, na Igreja Católica e em sua Hierarquia.


Homilia da Festa de Cristo Rei
Por Pe. Marcelo Tenório

Cristo Rei. Ilustração por René de Cramer.

A Santa Igreja celebra hoje a Solenidade de Cristo Rei das nações. O santo Evangelho mostra-nos Jesus, diante de Pilatos, afirmando-se Rei: “O meu Reino não é deste mundo. Aqueles que são da verdade ouvem a minha voz. Quem é pela verdade escuta a minha voz.” “Tu és rei?”, pergunta Pilatos. “Tu dizes de ti mesmo, ou alguém te falou que Eu sou rei?” 

Nosso Senhor afirma o seu reinado, a sua supremacia sobre o Céu e sobre a terra. Verdadeiramente Cristo é Rei das nações, de todos os povos. E o Seu trono é a cruz, assim Ele o quis. Por isso, a Epístola de São Paulo começa dando graças a Deus porque Nosso Senhor, pela Sua paixão, morte e ressurreição, ou seja, pelo Seu trono glorioso – a cruz – fez-nos dignos de participar da herança dos Santos na luz.

E este senhorio de Jesus está na Santa Igreja Católica, fora da qual ninguém poderá se salvar. O Reinado Social de Cristo é visível, porque resplandece na face da Igreja. Por isto, a Igreja é indestrutível. Enquanto alguns preconizam que a Igreja está se acabando, a nossa fé, as Sagradas Escrituras e o próprio Nosso Senhor nos colocam claramente a perenidade da Igreja, já anunciada em Gênesis: “Ela esmagará a tua cabeça.” A Virgem, a Mulher, a Senhora, a Mãe, a excelsa serva, esmagará a cabeça da serpente e dará, junto com Seu Filho, a vitória, o pleno esplendor da glória de Cristo, Rei das nações.

E este Reinado de Nosso Senhor acontece na visibilidade da Igreja, cujo múnus tríplice continua eficaz: o de governo, o de ensino e o de santificação. E é nestes três pontos, nesta tríplice coroa que aparece para nós, no aspecto da coroa de espinhos colocada pelos romanos, a tríplice coroa gloriosa: o Cristo que é Rei e que, portanto, ensina, governa, santifica seus filhos através da ação sacramental da Igreja. Esta ação sacramental passa pela Igreja – Corpo Místico de Cristo – sobretudo pela sagrada Hierarquia.

Portanto, Cristo reina visivelmente na pessoa de Seu Vigário na terra: o Santo Padre, o Papa, este chefe visível da Santa Igreja. Estar com o Papa é estar com Nosso Senhor: onde está Pedro, aí está Cristo. Logo, estar contra o Papa é não estar com Cristo; e, não estando com Cristo, não se está na Igreja. Enganam-se aqueles que querem ou teimam ser católicos, mas insistem em se separar do Papa; mesmo afetivamente apegados a ele, já não são mais católicos, estão fora da Igreja. É necessária esta adesão filial ao Santo Padre como princípio e fundamento da Igreja. É importantíssimo, para nós, na nossa catolicidade, não compreendermos um catolicismo desvinculado da sagrada Hierarquia, porque isso não existe. E isso tem nome: chama-se liberalismo prático. Há pessoas que permanecem em certas práticas religiosas católicas, mas totalmente desvinculadas da Hierarquia: não têm Paróquia nenhuma, não se submetem a nenhum Bispo legítimo e nem ao Papa... Não são católicos! Não recebem as graças necessárias porque estão na desobediência prática.

O nosso grande São Bento, em sua regra, fala sobre os gêneros de monges, e diz que o pior gênero de monges é o daqueles ditos vagantes, ou giróvagos. São monges que não se submetem a abade nenhum: vão por aqui hoje, amanhã estão ali, depois de amanhã estão acolá. É como se jogássemos milho às galinhas: elas vão para onde tivermos espalhado os grãos, mas elas não estão nem aqui, nem ali e nem acolá. São “católicos” sem Paróquia, são “católicos” que não se submetem a um Pároco nem a um Bispo legítimos (porque não os têm)... Enganam-se! Enganam-se achando que podem trilhar, crescer e ascender no caminho da espiritualidade reta e sadia. Enganam-se achando que podem viver no mundo da graça separados da Santa Igreja de Deus e de seu princípio e fundamento (o Papa), apartados do Bispo diocesano. É um engano terrível, um engano do demônio! São para essas pessoas que Nosso Senhor falou: “...para que, vendo, não enxerguem e para que, escutando, não entendam.”

A Festa de Cristo Rei deve nos levar ao coração da Igreja, e nos unir na sua visibilidade: Cristo é Rei e continua reinando e governando através da Igreja Una, Santa Católica e Apostólica; através do Santo Padre, o Papa; através dos Bispos legítimos e em comunhão com o Papa; através da Paróquia, da paroquialidade. Não existem católicos sem paroquialidade. Um católico que não se submete a Pároco nenhum nem a Bispo nenhum é pior que os monges giróvagos de que São Bento falava. A Festa de Cristo Rei deve nos levar para o coração da Igreja, para o coração do Santo Padre. Sem isto, é impossível haver catolicidade; sem isto, impossível haver salvação.

Ao olharmos a vida de todos os Santos, vemos que todos eles nutriam uma profunda veneração e adesão de amor pelo Papa e pelo seu Bispo local. Olhemos para Padre Pio: quantas injustiças sofreu, sobretudo as de seu Bispo iníquo dos anos 1920 e que depois chegou a ser deposto pelo Santo Ofício; mas Padre Pio ficou firme na obediência, porque reconhecia naquele Bispo a figura do próprio Cristo, mesmo que o Bispo não fosse santo quanto deveria. Lembremo-nos de Santa Teresinha, que apelou ao Bispo de Roma a fim de entrar no Carmelo aos quinze anos. Lembremo-nos de São Francisco de Assis, que, amigo da pobreza, e mesmo que Inocêncio III lhe beijasse os pés, foi até este Papa para entender, compreender aonde ele, Francisco, “possivelmente teria errado”. Todos os Santos, dos mais eminentes aos menos notados, se dobraram diante da autoridade do Papa. E nenhum santo foi nada sem esta adesão filial e afetiva ao Santo Padre. São nada aqueles vagantes que pretendem estar em comunhão eucarística na Missa, mas não estão em comunhão alguma com a Igreja visível e com a sagrada Hierarquia. Que este pecado grave não caia sobre nós! Que este ato temerário não esteja sobre nossas costas! Sobretudo aqui em nossa Paróquia: esta é a casa do Papa, esta é a casa do Bispo diocesano, e aqueles que não estão em comunhão nem com o Papa nem com o Bispo diocesano aqui não têm lugar e nem são bem-vindos.


Nesta Festa de Cristo Rei das nações, ao olharmos para a Sagrada Hóstia a elevar-se, peçamos ao Senhor a graça de permanecermos firmes e unidíssimos à Santa Igreja de Deus e à sua sagrada Hierarquia, para que Cristo verdadeiramente reine em nossos corações, e que Seu Reinado Social assim se estabeleça em nossa terra através da nossa submissão visível aos nossos pastores legítimos. Assim seja.



Homilia proferida em 28 de outubro de 2012.

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06/08/2012
09:30 | Postado por Sacerdos


Homilia da Missa do 7º Domingo Após Pentecostes

Pe. Marcelo Tenório

V. Ave Maria, Gratia plena, Dominus tecum, benedicta tu in mulieribus, et benedictus fructus ventris tui Jesus.
R: Sancta Maria, Mater Dei, ora pro nobis peccatoribus, nunc et in hora mortis nostrae. Amen.
V. Ora Pro nobis Sancta Dei Genitrix
R: ut digni efficiamur promissionibus Christi.

Na Epístola que acabamos de escutar, extraída da carta de São Paulo aos Romanos, fala-se claramente da escravidão da carne, e ele fala como homem aos homens: “Vou falar como homem atendendo à fraqueza da vossa natureza carnal.” E acrescenta: “Já que vocês se entregaram à escravidão do pecado, vivendo na impureza e na concupiscência, então que se tornem escravos das virtudes.” “Já que foram escravos do vício, que se tornem escravos das virtudes. Quando éreis escravos do pecado, estáveis livres quanto à justiça; ora, que frutos tirastes então daquelas ações?”

Pecado gera pecado. Quem está no pecado, está mergulhado na escravidão do pecado. Quem se deixa escravizar nas virtudes, não deixa predominar em si nenhum tipo de escravidão, mas muito pelo contrário: é genuína de verdade que habita na sua alma. Ora, não podemos nos deixar levar pelo pecado. Devemos constranger a própria carne para que possamos permanecer nas virtudes.

O Santo Evangelho vai nos falar justamente que devemos nos guardar dos falsos profetas. E Nosso Senhor nos dá a graça de uma luz de discernimento. Uma árvore boa sempre dá bons frutos. Não se pode, de uma árvore boa, tirar maus frutos; não se pode, de uma laranjeira, sair figos. De forma alguma... Árvore boa dá bons frutos. É pelos bons frutos que podemos reconhecer a boa árvore.

(Também) Nosso Senhor nos coloca, claramente, que não se trata, aqui, de (fazer) muito alarde. Deus não quer aparências; Deus quer decisões. É o coração que Deus quer; são as atitudes que Deus deseja. Não adianta falar muito; não adianta fazer algum tipo de barulho se, na verdade, o coração continua escravo do pecado. Não é aquele que diz “Senhor, Senhor” (que agrada a Deus), não é o que fala bonito, não é o que reza bonito... A oração ajuda a alma; mas, se esta alma, mesmo rezando, permanece no pecado, esta oração, como ensina São Luís Grignon de Montfort, “em vez de um louvor a Deus, torna-se a própria condenação, torna-se blasfêmia” porque, se se reconhece a ação de Deus e se se reconhece a Sua grandeza na oração e, diante da grandeza de Deus, não se muda de vida; se não há conversão, se não se conforma a Deus – e conformar-se é “tornar-se da mesma fôrma”, é ficar semelhante – se não há isso, então a oração, os terços, as Santas Missas a que assistimos tornam-se, diante de Deus, blasfêmias, porque estamos diante dEle, estamos no Seu culto mas, de forma nenhuma, queremos mudar, de forma nenhuma pensamos em abandonar a escravidão do pecado.

Nosso Senhor nos chama, aqui, e com toda clareza, para um compromisso, um compromisso de fato e de verdade com a nossa conversão interior. Porque o que está escondido depois vem à tona; nada escondido permanece oculto. De forma nenhuma. Quem tem a vida reta deve transparecer a sua retidão nas coisas, nas obras, no falar, no estar, no locomover-se... Toda esta vida tem que ser um verdadeiro Evangelho; a nossa vida deve ser, para o outro, um verdadeiro Evangelho.

Certa vez, São Francisco saiu com Frei Leão para anunciarem boas obras. Chamou Frei Leão e disse-lhe: “Vamos anunciar o Reino de Deus, vamos até a cidade.” E, ao chegarem à cidade, apenas deram voltas na praça. E, nisto, chamou Frei Leão para retornar ao convento. “Mas, como, Pai Francisco? Como fazer isso? O senhor não falou nada; o senhor não falou com ninguém.” E São Francisco lhe disse: “Se eles não são capazes de entender a minha presença aqui, não serão capazes de entender as minhas palavras.” As palavras são importantes, mas é a presença, é o testemunho, é a vida reta que iluminam a vida dos outros. Semelhante a um espelho, quantos se convertem apenas em olhar e em perceber a vida exemplar daquele que está próximo! Assim são certos casais que, observando como vive santamente um determinado casal e como este construiu a casa na rocha (isto é, debaixo das leis da Igreja e de Deus), resolvem então fazer a mesma coisa. Ou os jovens que, diante do testemunho de outro jovem – testemunho firme, cristão, de pureza, de castidade, de obediência – também resolvem se deixar “escravizar” por esta Lei suave. “O meu jugo é suave e meu peso é leve”, diz Nosso Senhor sobre Seu jugo, que não escraviza de forma alguma, muito pelo contrário: torna-nos cada vez mais livres, de uma liberdade interior jamais vista que nada neste mundo pode nos conceder.

Esta é a nossa missão: não muitas palavras, não muitas orações, não muitas penitências... Aliás, Santa Catarina de Sena relata, em seu “Diálogo”, justamente receber a seguinte mensagem de Nosso Senhor, que nos orienta muito bem: “Muitos querem penitências muito pesadas, mas não querem mudar de vida.” As penitências ou as mortificações só têm sentido quando já se está em plena conversão. Porque muitas vezes queremos muitas penitências, mas o essencial não fazemos, que é a mudança de vida, a santificação da nossa alma.

E aí está o nosso grande tesouro: não muito a fazer, não só as práticas exteriores, mas determinar-se por Deus verdadeiramente, abandonando tudo aquilo que possa nos afastar dEle, fazendo-nos crescer, ascender na prática das virtudes. Isso é que interessa: a prática das virtudes, o crescer e o galgar algo mais além na prática das virtudes. É isso que Deus deseja e espera de nós, para que os nossos frutos sejam verdadeiramente frutos que possibilitem a outros, olhando para nós, se edificarem. Por isso, aquele texto belo do Evangelho: “Vós sois a luz do mundo, para que os outros vejam a Vossa luz, as vossas boas obras, e glorifiquem o Pai que está nos Céus.” É verdade que devemos fazer com a direita para que a esquerda não veja, ou vice-versa, mas é mais verdade ainda que, se não fazemos às claras, se estas boas obras não aparecem (não para o nosso engrandecimento), deixaremos de iluminar a muitas almas que precisam, justamente, do nosso testemunho para perceberem que vale a pena abandonar o pecado e que devem abandonar o pecado, que devem guerrear contra os vícios para, enfim, galgarem e crescerem nas virtudes.

Homilia proferida em 08 de Julho de 2012 (Domingo).

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05/08/2012

07:39 | Postado por Sacerdos


"A Missa não é um palco para apresentações, onde há 'fãs e ídolos'.
Isso não é Missa! A Missa é o Calvário; nela não há palcos, há o altar da cruz."
(Pe. Marcelo Tenório)

Homilia da Missa do 6º Domingo Após Pentecostes

Pe. Marcelo Tenório

Na Epístola de São Paulo aos Romanos fala-se que o centro teológico é justamente a vida nova em Cristo pelo Batismo. Participamos da morte de Cristo através das águas sagradas do nosso Batismo. E dizem as Santas Escrituras que “se com Ele morremos, com Ele iremos ressuscitar”. Participamos da Sua Paixão, somos mergulhados e lavados no Seu sangue.

No Livro do Apocalipse, quando São João vê aquela grande multidão de branco e indaga: “Quem são estes diante do trono do Cordeiro?”, vem a resposta: “Estes são aqueles que vieram da grande tribulação e lavaram as suas vestes no Sangue do Cordeiro.” Lavamos as nossas vestes, podres pelo pecado original, já na pia de nosso Batismo, no Sangue do Senhor, na Sua redenção. Por isso, nos tornamos homens novos; o homem velho morre, é deixado de lado. Ora, se nos tornamos novos, devemos viver vida nova. E, noutra passagem, encontramos: “Vós estais mortos, e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus.” E é verdade. Morremos no Batismo: morremos para o mundo, morremos para o pecado. O pecado não pode ter em nós a última palavra. Não vivemos para ele; não pertencemos a ele; morremos para ele e nascemos para Deus.

A nossa grande luta enquanto aqui estivermos é justamente correspondermos à graça de Deus. São Paulo, reconhecendo suas falhas, reconhecendo seus limites, suas fraquezas, pede a Deus três vezes para que retire o espinho de sua carne, e Deus lhe responde: “Basta-te a Minha graça.” O que basta para nós é a graça de Deus no Sacramento do Batismo, e em nenhum momento, e por nada, devemos nos afastar desta vida nova, desta graça santificante.

(Nele vemos) Jesus que tem compaixão, que se compadece; o texto original fala que “as Suas entranhas se contorceram”, “compadeceram-se”, “as entranhas se compadecem”. Deus que se compadece da fome do Seu povo – que não era aquela fome material – multiplica os pães não tendo em vista o bem material, mas para alertá-los, ensiná-los ou atraí-los para algo mais importante. Depois, quando a multidão se volta para Ele, vai lhe dizer: “Vocês vieram aqui não pela Minha palavra, mas porque comeram e ficaram saciados. Trabalhai, buscai o Pão que, se vocês comerem dele, terão a vida eterna; Minha carne trará vida ao mundo.”

Em todo o Capítulo 6 do Evangelho de São João, Nosso Senhor nos dá a belíssima catequese sobre a Santíssima Eucaristia. Então, o Batismo está ligado perfeitamente à Santíssima Eucaristia. Os pães que servem aqui para alimentar a vida material do povo, saciar sua fome, é a prefiguração do Pão do Céu: “Eu sou o pão vivo que desceu do Céu.” Os sete cestos que sobraram significam a perfeição deste alimento. “Vossos pais comeram o maná no deserto e morreram; mas aquele que comer deste pão viverá eternamente, porque o pão que darei é a Minha carne para a vida do mundo.” E aí está a Missa. O que é a Missa? A Missa é a renovação do mistério da cruz. E o que aconteceu na cruz, o que aconteceu no Calvário? Morte, paixão [=sofrimento, n.d.r.], dor... E, se participamos desta morte, também participaremos da Sua ressurreição.

Padre Pio dizia: “A Missa é uma eterna agonia, e a minha responsabilidade é única no mundo.” A Missa é isto: uma eterna agonia. É o sofrimento de Deus que se humilhou por nós e que foi elevado na cruz, no martírio, na ignomínia, pois a cruz era sinal de maldição para os romanos.

A Missa não é um palco para apresentações, onde há “fãs e ídolos”. Isso não é Missa! A Missa é o Calvário; nela não há palcos, há o altar da cruz. A Igreja não vive de fãs, a Igreja vive de fiéis, fiéis que esperam aos pés do Calvário o sangue redentor que se renova neste mistério da Paixão e do sacrifício da cruz. Aqui não há ídolos, aqui não há fãs, aqui não há animação! O grande sinal de que não se entende a Missa é a busca por Missas “animadas”. “Missas animadas” não existem, porque não existe um Calvário animado! Você ficaria tão animado assim na morte do seu pai, ou do seu irmão de forma tão trágica? Você pularia de alegria? Você dançaria rodopiando ao redor do caixão? Não existe Missa animada, porque a Missa é o sacrifício da cruz: Cristo que padece, Cristo que sofre, Cristo que está só, Cristo que morre para a salvação da humanidade inteira.

“Mas Ele ressuscitou!”, dizem. Sim! Ressuscitou... Mas o que se espera de Deus, que é a vida? Que esteja vivo! A Teologia Católica não se fundamenta na Ressurreição. São os protestantes que nela se fundamentam e por isso suas cantigas cantaroladas falam muito de que Cristo está vivo, de que Cristo vive... Mas a Teologia Católica é da cruz. Diz São Paulo: “Eu vos prego Cristo, Cristo crucificado.” Por quê? Porque o grande mistério não é o de Deus vivo. É óbvio que se esperaria isso Deus! O grande mistério, na verdade, é um Deus que é vivo, que é a própria vida, que é essencialmente vida, que não pode morrer e que não pode sofrer, mas que sofreu verdadeiramente e morreu por nós, assumindo as nossas dores, assumindo a nossa humanidade. Este é o grande mistério! E é este mistério que renovamos na Missa, onde é dada para nós a Eucaristia: o Corpo e Sangue, Alma e Divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo. A Eucaristia que permanece para nossa adoração escondida no silêncio do sacrário.

Então, isto é a Missa... A Missa nada mais é do que o sacrifício da cruz. Por isso não nos cabe dizer: “Vou àquela Missa porque gosto disso”, ou “Gosto de Missa assim e assado...”. Ora, a Missa não é para ti! A Missa é o culto supremo que a Igreja, por mandato de Jesus, presta a Deus. A Missa não é para ti, nem para os outros; a Missa é para Deus. E nesta Missa, o que acontece? Nesta Missa, Cristo Se oferece ao Pai destruído, partido, por nós homens, e pela nossa salvação. Isto é Missa.

Logo, não existe Missa animada ou Missa alegre, assim como não deve existir um velório alegre. Existe, sim, uma alegria cristã profunda. Podemos afirmar que Nossa Senhora estava no Calvário profundamente alegre, por quê? Porque Ela sabia que ali acontecia a redenção da humanidade. Mas a alegria dEla não era eufórica. Há uma alegria extrema, interior, profunda, que se sente mesmo na dor. O resto é periférico; são euforias passageiras; sentimentalismos etéreos que mais atrapalham do que ajudam a compreender o que realmente é a Missa. E como devemos estar na cruz? Como os outros estavam, diz Padre Pio: “Como estava a Virgem Maria, como estava São João, como estavam os Apóstolos, como estavam as Santas mulheres”: aos pés da cruz olhando para o Crucificado. Ele mesmo falou: “Quando Eu for elevado, atrairei todos a Mim.” Isto é a Missa, nada mais que isto.

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23/07/2012
13:19 | Postado por Sacerdos

Sangue de Cristo, preço da nossa salvação, salvai-nos! 

Homilia da Missa do Preciosíssimo Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo

Pe. Marcelo Tenório

V. Ave Maria, Gratia plena, Dominus tecum, benedicta tu in mulieribus, et benedictus frutus ventris tui Jesus.
R: Sancta Maria, Mater Dei, ora pro nobis peccatoribus, nunc et in hora mortis nostrae. Amen.
V. Ora Pro nobis Sancta Dei Genitrix
R: ut digni efficiamur promissionibus Christi.

A Igreja celebra hoje a Festa do Preciosíssimo Sangue de Nosso Senhor, cuja Epístola enuncia a grandeza deste Sangue, que não pode ser comparado ao sangue de touros e de cabritos – e, se se acreditava que o sangue de um cabrito pudesse retirar algum pecado e restaurar a humanidade, muito mais deve-se crer no Sangue do Cordeiro sem mancha.

São João Batista, cuja solenidade foi recentemente celebrada, apontava aos seus: “Ecce agnus Dei” – “Eis o cordeiro de Deus, que tira os pecados do mundo”. E como Ele tira os pecados do mundo? Pelo Seu sacrifício. O sacrifício, mesmo na época dos fariseus, ou bem antes, não consistia em matar a vítima. A morte da vítima era consequência. O sacrifício consistia no derramamento de sangue. E esse sangue derramado era justamente a parte central do sacrifício. Cristo, no Evangelho de hoje, derrama o Seu sangue todo pela humanidade inteira. E, quando não tinha mais sangue para verter, diz o Evangelista: “Do Seu coração sai água”. Sangue e água. Por isto, hoje é celebrada esta grande festa dedicada ao Santíssimo Sangue de Jesus.

Dizem as Sagradas Escrituras: “Completo na minha carne o que faltou à Paixão do Senhor”. Somos chamados a nos conformar com Nosso Senhor também nas dores, também nos sacrifícios. Somos chamados a seguir os Seus passos não nas glórias, mas na cruz. Na glória um dia queremos estar; desejamos, esperamos ansiosamente por isso. Mas, antes, nosso caminho é o Calvário, é estar ao lado do Senhor, como Maria esteve, como São João Evangelista esteve. Alguém perguntava a São Padre Pio: “Como devo assistir à Missa?” E ele disse: “Como Maria e São João Evangelista, ao lado do Senhor.” É na cruz o nosso lugar. Na cruz se encontra toda graça, toda redenção. Nesta cruz que está diante de nós, neste mistério do Calvário que se renova no Santo Sacrifício da Missa. Neste sangue de Cristo que é derramado, que cai sobre a humanidade. Deus que desce: sinkatabasis [= “descer junto” (ao homem), expressão grega empregada por São João Crisóstomo para designar a Encarnação do Verbo, n.d.t.] de Deus, aniquilamento de Deus, faz-se igual a nós em tudo, menos no pecado.

E, como dizia o grande e antigo Ofício (popular) de Nossa Senhora: “Deus desce das sumas alturas para o homem se elevar até Ele.” Ele desce para, através de Sua descida, de Seu aniquilamento – e aí está o Seu sacrifício da cruz – pudéssemos também nós, unidos a este sacramento augusto, a este sacrifício augusto, fazendo a nossa vida também sacrifício, fazendo do nosso dia uma ação sacrifical de nosso ser, da nossa vida, rompendo com o pecado, trilharmos com esperança o caminho do Céu, o caminho da glória. A nossa meta, o nosso único objetivo, é Cristo, e Cristo crucificado. Neste mundo, nosso único lugar é na cruz, com Nossa Senhora, com São João Evangelista: se com Ele sofremos, com Ele um dia também iremos nos alegrar.

Portanto, que esta festa do Santíssimo Sangue de Jesus nos dê as graças necessárias para que, heroicamente, não fujamos da cruz, mas que Nosso Senhor coloque em nós a têmpera dos mártires. Se morrermos pela nossa fé católica, se derramarmos o nosso sangue – de forma concreta se for preciso, ou de forma moral – mas que não fiquemos alheios ou amorfos, jamais reneguemos o sinal da cruz um dia feito sobre a nossa fronte no augusto momento do nosso Batismo. Que o Cristo Rei, que reina pela cruz – este Cristo que, quando já não tinha mais sangue, do Seu coração aberto saiu água – possa nos dar a graça. E saibamos que a graça das graças não é começo, mas a graça das graças é terminarmos bem esta nossa vida sobre a terra, unidos aos corações de Jesus e de Maria, fazendo jus ao nosso nome de cristãos, fazendo jus ao que recebemos na Crisma quando nos tornamos soldados da Igreja, soldados de Cristo, para derramarmos, até o fim e se preciso for, o nosso sangue – hóstia com hóstia. Deus que Se deu e Se entregou por nós, espera que também façamos por Ele a mesma coisa.

Que o Sangue de Cristo, Preciosíssimo, possa se derramar em nós – e que estejamos abertos às graças que, por certo, nesta Santa Missa, ser-nos-ão derramadas. E não deixemos passar este momento. Não façamos como aquele povo do Calvário que passava indiferente pelo Crucificado.

Homilia proferida em 01 de Julho de 2012 (Domingo), Festa do Preciosíssimo Sangue de Nosso Senhor.

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09/07/2012
10:32 | Postado por Sacerdos

São João Batista, rogai por nós!

Homilia da Missa da Natividade de São João Batista

Pe. Marcelo Tenório

V. Ave Maria, Gratia plena, Dominus tecum, benedicta tu in mulieribus, et benedictus frutus ventris tui Jesus.
R: Sancta Maria, Mater Dei, ora pro nobis peccatoribus, nunc et in hora mortis nostrae. Amen.
V. Ora Pro nobis Sancta Dei Genitrix
R: ut digni efficiamur promissionibus Christi.

“João será o seu nome.” A Igreja celebra a Solenidade do Nascimento de São João Batista. Os Santos, na Igreja, são celebrados na morte, seu trânsito. João Batista é o grande entre os santos, de forma que a Igreja não celebra a sua morte com garbo, mas a sua Natividade de modo solene.

Pois bem. João Batista, o último dos profetas. A ele coube encontrar-se com o Messias, apontar o Messias. Há poucos dias tive a graça de estar no lugar onde São João Batista nasceu, numa colina belíssima de frente a Jerusalém, vizinha a Jerusalém. Há próximo dali uma fonte, chamada “Fonte de Maria”, na qual a Virgem Mãe, a Virgem Santíssima, ajudando a sua prima, às tardinhas descia sempre àquela fonte para pegar água e subir até a casa de Santa Isabel. Foi naquele lugar onde nasceu São João Batista.

“João será o seu nome”. Diante do anúncio do anjo, antes, a Zacarias, e o anjo anuncia da parte de Deus que Isabel, apesar da sua idade avançada, teria um filho, Zacarias, em vez de acreditar, duvidou: riu-se interiormente. E, por castigo, Deus tirou-lhe a voz, ficou mudo. E, neste momento em que a mãe – o que é uma exceção, é sempre o pai que dá o nome ao filho – e neste momento em que Santa Isabel determina o nome, e Zacarias confirma: “Será mesmo João, o amado de Deus”, sua língua se solta, e Zacarias começa a louvar a Deus. Um louvor tardio, de agradecimento; deveria ter feito antes, no momento em que o anjo lhe anuncia a grande novidade.

Podemos comparar o enrudescimento de Zacarias, a sua falta de fé, com a exultação de Maria e a sua fé firme em seu Deus. Zacarias se cala, ou é calado; Maria exulta no Magnificat: “Minha alma glorifica ao Senhor”. Imediatamente a Virgem Santíssima louva a Deus por aquela providência, por aquele plano, pelo Filho, pelo Fruto de suas entranhas. Tardiamente, Zacarias louvará a Deus por tudo o que Ele está fazendo por seu povo, Israel.

João é o último dos profetas. É aquele que encerra, de certa forma, o profetismo antigo e aponta para o novo. De tal forma e com tal força que a Igreja, na sua Sagrada Liturgia, sempre repete: “Ecce Agnus Dei, qui tollit peccata mundi” – “Eis o Cordeiro de Deus, eis Aquele que tira os pecados do mundo”. Não quis que o povo e os fiéis ficassem com ele. Muito pelo contrário: “Que eu desapareça, mas que Ele se eleve”.

João vai morar no deserto, vai viver extremamente uma vida de penitência, preparando-se para o anúncio do Reino de Deus. E, assim, do deserto, sua voz, a voz que clama do deserto: “Preparai os caminhos do Senhor”, que escutamos tanto no Tempo do Advento. “Preparai os caminhos do Senhor”, “Endireitai as Suas veredas”, “O Reino dos Céus está próximo”, “Toda árvore que não der fruto será cortada, lançada ao fogo; eis que o machado foi posto à raiz das árvores”, “Convertei-vos”. E não só ao povo, mas ao Rei, que vivia em adultério, que vivia com a mulher do seu irmão. E, como o pecado era público, João se levantava publicamente contra o Rei, sem medo, sem temor; olhos fixos somente em Deus, e com zelo, com amor profundo pelas almas e pela salvação das almas. Assim foi o grande João Batista. Por isso que o seu nascimento traz um véu de mistério, tanto que as pessoas dizem aqui no Santo Evangelho: “Este menino será grande”. “E tu, menino, serás profeta do Altíssimo; irás à frente do Senhor, para preparar os Seus caminhos.” É o Canto de Zacarias, o Benedictus, que todas as manhãs a Igreja entoa na oração das Laudes.

E o que é que João diz para nós? Que nos convertamos! “Quem roubou, não roube mais; quem adulterou, não adultere mais; quem mentiu, não minta mais...” Essa é a voz do deserto que clama para nós. Não com doces, não com harmonias, não com músicas que trazem para nós tanto “açúcar” que só atrai formigas, nada mais do que formigas, e que não fazem de nós, de forma nenhuma, heróis da nossa fé; não fazem de nós pessoas fortes, capazes de renunciarmos ao pecado – ou, melhor, cortarmos com esse machado que está posto à árvore, mesmo que nos custe, mesmo que nos faça sofrer a raiz em nós de todo mal. É o que Deus espera de nós: uma conversão profunda, precisa, imediata, sem delongas!

Noutro momento, Nosso Senhor fará um grande elogio a João Batista. “O que vocês foram ver no deserto? Um homem vestido com roupas finas, com gestos elegantes? Esses homens não estão no deserto, estão nos palácios. O que vocês foram ver no deserto?”, indaga Jesus. E, noutra parte, Ele vai dizer: “Daqueles que nasceram de mulher, nenhum foi maior que João Batista.” Nenhum! É o grande elogio de Jesus. Mas, em seguida, Ele dirá para nós: “O menor no Reino dos Céus, este é maior que João Batista.” De forma que, no mundo da graça, ninguém é maior, ninguém é menor; ninguém tem menos, ninguém tem mais; Deus distribui as Suas graças. Sem delongas, sem moleza; sem estarmos caídos, debruçados sobre o nosso pecado; sem estarmos chorando num eterno muro de lamentações sem provocar em nós, destes choros, uma autêntica, precisa, mudança de vida. Deus não quer de nós choros, nem tampouco que “rasguemos as vestes”, se atrás disto ou se depois disto não vem a prática de uma vida convertida, de uma vida nova.

Não é com palavras bonitas, não é com musiquinhas bonitas, não é com novos métodos que iremos salvar a nossa alma, mas com determinação, com austeridade, com violência contra nós mesmos, contra nossa carne que nos arrasta para o pecado. Por isso Nosso Senhor, noutra passagem, vai nos dizer: “O Reino de Deus é dos violentos.” E só os violentos entram; os molengas, os efeminados, não entrarão no Reino dos Céus por quê? Porque não se determinam para isso.

Que Deus, Nosso Senhor, neste dia da Natividade de São João Batista, nos dê a têmpera dos mártires, para que, sem moleza, possamos, assumindo a nossa austeridade de cristãos, rumarmos para a vida eterna, cortando – de imediato, sem delonga alguma – com o pecado, com tudo aquilo que impede a nossa salvação. Sem medo de forma alguma, sem espanto, mas com a fé viva no Cristo Senhor ressuscitado e sob a ajuda da poderosíssima Mãe de Deus, a sempre Virgem Maria.

“De mil soldados não teme a espada quem vive à sombra da Imaculada.” Que Nossa Senhora nos ajude a um bom termo nesta vida.

Homilia proferida em 24 de Junho de 2012 (Domingo), festa da Natividade de São João Batista.

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29/06/2012
04:48 | Postado por Sacerdos

Homilia da Missa do Domingo de Pentecostes

Pe. Marcelo Tenório

V. Ave Maria, Gratia plena, Dominus tecum, benedicta tu in mulieribus, et benedictus frutus ventris tui Jesus.
R: Sancta Maria, Mater Dei, ora pro nobis peccatoribus, nunc et in hora mortis nostrae. Amen.
V. Ora Pro nobis Sancta Dei Genitrix
R: ut digni efficiamur promissionibus Christi.

A Igreja celebra hoje a solenidade de Pentecostes, a descida do Espírito Santo no Cenáculo sobre Maria, os Apóstolos e os discípulos.

A Santa Igreja nasce do lado aberto de Jesus Cristo na cruz, mas hoje é como que inaugurada publicamente. O Espírito Santo desce com força, com poder, com autoridade. Derramam-se sobre os Apóstolos com Maria, em forma de línguas de fogo, os dons, o carisma, tudo aquilo que é necessário para a missão apostólica da Igreja é derramado pela ação e pela graça do Espírito Santo.

Tinham-se completado os dias de Pentecostes, ou seja, cinquenta dias após a Páscoa. Estavam todos os discípulos no mesmo lugar quando, de repente, sobreveio do céu um estrondo como de vento soprando impetuosamente. E desce o Espírito Santo, e eles começam a falar em línguas conforme o Espírito lhes concedia que falassem. Estavam ali gregos, medos, elamitas, de várias nacionalidades... E ficaram maravilhados porque os Apóstolos começaram a louvar e a bendizer a Deus e aqueles que ali se encontravam compreendiam perfeitamente em sua própria língua. É o que a Igreja chama de “glossolalia”, o que aconteceu justamente em Pentecostes. É o famoso dom de línguas, que não é a incompreensão de línguas, mas muito pelo contrário: é a compreensão daquilo que Deus quer falar.

Como tantos estrangeiros poderiam compreender os Apóstolos? Compreendiam porque, ao descer o Espírito Santo sobre a Igreja nascente, todos escutavam as maravilhas de Deus na sua língua. Aqui não há diversidade de línguas pela ação do Espírito Santo; tal obstáculo surgiu antes da descida do Espírito Santo [pois as diferentes línguas surgiram em Babel, n.d.t.]. Imaginemo-nos numa peregrinação a Roma ou à Terra Santa: em meio a tantos grupos e a tantas nacionalidades, ai está a diversidade de línguas, porque não se entende se não se conhece o idioma daquele local. Em Pentecostes, não houve uma diversidade de línguas: em Pentecostes, houve a unidade das línguas. E esta unidade das línguas é no Espírito Santo: quando desce o Espírito Santo, todos compreendem, todos escutam, todos entendem; a língua já não é mais um empecilho, porque o dom das línguas que é derramado.

Claro, é um fenômeno, um milagre o que aconteceu naquele momento de Pentecostes. Hoje, se você não estudar o francês, o inglês, o italiano, claro, você chegará em Lourdes e, se for se confessar, não entenderá o que o padre te falará, nem tampouco o padre  entenderá você, porque a cada um falta-lhe o conhecimento intelectual daquela língua pronunciada pelo outro.

O Espírito Santo não costuma fazer espetáculos de poder. O Espírito Santo não costuma nos dar aquilo que não temos. Ele costuma aprimorar, recordar, ajudar naquilo que, pela nossa inteligência dada por Deus, aprofundamos e melhoramos. Àquele estudante que não faz nada, não estuda, gastou o tempo de estudo em brincadeiras e, na hora da prova, invoca o Espírito Santo, claro que o Espírito Santo não o ajudará descerá e tampouco dará a esse aluno uma boa nota. Por quê? Porque esse aluno não fez aquilo que deveria ter feito: estudar, ter o domínio da matéria. Aí, sim, tendo estudado e adquirido o domínio da matéria, o Espírito Santo invocado irá ajudar aquele cristão católico, irá recordar, iluminar. Se você não sabe inglês, não pense que o Espírito Santo lhe fará interpretar a língua inglesa sem nunca ter se debruçado sobre os livros e a gramática ingleses.

Aqui é o momento fundante da Igreja. Acontece a glossolalia: na diversidade de línguas, a unidade da Igreja. Por isso que até hoje o Latim é a língua oficial da Igreja. Por quê? Porque se nós estivermos na China, se nós estivermos na Croácia, se nós estivermos na Polônia, poderemos, com muita tranquilidade, assistir à Santa Missa, compreender a Santa Missa, cantar os hinos, entoar o Credo sabendo aquilo que estamos cantando. O Latim, esta língua belíssima da Igreja, nada mais é do que uma figura da unidade das línguas acontecida justamente no Domingo de Pentecostes.

A variedade de línguas é que necessita de interpretação das línguas. E aí São Tomás vem nos ensinar, sobretudo, que as línguas estranhas são coisas incompreensíveis, e Deus não quer que fiquemos em coisas incompreensíveis; Deus quer que saibamos bem, porque se fosse para Ele nos falar e não compreendermos, então para que Ele iria nos falar? Na verdade, no dia de Pentecostes não houve confusão de línguas. No dia de Pentecostes houve a unidade das línguas, a compreensão – todos compreenderam.

E, na Sequência cantada antes do Santo Evangelho, a Igreja invoca: “Vinde. ó Espírito Santo, mandai-nos lá do Céu um raio da Vossa luz; vinde até nós, pai dos pobres, caudal de todos os dons, e fulgor dos corações”. É a invocação da Igreja, a Igreja que clama para que o Espírito Santo desça, para que este Espírito Santo venha sobre nós. Um dia fomos batizados e naquela pia batismal recebemos o Espírito Santo. Fomos batizados no Espírito Santo e no fogo, recebemos o signo da Santíssima Trindade e, ali, todos os dons, todos os Sete Dons do Espírito Santo, e mais as Virtudes Teologais que, infusas em nós, nos capacitam, ou nos ajudam, ou são condições sine qua non para que cheguemos até Deus, para que amemos a Deus, para que façamos a Sua santa vontade; estas virtudes são justamente a Fé, a Esperança e a Caridade.

Que neste Domingo de Pentecostes, a descida do Espírito Santo no Cenáculo sobre Maria, os Apóstolos e os discípulos, nos traga essa graça de compreendermos a importância da unidade da Igreja, a importância da unidade das línguas na Igreja; não a confusão de línguas, não a confusão em ideias, não a confusão em teologia, não a confusão em pensamentos.

Estamos em tempos tão difíceis que, mesmo em livrarias católicas, temos muito trabalho em encontrar livros que realmente nos ensinam a verdadeira fé, o verdadeiro Catecismo da Igreja. É a confusão das línguas: teólogos que não se entendem, teólogos que se levantam contra o Papa e contra o seu Magistério, sacerdotes também que desejam ou que buscam, muitas vezes, não a unidade, mas a confusão do pensamento, mesmo estando no seio da Igreja.

Todas essas questões levaram Bento XVI no ano passado, quando estava indo até Fátima, dizer aos repórteres: “Os inimigos da Igreja não estão fora, estão dentro.” E são inimigos da Igreja aqueles que não trabalham em prol da unidade das línguas, mas, pelo contrário, em prol da confusão, em prol de semear o joio, de confundir, de perturbar a Igreja de Deus. Pentecostes é a inauguração da Igreja, a Igreja nascida no lado aberto do Senhor, manifestada com sua glória neste Domingo.

Rezemos pelo Santo Padre, rezemos pela unidade da Igreja e fujamos sempre da confusão das línguas, buscando a unidade das línguas na qual compreenderemos bem, sem equívoco, esta fé apostólica que nos foi transmitida até pelo sangue dos mártires.

Hoje temos a honra e a graça de termos em nosso meio a relíquia de São Sebastião. Parte de seu corpo, que vem nos visitar, que vem nos abençoar. São Sebastião não derramou seu sangue praticando aggiornamento, ou cedendo em pontos de sua fé, mas foi por testemunhar Nosso Senhor, e por não recuar em relação à fé. Derramou seu sangue pelo reino de Deus, pela Igreja, por Nosso Senhor Jesus Cristo.

Neste Domingo de Pentecostes, no dia em que é rezada esta Santa Missa ao lado da relíquia de São Sebastião, peçamos a ele, a este grande mártir, a este poderoso mártir, que interceda por nós, para que tenhamos não a moleza dos modernos, mas a têmpera dos mártires para darmos a nossa vida, derramar o nosso sangue se preciso for pela Igreja, pelar Virgem Santíssima e pelo Papa.

Homilia proferida em 3 de Junho de 2012, no Festa de Pentecostes.

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20/06/2012
22:18 | Postado por Sacerdos

Homilia da Missa Votiva em Honra a São Sebastião no Tempo Pascal
Pe. Marcelo Tenório

V. Ave Maria, Gratia plena, dominus tecum, benedicta tu in mulieribus, et benedictus frutus ventris tui Jesus.
R: Sancta Maria,  Mater Dei, ora pro nobis peccatoribus, nunc et in hora mortis nostrae. Amen.
V. Ora Pro nobis sancta Dei Genitrix
R: ut digni efficiamur promissionibus Christi.

É uma grande honra para nós recebermos hoje nesta Paróquia as relíquias de São Sebastião. São Sebastião, que viveu no final do século II para o século III, e que morreu sob o imperador Diocleciano, um grande sanguinário. São Sebastião se tornara cristão e se convertera à religião católica, diante do poderio do Império Romano. Como nós sabemos era um grande Oficial do Imperador, um dos mais queridos. E Diocleciano tinha planos para Sebastião devido à sua admiração por ele, por se tratar de um exemplar oficial. Todavia, Sebastião tinha recebido o batismo cristão; e os cristãos eram encarcerados, perseguidos, aniquilados, assassinados, torturados... E Sebastião levantou-se em favor dos cristãos, pois que sendo também cristão, foi descoberto como tal e não renunciando, nem abjurando a sua fé, foi condenado à morte.

A tropa que ele mesmo chefiava, por ordem do Imperador, na floresta, disparou contra ele flechas e o abandonou ali para que sangrasse até morrer. Parecia morto, mas Sebastião não morrera. Uma mulher – Santa  Irene – o encontra, leva-o para casa e cuida das suas feridas. Recuperado, poderia ter fugido, poderia ter ido embora, pois já era dado como morto. Mas, não: diante das barbaridades que Diocleciano fazia com os cristãos, numa grande festa pública se apresentou diante do Imperador para protestar. O Imperador mandou que ele fosse executado no circo e com flagelos de chumbo, pauladas, espancamento até a sua morte. E morre Sebastião, derramando o seu sangue justamente pelos cristãos e pela Igreja nascente, de forma que sua fama se espalhou imediatamente, sendo jogado o seu corpo em uma vala para evitar veneração por parte dos cristãos, mas novamente santas mulheres – entre elas, Santa Luciana – recolheram seu corpo e o enterraram nas chamadas catacumbas de Roma. Lá até hoje se encontra a belíssima Basílica de São Sebastião, onde ele está sepultado.

Suas relíquias não são muitas, são pouquíssimas no mundo inteiro. Mas hoje recebemos esta relíquia de São Sebastião, aqui em Campo Grande, Mato Grosso do Sul. Uma parte de seu braço, um pedaço pequeno de seu braço, que contém sua massa óssea. Diferente de um santo do século passado que se tem ainda mais partes do seu corpo, como São João Bosco ou Santa Rita de Cássia, que são bem mais novos, é claro, em relação a São Sebastião.

As relíquias de santos, sobretudo dos mártires, muitas vezes costumam assinar suas venerações através de milagres portentosos e de prodígios. Mais ou menos pelo século V houve uma grande peste em Roma, uma grande epidemia. Então, por ordem do Papa, fizeram uma procissão com as relíquias de São Sebastião, e, milagrosamente Roma foi salva daquela terrível epidemia, vindo a saúde e a calmaria na cidade romana. A partir daí, muitos o invocavam – e ainda hoje o invocam – contra a peste, contra a guerra, contra a fome, contra as epidemias. Esta Paróquia, há 75 anos, começou a partir de uma grande proteção de São Sebastião. Era tudo fazenda a este redor. E um senhor que tinha muito gado viu-se cercado de fazendas vizinhas nas quais o gado todo estava morrendo por uma peste. Então, ele prometeu: “Se em minhas terras a peste não atingir nenhuma cabeça de meu rebanho, prometo construir uma capela a São Sebastião”. E, mesmo morrendo o rebanho das propriedades vizinhas, em nenhuma cabeça de seu gado este fazendeiro perdeu. Mas Deus tem seus planos: quem ficou doente foi o fazendeiro, vindo a falecer, embora antes tenha pedido que seus amigos continuassem com este projeto. E eles foram fazendo churrascos, quermesses e eventos desde 1937, e construiu-se uma pequena capela. Então, a Paróquia São Sebastião é fruto de uma ação concreta deste tão grande santo, conhecido e venerado no mundo inteiro. Não existe diocese, não existe cidade que não se tenha pelo menos uma Igreja dedicada a São Sebastião.

E aqui ele está hoje através de suas relíquias. E Deus costuma oferecer graças imensas e milagres quando veneramos as relíquias dos santos. Foi assim com Santo Agostinho: quantas graças, quantos milagres alcançados pela veneração das relíquias que existiam na Igreja onde Santo Agostinho era pastor... E noutras regiões, através das relíquias de outros santos, sobretudo os mártires, que para Deus são a melhor parte, por que deram o sangue, derramaram o sangue mas não renunciaram a sua fé. Não fizeram aggiornamento, não fizeram ecumenismo com os pagãos! São Sebastião não fez ecumenismo com o Império Romano, nem tampouco com os deuses inexistentes. Muito pelo contrário: morreu por reafirmar a sua fé no Deus único, no Deus verdadeiro.

A Epístola que acabamos de escutar fala justamente disso: “Os justos levantar-se-ão com toda a afoiteza contra aqueles que os atribularam e que só manifestavam desdém em face dos seus trabalhos.” Então, os justos vão se levantar contra os iníquos, e estes serão julgados a partir dos justos. Não que os justos farão justiça por eles mesmos. Não: o seu exemplo, o seu testemunho, a sua vida santa, a sua fama santidade, a vitória que aquela morte proporcionará mais tarde, vai deixar os seus algozes e pérfidos julgados diante das injustiças e misérias que praticaram contra os justos. Então, a vida mesma dos justos julgará os injustos e insensatos: “Estes são aqueles de quem nós antes zombávamos e cobríamos de sarcasmos.” Isto, no juízo universal, os justos poderão contemplar. Dizem as Sagradas Escrituras: “Os justos brilharão como o sol; quem são estes com estas vestes brilhantes? Estes são aqueles que lavaram suas vestes no sangue do Cordeiro.”

Os mártires nos dão exemplo de determinação e de luta em prol do reinado social de Nosso Senhor Jesus Cristo. E, muitas vezes, parece que Cristo está banido da sociedade pelas leis, pelo Estado. De alguma forma ou de outra, parece que a vitória do mal impera na nossa sociedade. Mas (esta vitória) é só aparência, é só aparência... Há pouco tempo escutamos e vimos a decisão iníqua, injusta, do Supremo Tribunal do Brasil, quando aprovava o assassinato de crianças nascituras. Pareciam deuses julgando em suas causas próprias... Ah! Os anos passarão, as décadas virão e nós iremos ver o resultado destas pessoas que se levantaram contra Deus, contra Sua Lei e contra o Seu poder.

Bem lembrava o Cardeal Eugênio Salles: “Aonde estão os inimigos da Igreja no passado? Todos mortos! Mortos e esquecidos. Aonde estão os mártires que sofreram por causa deles? Reconhecidos, e ainda vivem, ainda são exemplo para nós!” Exemplos de fé, exemplos de determinação, exemplo de força; embora fracos, fortaleceram-se em Cristo. E, fortalecendo-se nos exemplos dos mártires, muitos e muitos não renunciaram à sua fé. Não titubearam! Não fizeram aggiornamento! De forma nenhuma! Mas testemunharam Cristo crucificado, e lutaram, até onde puderam, pelo reinado social de Nosso Senhor Jesus Cristo. Os verdadeiros católicos não aggiornam. Os verdadeiros católicos defendem a sua fé, até o martírio se for necessário, como lembrava o Papa São Pio X: “São poucos, mas aí está a verdadeira Igreja Católica”.

Homilia proferida em 26 de Maio de 2012, no 1º dia da Visita das Relíquias de São Sebastião a Campo Grande/MS

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13/06/2012
13:37 | Postado por Sacerdos

Pe. Marcelo Tenório

V. Ave Maria, Gratia plena, dominus tecum, benedicta tu in mulieribus, et benedictus frutus ventris tui Jesus.

R. Sancta Maria, Mater Dei, ora pro nobis peccatoribus, nunc et in hora mortis nostrae. Amen.

A Santa Igreja celebra o Domingo depois da Ascensão. Na quinta-feira passada foi celebrada a Ascensão do Senhor: Cristo que volta ao Pai. Esteve em meio a nós, no meio dos Apóstolos, entre os discípulos. Vive três anos em meio a nós, depois sofre, padece, morre e, no terceiro dia, ressuscita; aparece aos Apóstolos e aos discípulos, dá suas últimas instruções, dentre elas: “Não saiam de Jerusalém, porque João batizava com água, mas vós sereis batizados no Espírito Santo e no fogo”. Para que? Para que sejamos suas testemunhas.

O que é o batismo no Espírito Santo e no fogo? É o Batismo sacramental. Nosso Senhor nos promete o Espírito Santo no Domingo de Pentecostes com a inauguração pública da Santa Igreja nascida do lado aberto de Jesus na Cruz. Lembremo-nos que, quando Cristo morre na cruz, do seu peito rasgado, quando não tinha mais sangue para escorrer, saiu água. Do seu peito sai sangue e água, significando para nós os Sacramentos. E através dos Sacramentos dAquele que sobe ao Pai é que, a partir de então, o veremos pelo véu dos Sacramentos, não com os olhos da carne, mas com os olhos da fé.

Este mesmo Jesus que subiu aos céus irá nos santificar, governar e ensinar através da Santa Igreja, dos Sacramentos e, assim, pela ação sacramental, continuar a Sua obra, de forma que a grande realização de Pentecostes não foi o Batismo sacramental para os Apóstolos – porque eles já eram Bispos da Igreja e já tinham recebido esse Batismo do próprio Senhor no dia de suas sagrações – mas a manifestação pública da Igreja. É “como a Crisma”: o Sacramento da Crisma é a confirmação pública daquilo que já somos. Por este motivo só podem receber este Sacramento aqueles que querem realmente trabalhar no apostolado católico, aqueles que querem ser testemunhas de Cristo. Receber o Espírito Santo, para quê? Para ficar em casa? Não! Para anunciar com a alma, com ardor, com a própria vida! Tanto que todos os Apóstolos derramaram o seu sangue por Cristo, com exceção de São João Evangelista, por desígnio de Deus.

No grego, a palavra usada para “testemunha” é “Mártir”; então, testemunho no grego é martírio. Todos nós, batizados, somos selados por Deus, tornamo-nos filhos no Filho e somos chamados ao martírio, que nem sempre se dá, necessariamente, com derramamento de sangue.

Sabemos que nos países não cristãos acontece uma onda de atentados contra os cristãos católicos. Quantos morreram na Missa da Vigília de Natal, justamente por serem cristãos. E, agora, a começar da Europa, está entrando no Brasil o que se está chamando de “cristofobia”. Ninguém aceita mais o Reinado Social de Nosso Senhor! E querem tirar as imagens sagradas dos estabelecimentos alegando que o Brasil é um país laico. Isto é um absurdo! Primeiro que não existe país laico, não existe a laicidade do estado, visto que a lei suprema é a Lei Divina, e todas as leis humanas, positivas, devem apontar para e respeitar a Lei divina. De forma que, se o estado pretensiosamente quer se colocar laico, saibam seus governantes que o povo é profundamente religioso e, em se tratando do Brasil, o povo é profundamente católico. Nascemos à sombra da Santa Cruz. Então, nós temos campo mais do que fértil para darmos testemunho, sermos mártires, literalmente ou pelo nosso Batismo: ou derramando o nosso sangue pelo martírio de fato, ou pelo martírio moral, que significa assumir, custe o que custar, a nossa condição de cristãos, de batizados, de filhos de Deus; significa sermos sinal de contradição numa sociedade modernista, numa sociedade pagã, numa sociedade que excluiu Deus. Esta é a nossa missão e para isto viemos.

O que estamos fazendo neste mundo? Para onde estamos indo? Para a eternidade; para a eternidade, cedo ou tarde. Uns são levados mais cedo, outros ainda ficam mais um tempo. Quem pode acrescentar um milímetro, um segundo à sua vida nesta terra? Ninguém! Estamos caminhando para Deus. Por isso, na Epístola, São Paulo vai nos falar justamente: “Sede prudentes e velai na oração, sobretudo mantendo entre uns e outros um indefectível caridade mútua.” Viver no amor, viver na fraternidade, na comunhão, no amor-caridade, que é o próprio amor de Cristo. Não um amor romântico, mas um amor que é capaz de dar a vida, é um amor sacrifical.

E o santo Evangelho nos fala sobre o Espírito Santo, sobre o Advogado, o Paráclito que nos foi prometido para nos dar a força no testemunho. E Nosso Senhor nos diz: “Vão colocar vocês para fora das sinagogas, vão prender vocês, vocês serão expulsos, maltratados por minha causa, por causa do Meu nome, mas alegrai-vos.” Nosso Senhor não nos prometeu vida fácil. Nosso Senhor não nos prometeu aplausos. Nosso Senhor nos prometeu a vida eterna, a vida feliz no céu, com perseguições aqui na Terra. De forma que o cristão católico é sempre perseguido. Mas aí está: somos chamados para dar a nossa vida.

Por que não devemos buscar neste mundo nada, não devemos buscar neste mundo coisa alguma? A vida passa muito rápido. Todos se dirigem para a casa de Deus, para a eternidade, para o encontro decisivo com o Senhor no seu julgamento. E é necessário estarmos prontos e preparados.

Certa vez, São Luís Gonzaga – que era jovenzinho, mas já tinha fama de santidade – estava jogando bola, e alguém chegou e perguntou a ele: “Luís, se o mundo fosse acabar agora, o que você faria?” E ele respondeu: “Continuaria jogando bola.” Que resposta maravilhosa! Se alguém perguntasse para nós agora: “Se o mundo fosse acabar daqui a dez minutos, o que você faria?”, será que diríamos a mesma coisa? Ou será que sairíamos correndo para um lado e para o outro, uns atrás de um padre para fazer a confissão de última hora, outros para pedirem perdão para alguém... Quantos assuntos pendentes? Não, não! Aquele que deseja se converter amanhã, jamais se converterá. Vivamos o hoje como se daqui a meia hora fôssemos estar na presença de Deus. São Luís Gonzaga, tão jovem, pôde dizer “continuaria jogando bola” porque ele estava preparado, vivia preparado, vivia buscando a Deus, e não queria de Deus se afastar de forma alguma. Esta é realmente a nossa meta: buscar a Deus, viver em Deus.

E o Espírito Santo nos dará a graça para tanto. O Espírito Santo que veio em Pentecostes e que recebemos no nosso Batismo, nos dará a graça, nos dará o meio, nos dará a forma de darmos o testemunho de Cristo. Nosso Senhor diz no Evangelho: “Aquele que der testemunho de mim diante dos homens, eu irei dar também testemunho dele diante do Pai. Aquele que se envergonhar de mim diante dos homens, eu também irei me envergonhar dele diante do meu Pai.” Santa Teresinha dizia: “Quero o amor e nada menos.” Então queiramos Deus, queiramos Nosso Senhor Jesus Cristo, não nos afastemos dEle pelo pecado. Procuremos viver uma vida na caridade, no amor, para nos apresentarmos diante dEle. Vivamos como São Luís Gonzaga, e, no bom sentido figurado do “continuarei jogando bola” deste santo, possamos também, àqueles que nos perguntarem sobre nossa última hora, testemunharmos: “Estou pronto para o Senhor; logo, continuarei em meus afazeres”.

Homilia proferida em 20 de Maio de 2012.

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13/06/2012
12:23 | Postado por Sacerdos

Pe. Marcelo Tenório

V. Ave Maria, Gratia plena, dominus tecum, benedicta tu in mulieribus, et benedictus frutus ventris tui Jesus.
R: Sancta Maria,  Mater Dei, ora pro nobis peccatoribus, nunc et in hora mortis nostrae. Amen.

A Igreja celebra hoje a Festa da Ascensão do Senhor. O Senhor que volta para o Pai, que volta para o Céu, e que desaparece à vista dos Seus Apóstolos que, a partir de então, viverão pela fé. A fé é justamente a certeza das coisas sobrenaturais que não vemos.

No Céu não haverá nem a fé, nem esperança, porque veremos e contemplaremos a Deus, e a esperança não será mais necessária. O único carisma realmente necessário – e que continuará até o Céu – é o amor, o amor que vem de Deus. Então, Nosso Senhor hoje entra no véu do mistério, permanece nos Sacramentos da Igreja a governar, santificar e a ensinar, mas sempre no véu dos Sacramentos, sempre no véu do mistério. E aí entra a nossa fé: ninguém vê, ninguém percebe, mas nós damos adesão a esta verdade que está presente entre nós, no meio da sua Igreja. Através das autoridades legítimas, Ele nos governa, nos orienta, nos ensina, e nos santifica através dos ministros consagrados. E, sobretudo, Ele se dá e se faz presente, entre outros Sacramentos, no Santíssimo Sacramento da Eucaristia.

Então, Nosso Senhor nos diz o que disse a Tomé: somos bem-aventurados porque não vimos, mas acreditamos nesta presença sacramental de Nosso Senhor, que continua através da Santa Igreja. De forma que, para nós, resta-nos buscar crescer cada vez mais nas virtudes que nos levam até Ele, que são: a fé, a esperança e a caridade. A fé, para que alimentemo-nos sempre e mais desta verdade; a esperança, para que não nos cansemos em meio ao caminho, com nossos olhos fixos na promessa de Nosso Senhor; e a caridade, o amor, que nos leva à prática das boas obras e que nos leva ao céu.

Aqui Nosso Senhor prepara os Apóstolos para a vinda de Pentecostes, para o Paráclito que descerá e recordará tudo o quanto já tinha sido dito. É um novo envio, como diz Santo Agostinho: “uma nova benção”. É, realmente, a inauguração da Igreja: aquela que nasceu no coração aberto de Jesus é inaugurada, então, no dia de Pentecostes, e eles são batizados no Espírito Santo. Não nesses “batismos carismáticos” que escutamos por aí, mas no batismo do fogo, no sentido de que a graça do batismo sacramental e o Espírito Santo que já se encontram neles, gerarão, pela graça, a compreensão plena da verdade e dos mistérios de Nosso Senhor.

Isto é extremamente importante para nós. Nosso Senhor, sempre preocupado com nossa salvação, nos possibilita uma nova graça por causa do Espírito que já está em nós. Como somos fracos e miseráveis, o Senhor não nos deixa entregues à mercê dos males e dos ventos: porque somos fracos na nossa fé, Ele sempre nos possibilita uma nova benção, um novo envio do Espírito Santo.

Quando fomos batizados, recebemos a graça do Espírito Santo, mas é necessário praticá-los na graça de Deus – e pela graça de Deus. Existem pessoas que não rezam, não têm nenhuma motivação para com as coisas sagradas, ou seja, possuem toda a piedade, mas vivem como se não a possuíssem; outros têm o temor de Deus, mas vivem como se Deus não existisse, embora tenham dentro si o dom do temor de Deus.

Que Nosso Senhor, no dia da Sua Ascensão, possa nos dar a graça de jamais negligenciarmos o Espírito Santo que há em nós e que recebemos no dia do nosso Batismo, e que não o deixemos à porta a nos esperar, a esperar a nossa adesão. Parafraseando Santo Agostinho: “Tenho medo do Deus que passa”, pois cada vez que o Espírito vem sobre nós, é uma passagem de Deus sobre a nossa vida, sobre a nossa história; é a graça derramada, a qual muitas vezes pisoteamos. Seremos julgados justamente por cada graça que Deus nos enviou e tenhamos desprezado, por cada bênção que Deus nos concedeu e que tenhamos desprezado.

Homilia proferida em 17 de Maio de 2012, festa da Ascensão de Nosso Senhor.

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21/05/2012
09:42 | Postado por Sacerdos

"Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará"

Pe. Marcelo Tenório

V. Ave Maria, Gratia plena, dominus tecum, benedicta tu in mulieribus, et benedictus frutus ventris tui Jesus.
R: Sancta Maria, mater Dei, ora pro nobis peccatoribus, nunc et in hora mortis nostrae. Amen.
V. Ora Pro nobis sancta Dei Genitrix
R: Ut digni efficiamur promissionibus Christi.

A Igreja celebra hoje o 5º Domingo Após a Páscoa, na alegria do dia da grandiosa aparição de Nossa Senhora de Fátima. Não é à toa que Fátima é considerada o altar do mundo: em Fátima está a síntese de todas as aparições; em Fátima, Nossa Senhora conclui o ciclo de todas as aparições anteriores, anunciando as desgraças, os castigos, mas também a vitória, o triunfo do seu Coração Imaculado. E quem está no Coração Imaculado de Maria? Cristo. É a vitória de Cristo sobre o mal, a vitória de Cristo sobre todas as heresias, a vitória da verdade contra o erro, contra a falsidade; é a vitória de Cristo anunciada em 13 de maio de 1917.

Pois bem. Embora, nos domingos, nos debrucemos sobre o Sacrifício de Cristo no Calvário [n.d.r.: Santa Missa] – por isso geralmente não se celebram festas ou memórias de santos aos Domingos – e embora as aparições de Fátima não sejam impostas como dogmas – visto que se tratam de revelações particulares, não públicas – não podemos deixar de dar a nossa adesão, pois a Igreja e os próprios Papas lá estiveram para agradecer, para honrar a Santíssima Mãe de Deus, sob o título de Nossa Senhora Mãe do Rosário de Fátima.

Hoje, para nós católicos, é um grande dia: 95 anos das aparições. Há 95 anos, a humanidade foi advertida: a Santíssima Virgem se dignou estar em nosso meio, a descer ao nosso mundo para anunciar um prêmio e um castigo. Um prêmio para aqueles que desejam, que se esforçam e que querem viver na intimidade com o seu Filho, numa conversão constante – e aqui se encaixa a Epístola de São Tiago: “Não contenteis só em ouvir a Palavra de Deus”. Todas as vezes que vamos à Santa Missa, escutamos a Palavra de Deus; é Deus que nos fala, sobretudo no santo Evangelho. Mas não podemos fazer as vezes daquela pessoa que, como diz São Tiago, “... se olha no espelho vendo a cara que a natureza lhe deu, contempla-se e (...) logo se esquece do que é”; apenas isso acontece: uma contemplação, nada muda... São aquelas pessoas que estão sempre na Igreja, são aquelas pessoas que assistem sempre à santa Missa, são aquelas pessoas que fazem novenas, que rezam, etc.; que pedem a Deus suas graças, mas não mudam de vida, não se convertem, não se colocam na atitude de conversão profunda. E a conversão profunda passa pela busca de Deus. Como sabemos que estamos caminhando para a conversão? Sabemos se estamos buscando Deus. E como buscamos Deus? Com a nossa oração.

O Santo Padre Pio dizia coisa análoga a São Francisco de Sales: “Quem reza muito se salva, quem reza pouco está em perigo, quem não reza será condenado!” Em qual destes estágios estamos? Rezamos muito e já podemos, se não ter certeza da salvação, pelo menos ficar um tanto contentes pela nossa busca pela oração a ponto de nos aproximarmos da presença de Deus? Ou rezamos pouco? Se rezamos pouco, estamos em perigo... Ou não rezamos de forma alguma? Se não rezamos de forma alguma é sinal de que realmente nos condenaremos.

O grande problema nosso é que achamos que depois de nós as trombetas tocarão. “Nem passaremos pela morte! Nós não morreremos, só os vizinhos nossos, só aqueles que estão ao nosso lado, só aqueles que conhecemos; esses sim, desgraçadamente, serão assassinados, atropelados, ou sofrerão outra fatalidade física qualquer, etc. Nós não; nós os vivos aqui, depois de nós virão as trombetas tocando, e iremos nos encontrar nas nuvens com Deus.” No fundo, inconscientemente, é isso que pensamos! Porque se pensássemos em nos preparar para a morte, se pensássemos que a morte vai chegando aos poucos, devagarzinho e que, a qualquer momento, ela se aproxima, e que é necessário já estarmos convertidos...

Nossa Senhora em Fátima nos exorta a apressarmos a nossa conversão. E o caminho de conversão passa pela mudança de vida, sim, por escutar a palavra de Deus e pô-la em prática. E o grande combustível para isso é justamente a “oração”, para nos colocarmos na intimidade de Deus, para que Deus possa nos moldar nEle e, assim, Suas verdades ficarem cada vez mais claras para nós.

No santo Evangelho, no epílogo da presença de Cristo visível entre os seus – pois na quinta-feira celebrar-se-á a Festa da Ascensão do Senhor: Cristo que volta ao Pai – Nosso Senhor, concluindo, diz justamente isto: “Já não falarei em parábolas para vocês, pois claramente vos explicarei quem é o Pai”; “Já não vos chamo de servos, porque o servo não sabe o que o seu senhor faz; eu vos chamo de amigos”. Este é o grupo de Senhor, e a este grupo que quis a conversão, quis viver nesta intimidade com o Senhor, que, agora, sobre este grupo, é derramada a graça da compreensão de todas as coisas, porque o Espírito Santo lhes é concedido.

A palavra de Deus se dirige para nós também; tanto a Epístola quanto o santo Evangelho, sobretudo neste dia em que Nossa Senhora de Fátima iniciou as suas aparições na Cova da Iria. E esta mensagem de Fátima até hoje ecoa em nossos ouvidos. Nossa Senhora não nos pediu grandes sacrifícios; Nossa Senhora nos pediu a oração: “Rezai o terço todos os dias.” Nem nos pediu para irmos à Missa. Interessante: a Mãe de Deus não nos manda assistir à Missa. A Mãe de Deus nos manda rezar o terço todos os dias. Por que isto? Claríssimo: pela contemplação dos mistérios da vida do seu Filho seremos levados ao Santo Sacrifício da Missa. De forma que não temos para onde ir: “Para onde iremos, Senhor?” Ou por um caminho, ou pelo outro; ou pelo caminho daqueles que desejam a Deus e que querem converter-se a Ele, ou pelo caminho daqueles que, iludidos, desprezam a salvação, entregam-se aos seus prazeres e aos perfumes no mundo.

Entre as tantas fases das aparições de Fátima, uma me impressiona: uma senhora muito rica leva até Lucia, a vidente mais velha, um precioso perfume para que, assim que Nossa Senhora aparecesse, Lucia o apresentasse a Ela, dizendo: “A senhora fulana de tal está Vos presenteando com este perfume”. Um perfume caríssimo... Fico imaginando, na hora da aparição, essa senhora, que deveria estar próxima de Lucia para saber a reação da Mãe de Deus; afinal de contas é um presente muito caro, é um perfume, etc. E conta-nos irmã Lucia, na sua idade avançada, mas lembrando-se da cena, que, quando na aparição ela apresentou o perfume caro que aquela dama da sociedade havia trazido, Nossa Senhora, que antes apresentava uma feição graciosa e um leve sorriso nos lábios, ficou com semblante sério, desfazendo-se toda a sua feição serena e, numa simples frase, retrucou para Lucia: “De que serve isto aqui na eternidade?” Não agradeceu gentilmente, não fez um afago àquela senhora, de forma nenhuma. “Para que serve isto aqui na eternidade?” Para que servem as honras, os perfumes do mundo? Para que servem os prazeres do mundo, por melhores que sejam para a carne? Os prazeres melhores para a carne são aqueles que a destroem por dentro. De que serve tudo isso na Eternidade? Ah, se nós soubéssemos o que é a eternidade! Ah, se soubéssemos o que significa “um segundo” apenas na eternidade, correríamos e apresaríamos a nossa conversão!

Hoje, 13 de maio e há noventa e cinco anos, a humanidade foi advertida: um prêmio e um castigo. De que lado nós estaremos? Fiquemos com a nossa Mãe e retribuamos a sua visita com as nossas orações, com a nossa adesão a Deus, sobretudo na colaboração com o triunfo do seu Coração Imaculado. Nossa Senhora de Fátima, rogai por nós.

Homilia proferida em 13 de Maio de 2012, festa dos 95 anos da primeira aparição de Nossa Senhora aos três pastorinhos em Fátima, Portugal.

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14/05/2012
06:56 | Postado por Sacerdos

Ego Sum Via Veritas et Vita

Pe. Marcelo Tenório

V. Ave Maria, Gratia plena, dominus tecum, benedicta tu in mulieribus, et benedictus fructus ventris tui, Jesus.
R: Sancta Maria, mater Dei, ora pro nobis peccatoribus, nunc et in hora mortis nostræ. Amen.
V. Ora Pro nobis, Sancta Dei Genitrix
R: Ut digni efficiamur promissionibus Christi.

Mais uma Santa Missa dominical na qual Cristo se dá por nós; é a renovação do mistério da cruz. A santa Missa é sempre a renovação do mistério da cruz, de forma que ir à Santa Missa nada mais é do que estar ao lado do Senhor na Sua paixão, morte e ressurreição. São Pio [n.d.r.: de Pietrelcina] que entrava em êxtase na Santa Missa, chorava muito ao celebrá-la. Alguém lhe perguntou: “Por que o senhor chora tanto?” “Por causa da ingratidão dos homens.” E é verdade. Quantas e quantas Missas são celebradas no altar do calvário, no altar de Deus, ante a indiferença dos homens? É a Missa que crava no crânio de Adão a destruição da morte; a morte “morre” pelo sacrifício de Cristo na cruz. Por isso o véu do templo é rasgado; aquilo que impedia e nos separava da graça, agora é destruído, porque Cristo nos salva definitivamente por este mistério da cruz.

No santo Evangelho, Nosso Senhor promete a vinda do Espírito Santo e anuncia a sua retirada visível deste mundo: “Vou ao Pai; se eu não for, Ele não poderá vir, mas se eu for, enviarei o Espírito Santo, o Paráclito”. O Espírito Santo é enviado pelo Pai e pelo Filho. O Espírito Santo, como sabemos muito bem pela nossa catequese, não é uma pomba, não é uma força, uma nuvem, um vento impetuoso. O Espírito Santo é a terceira Pessoa da Santíssima Trindade, é Deus verdadeiro. É a expiração do amor entre o Pai e o Filho, entre o Filho e o Pai. O Espírito Santo é chamado “o dom”, mas também é chamado “o amor”, o amor com o qual o Pai ama o Filho, o amor do Filho para com o Pai. E, como só pode existir um Filho – porque Cristo é o Filho, então o Espírito Santo não é “filho” do Pai – o Espírito Santo é a expiração deste amor entre a Primeira e a segunda Pessoas da Trindade.

O Espírito Santo é prometido por Jesus: “Muitas coisas tenho ainda a vos dizer, mas não compreendereis agora; mas, quando vier o Paráclito, o Consolador, Ele vos ensinará todo o resto, Ele vos recordará todas as coisas.” Este é o Espírito Santo, que procede do Pai e do Filho, e com o Pai e o Filho é adorado e glorificado. É o Espírito Santo que pairava sobre as águas quando não existia nada. É o Espírito Santo que desceu ao ventre santíssimo da Virgem no momento da concepção do Cristo. É o Espírito Santo que descerá em Pentecostes, que desceu sobre a Igreja nascente, sobre os Apóstolos. É o Espírito Santo que desceu sobre nós no dia de nosso Batismo com profusão e pôs em nossa alma os dons infusos, as virtudes teologais da fé, da esperança e da caridade. E este Espírito Santo que já recebemos continua agindo, falando, orientando, conduzindo e santificando através da Santa Igreja, que possui em plenitude o Espírito Santo.

Então este Cristo que sobe ao Pai, continua presente, governando, ensinando e santificando através da Santa Igreja. E aí é que está a perfeita unidade católica, esta unidade que está para o coração da Santíssima Trindade – Pai, Filho e Espírito Santo – que nos revela, através das Sagradas Escrituras, da Tradição Apostólica e do Magistério, a verdade. 

E só a Igreja possui esta verdade. Não existem várias verdades! Se há duas pessoas que estão discordando sobre um ponto, entre elas uma está com a verdade, pois a verdade não pode ser relativa. “A verdade é aquilo em que eu creio...” De forma nenhuma! Não é o que você crê que torna aquilo verdadeiro ou falso, mas é o que realmente é! Então a verdade é objetiva e não subjetiva; ela não está no sentimento, no coração, no “achismo” de um e de outro, não! Do meu lado esquerdo há um Círio pascal, uma vela grande, é uma vela. Alguém poderia dizer: “não é uma vela, é um lampião”, mas na verdade não é um lampião ou qualquer outro objeto, é uma vela: os acidentes são de vela, a sua essência é cera, há um pavio ao meio, em cima há chama, então é vela! Então, as pessoas que discordam que aqui do meu lado há uma vela não há outra solução para elas do que se converterem à verdade objetiva. “Mas eu senti que poderia ser tal coisa...” Ah, pareceu-te... Mas isso não justifica, não muda a verdade objetiva!

A verdade é imutável. Por isso Deus não muda, porque Ele é a própria Verdade. “O que a Igreja acreditava ontem, hoje não pode mais crer, porque os tempos mudaram, estamos em tempos modernos...” De forma alguma! Deus não muda. Não é Deus que tem que Se converter ou Se modificar por causa dos tempos ou da humanidade, mas é a humanidade e o tempo que têm de se converter nesta verdade objetiva, inalterável, inequívoca de Deus que está presente só – e somente, apenas – na Igreja.

Por isso o ecumenismo, como é pregado atualmente, é falso em si mesmo, porque não se pode colocar o erro ao lado da verdade. Só existe uma verdade: Nosso Senhor Jesus Cristo. Só existe um caminho: Nosso Senhor Jesus Cristo. Só existe uma vida: Nosso Senhor Jesus Cristo. E os budistas? Que se convertam a Nosso Senhor Jesus Cristo! E os muçulmanos? Que se convertam a Nosso Senhor Jesus Cristo! E como se converterão? Primeiro, pelo testemunho de vida, de fé, dos bons católicos. Segundo, pelo nosso trabalho missionário; a Igreja é essencialmente missionária. Deus não disse: “Ide e dialogai”. Na pessoa do Filho, Deus nos manda ensinar, ensinar a verdade, a verdade sobre Deus, sobre o homem, a verdade sobre o mundo. De forma que os princípios ecumênicos e o ecumenismo exacerbado como se percebe lá fora, pondo em pé de igualdade Deus e Maomé – até poderíamos dizer, pondo em pé de igualdade Deus e o demônio – “verdades” falsas, não se sustentam de forma alguma. Porque Cristo é o Senhor, e é a Ele que devemos recorrer, e é a esse Senhor – e Ele mesmo nos fala: “Quando eu for elevado, atrairei todos a Mim” – que a humanidade inteira deve acorrer. “Mas isso é para os cristãos...” “Isso é somente para os católicos...” De forma alguma! É para a humanidade inteira. Não existe outra verdade senão a verdade católica. Cristo, caminho, verdade e vida, brilha, resplandece, na face da Sua Igreja.

O Espírito Santo, que é derramado em Pentecostes, inaugura de forma solene a Igreja. E o que é a Igreja? A Igreja é o corpo místico de Cristo, da qual Ele é a cabeça e nós somos os Seus membros. Nós recebemos de Cristo toda a seiva, como o ramo recebe da sua videira. E esta verdade de Cristo deve nos atingir de tal forma que possamos em todos os momentos, até nos momentos difíceis, permanecermos firmes na fé, agarrados à Tradição dos Apóstolos, não ao “tradicionalismo” – porque até os pagãos são tradicionalistas – mas à Tradição Apostólica, às Sagradas Escrituras (como interpretadas pela Igreja) e ao Magistério perene da Santa Igreja. E, assim, estaremos seguros, estaremos imersos nesta verdade de Cristo que brilha na face da Igreja.

“Ah, mas são muitos que já não acreditam nisto...” Mas a verdade não é diagnosticada pela quantidade de pessoas. A verdade não depende de números! Não estamos numa “democracia cristã”! O Cristianismo não é democrático! A Igreja não é democrática! Deus não é democrático! A família não deveria ser democrática. Este é o princípio da autoridade. Ninguém aqui pediu para nascer, Deus não fez um plebiscito para saber se você queria isso ou aquilo nas leis imutáveis da natureza ou das leis divinas; simplesmente estamos, e temos que obedecer. “Ah, eu sou livre para isso, para aquilo...” Mentira! Mentira... Se você é livre para tanta coisa, seja livre para não respirar! Faça “uma revolução contra o ar que você respira” para ver o que sobra de você; não sobrará muita coisa, porque morrerá e perecerá! De forma que a verdadeira liberdade do homem consiste em aderir justamente a Cristo Caminho, Verdade e Vida, e crescer neste mesmo Caminho, nesta mesma Verdade e nesta mesma Vida, que é Cristo nosso Senhor. E, quanto mais estamos em Deus, em Cristo, no coração da Trindade, mais o Paráclito vai “derramando em nós um novo envio, uma nova benção” como nos ensina o grande santo Agostinho.

Que estes dias que antecedem o Domingo de Pentecostes sejam para nós uma preparação, para que, festejando solenemente a vinda do Paráclito, sejamos cada vez mais fiéis – não às novidades, não às coisas novas, não ao espírito adúltero do modernismo “aliado” à fé cristã; não, não a isto! Mas possamos permanecer firmes no Evangelho de sempre, na Doutrina de sempre; possamos permanecer firmes ao lado do nosso Papa, quando ensina estas verdades imutáveis, porque nele está Cristo que fala, que governa, que santifica e que nos orienta.

Homilia proferida em 6 de Maio de 2012.

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14/05/2012
05:39 | Postado por Sacerdos

Pe. Marcelo Tenório

V. Ave Maria, Gratia plena, dominus tecum, benedicta tu in mulieribus, et benedictus frutus ventris tui Jesus.
R: Sancta Maria, mater Dei, ora pro nobis peccatoribus, nunc et in hora mortis nostræ. Amen.

O que nós queremos? Alegria, ou contentamento? São coisas diversas: alegria em Deus – tanto que, há dois Domingos a Igreja celebra essa alegria no Senhor. Alegria é aquilo que vem do Senhor, e que nos é dado “como prêmio” dos nossos esforços, por vivermos em Deus; é um esforço, uma ascese. Buscar viver em Deus é romper com tudo aquilo que nos afasta dEle. Isso nos custa, porque vivemos na carne, e isso nos faz sofrer.

Certa vez, Santa Terezinha cuidando de uma irmã idosa em seu convento no frio de Lisieux; sozinha naquela enfermaria escutou ao longe música de festa. E, por um segundo, como que assaltada por uma saudade das coisas do mundo, das festas, das danças, do conforto, já que se encontrava num convento pobre e frio, como são naturalmente frios os interiores das igrejas. Mas, logo em seguida, lembrou-se que tinha escolhido a melhor parte: sua carne sofria, desejaria estar do outro lado dos muros; mas de repente lhe veio a sanidade espiritual – “Não, aqui mesmo é o meu lugar.” Então há sofrimento, mas a alegria é profunda; esta alegria em Deus, que já que vivemos neste mundo, ninguém pode tirar. Aqueles que buscam a Deus de acordo com essa palavra, embora em meio a sofrimentos e incompreensões – os rótulos que o mundo pagão nos dá – possuem uma profunda alegria.

É o que dizia São Francisco: “A profunda alegria está justamente em sofrer, em não compactuar com o espírito deste mundo.” Por isso, Nosso Senhor nos diz: “Ainda um pouco de tempo, e não mais me vereis.” Nosso Senhor está preparando os apóstolos para a sua Ascensão. Hoje você chora, e o mundo se alegra; amanhã o mundo chorará e vocês estarão felizes. Hoje os cristãos choram: renunciam a isto, renunciam àquilo, deixam de lado tudo aquilo que pode nos tirar de Deus, embora seja bom para a carne. É uma constante luta, como nos fala o belíssimo Hino do Apostolado da Oração, mas depois a nossa alegria será completa.

Enquanto sofremos, o mundo se alegra. Mas chegará o dia em que esse mundo chorará. Entretanto, a chave para que estejamos sempre no Senhor, e para que a nossa alegria seja realmente completa, e que não seja jamais tirada (como Nosso Senhor coloca no Evangelho) está na Epístola: a obediência. Servir ao Senhor de verdade. Não ter vida dupla. Não “mentir ao Senhor pela tonsura”, como repreende São Bento aos seus monges. (Os monges que mentem a Deus pela tonsura são os que tem jeito de monge, cara de monge, tonsura de monge, mas não são monges.” Cristão que tem jeito de cristão, cara de cristão, tem a “unção” do Cristo... e não vivem como cristãos! Vivem sob um véu que encobre as coisas más que já deveriam ter sido eliminadas.

E o centro é a obediência: obediência à verdade de Deus anunciada pela Igreja. Obediência aos nossos superiores diretos, ao nosso confessor, ao nosso diretor espiritual. O grande pecado do demônio é o orgulho que gera a desobediência. Pela desobediência presenciamos, através da história, os protestantes. O que aconteceu com eles? Fragmentaram-se. Só em Campo Grande hoje é impossível contar o número de seitas protestantes... É a desobediência!

Assim acontece com aquela alma que é desobediente e que não quer seguir os ensinamentos diretos de Cristo através de seus superiores, que não buscam obedecer a Nosso Senhor vivendo o seu apostolado.

Quem já viu católicos que vivem feito satélites: hora vêm aqui na Missa, hora vai aqui e acolá, compromisso nenhum tem com Paróquia, nem tampouco com apostolado nenhum? Que tipo de católico é esse? Para que serve? Não serve para nada. Onde é que está o seu apostolado? Em que está engajado? Está trabalhando em quê? Só vem receber as dádivas de Deus. E onde está a sua parte no sacrifício, na cruz, no apostolado, no trabalho apostólico, onde é que se encontra? Isso é extremamente importante; é a voz de Cristo através da Igreja que nos convida a trabalharmos com a Igreja e pela Igreja na instauração do reino de Deus.

A obediência é a alma de todo apostolado. Por que não obedecemos à voz de Deus que nos convida? E por que não obedecemos à voz de nosso confessor que nos manda fazer tal coisa, ou parar de fazer tal coisa? E por que não obedecemos à voz de nosso diretor espiritual? Ou melhor, temos diretor espiritual? Ou somos cegos guiando-nos, ou seguindo-nos a nós mesmos?

O santo Evangelho de hoje é muito claro para nós. Para que a vossa alegria seja completa, para que possamos, enquanto o mundo pagão irá chorar, estar felizes, porque passou o choro e a ascese, porque passou todo o tempo de trabalho interior e exterior, e agora possamos gozar das alegrias celestes. Esta é, para nós, a vontade de Deus. Custa? Custa! Nosso Senhor não prometeu a ninguém vida fácil. Muito pelo contrário: prometeu-nos o cêntuplo com perseguições!

Que a Epístola e também o santo Evangelho deste Terceiro Domingo Após a Páscoa iluminem toda a nossa semana, e que com estas sagradas letras possamos refletir sobre a nossa vida, sobre a alegria ou o contentamento, sobre o que estamos realmente escolhendo para nós, em que estamos construindo a nossa existência.

Homilia proferida em 29 de Abril e 2012.

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07/05/2012
09:37 | Postado por Sacerdos

Sonho de Dom Bosco
Pe. Marcelo Tenório

V. Ave Maria, Gratia plena, dominus tecum, benedicta tu in mulieribus, et benedictus frutus ventris tui Jesus.
R: Sancta Maria, mater Dei, ora pro nobis peccatoribus, nunc et in hora mortis nostrae. Amen.
V. Ora pro nobis, sancta Dei Genitrix
R: ut digni efficiamur promissionibus Christi.

No santo Evangelho, nosso Senhor se coloca como bom pastor, Aquele que dá a vida por suas ovelhas. Citando outro Evangelho, que trata de uma cena semelhante, Ele deixa bem claro: “Aqueles que não estão comigo... os que não entram pela porta... são ladrões e salteadores”. “Todos que vieram antes de mim foram ladrões e salteadores.” “Eu sou o bom pastor, eu dou a minha vida pelas ovelhas.”

O mercenário não quer saber das ovelhas, e sim tirar proveito delas. Não se incomoda com os lobos e, se os lobos estão próximos, ele foge e deixa as ovelhas ao Deus-dará. Pois bem: Cristo é o bom Pastor. E há um só rebanho: “É verdade que há ovelhas que não estão neste aprisco; é necessário que eu vá buscá-las para que haja um só rebanho um só pastor.”

O pastoreio de nosso Senhor está para a verdade, a verdade salvífica que tem o seu núcleo no coração da Trindade. E essa verdade se impõe desde o início, desde o Gênesis, quando começam as sagradas letras: “Bereshit bará Elohim...” “No princípio, Deus criou...”. Desde este momento, a Trindade vai se revelando, embora chegue à plena revelação em Nosso Senhor Jesus Cristo, já no Novo Testamento. Pois bem: este aprisco do Senhor é o aprisco da verdade, e só pode fazer parte deste aprisco aqueles que são da verdade, ou aqueles que se convertem à verdade. Não podem haver outros apriscos e outras verdades. Só uma é a verdade, e um só é o aprisco, que é a Santa Igreja Católica, fora da qual ninguém pode se salvar. Este é um dogma da nossa fé, tão esquecido em tempos modernos de pluralismos religiosos, de seitas que antes eram consideradas como seitas e hoje, “por crescimento econômico”, já são consideradas “igrejas”.  

O belo documento Dominus Iesus, escrito pelo então Cardeal Ratzinger, vai colocar precisamente o que é realmente a Igreja: “A Igreja é a instituição divina já tratada disso por Pio XII na belíssima Encíclica Mystici Corporis Christi. A Igreja, que é divina, que vem de Deus, vem do coração da Trindade, que não terá fim, mas que será consumada na glória. É este o mistério inefável, indelével da Igreja que deve resplandecer no coração de uma alma católica.”

Pois bem. Não é de hoje que os falsos pastores tentam infiltrar-se na Santa Igreja. Querem destruir a Santa Igreja. Querem semear o joio, a discórdia e as divisões. Isto foi tentado desde o Império Romano, desde sempre, chegando ao auge no reinado do Papa Pio X, no inicio do século XX. O Papa Pio X coloca bem às claras os inimigos da Igreja, e diz ele que antes os nossos inimigos estavam fora, agora não, os inimigo da Igreja estão dentro, para confundir; para, inventando uma nova teologia, inventando uma nova moral, querer destruir a verdade autêntica que resplandece na face da Igreja, que é a doutrina de sempre, a moral de sempre de Nosso Senhor Jesus Cristo e que a Igreja desde a era apostólica nos transmitiu, de forma inequívoca, até os dias de hoje. Era o grande Papa Pio X que olhava com o seu olhar de bom pastor, e já denunciava os maus pastores, denunciava aquelas correntes teológicas não muito católicas, ou que nada tinham de católicas, que queriam infiltrar-se para minar a Igreja em suas bases.

E qual não foi a nossa surpresa quando o Papa Bento XVI, indo a Fátima, no avião mesmo fala a mesma coisa, de forma análoga, aquilo que o Papa Pio X dizia já na condenação do modernismo: “Os inimigos não estão fora, estão dentro.”

O sonho de Dom Bosco mostra claramente os inimigos da Igreja jogando contra a barca de Pedro livros, e não atirando com canhões, com armas poderosas, nucleares, não; mas livros. Os livros são ideias, são falsas filosofias, são falsas teologias. E como é triste perceber que, até no ensino da Filosofia ou da Teologia em muitos lugares, este ensino foi substituído. São Tomás de Aquino é deixado de lado, para se fazer com que os alunos se debrucem em filosofias de filósofos nada católicos, em teologias de teólogos que, se na época de Pio XII vivessem, estariam com certeza excomungados.

Pois bem. A Igreja trava uma crise como nunca na sua história. O próprio Papa Bento XVI, como também seu predecessor João Paulo II já nos seus últimos momentos, reconheciam isso: “Esta crise na Igreja, no seu cerne, é uma crise de fé. E esta crise de fé, que muitas vezes parece abalar as suas estruturas, não vem de hoje, mas de tempos. Entrou pela porta da frente da Igreja com o romantismo protestante, através de uma teologia laxa, através de músicas que foram substituindo os belos hinos católicos que convertiam a nossa alma, ou colocavam em nossa alma o tom do combate do martírio. Quem se esquece, por exemplo, do “Levantai-vos, soldados de Cristo, sus correi, sus voai à vitoria”? Hinos belíssimos, e que nos diziam concretamente, e nos colocavam na missão de soldados, de guerreiros, cuja bandeira era a bandeira da Santa Cruz, a bandeira da Santa Igreja.

Entretanto, nestes dias maus, temos que estar, mais do que nunca, unidos ao Papa Bento XVI, gloriosamente reinante. Ele, agora há pouco, completou sete anos de pontificado; um pontificado que revolucionou no bom sentido a História da Igreja em quarenta anos. Bento XVI, que tem a sua preocupação pela doutrina, pela sagrada Liturgia, sobretudo o seu zelo no sacrifício da Santa Missa. De forma que, unidos ao Santo Padre Bento XVI, possamos, como dizia um grande Bispo francês: “Reconstruir enquanto muitos destroem, recolocar Nosso Senhor Jesus Cristo no seu devido lugar: que Ele reine na sociedade, que Ele reine nos poderes públicos, e que Ele continue reinando na sua Igreja, sobretudo na pessoa augusta do vigário de Cristo.

Estando com o Papa estamos seguros. Permanecendo na barca de Pedro, nada, nenhum mau, nenhum vento inescrupuloso de falsas doutrinas, ou nenhuma voz de falsos pastores, nada disso conseguirá retirar de nós o que temos de mais sagrado, aquilo que Dom Bosco ensinava aos seus jovens, os três amores brancos: a branca Hóstia, a branca Virgem e o branco ancião do Vaticano. Eis aí o remédio contra o modernismo, eis aí o remédio contra as heresias práticas que, infelizmente, entraram pela porta da frente.

Mas Nossa Senhora de Fátima nos assegura a vitória: “Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará!”

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02/05/2012

Pe. Marcelo Tenório

V. Ave Maria, Gratia plena, dominus tecum, benedicta tu in mulieribus, et benedictus frutus ventris tui Jesus.
R. Sancta Maria, Mater Dei, ora pro nobis peccatoribus, nunc et in hora mortis nostræ. Amen.

A Santa Igreja celebra hoje o Dominica in Albis, o Domingo de branco. Domingo in Albis, Domingo de branco justamente pelo costume, na antiguidade, de aqueles que receberam o Batismo na Vigília Pascal retornarem no domingo seguinte revestidos com a mesma veste branca que haviam recebido no dia do seu Batismo. Voltar com esta veste branca, tendo durante a semana todo o cuidado em não manchá-la, indica para nós o Batismo que recebemos – esta roupa nova que recebemos, esta alvura brilhante que recebemos no dia de nosso Batismo, já que fomos lavados no sangue do Cordeiro – e a nossa responsabilidade de trazermos de volta estas vestes brancas do dia do Batismo e que devem continuar brancas, límpidas e puras, tal como nossa alma até o momento em que devemos nos apresentar diante de nosso Senhor.

A roupa branca, límpida e pura que recebemos no Batismo em nossa alma não é para ser manchada, não é para ser violada nem tampouco estragada; daí a nossa responsabilidade de manter bem o nosso Batismo e não nos esquecermos dele, e não nos apresentarmos diante do Supremo Juiz com as roupas velhas, esfarrapadas, podres, enegrecidas ou cheias de lama. 

E, se por acaso, no decorrer de nossa existência, tivermos, de uma forma ou de outra, manchado estas vestes brancas, que recorramos urgentemente ao augusto Sacramento da Confissão, único capaz de refazer em nós as vestes de nosso Batismo.

†††

A grande mensagem da Páscoa é justamente a mensagem da paz: “A Paz esteja contigo”. E Nosso Senhor, após dizer estas palavras que são um desejo, uma condicional – a paz esteja – logo em seguida mostra as mãos e o lado, os cravos, as chagas.

“A paz do Senhor” não é um sentimento; a paz do Senhor não é um contentamento. Estar em paz não é estar bem. Muitos estão bem e não estão em paz: pensam estar em paz porque estão bem; confundem a paz com o contentamento e com a felicidade natural. Alguém diz: “Estou em paz: consegui pagar aquela dívida que há anos vinha se arrastando”... Mas isto não é paz! Ou: “Estou em paz: criei os meus filhos e eles agora estão bem, cada um já está solidificado no mundo”... Isto não é paz! Ou: “Estou em paz porque consegui reaver tal coisa, ou fazer tal coisa.” Isto é contentamento, felicidade natural. A paz não é um sentimento, e a paz não nos é dada por coisas exteriores que possamos fazer, alcançar ou sermos premiados.

Na Vigília de Natal, a sagrada Liturgia vai nos dizer: “Ele é a nossa paz.” A paz é Nosso Senhor, a paz é Cristo ressuscitado em nós. Ora, é uma condicional – a paz esteja – se Cristo está em nós, estamos na paz. Se Cristo está em nós, a paz está em nós e estamos na graça. E, se estamos na graça, não com a ausência do sofrimento, porque, para permanecer na graça e para estar na graça, requer-se de nós justamente sofrimento no sentido de dobrarmos os nossos instintos e convertermos os nossos corações. Eis aí a paz mostrada com as chagas do Senhor.

O Domingo in Albis relembra a nossa grande responsabilidade. O que fizemos do nosso Batismo? O Domingo in Albis nos mostra que um dia estaremos diante do Supremo Juiz, de juízo reto, que nos julgará diante daquilo que nos deu. E a primeira coisa que Ele olhará em nós é justamente a nossa veste: como ela estará no dia do julgamento? Observemos, pois, o nosso Batismo – o que fizemos com as nossas vestes batismais, como estão estas vestes – e não nos esqueçamos de que, com estas vestes, nos apresentaremos um dia diante do Supremo Tribunal de Deus.

Homilia proferida em 15 de abril de 2012, primeiro Domingo após a Páscoa.


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02/05/2012

Domingo de Páscoa: “Ele não está mais aqui. Ele ressuscitou!”

06:47 | Postado por Sacerdos

Pe. Marcelo Tenório



A alegria do Domingo da Páscoa, após a Quaresma contemplando o Crucificado; a Quaresma, que nos foi proposta pela Santa Igreja para que possamos mudar a nossa vida; e, ontem, toda a Igreja diante do túmulo do Senhor, aguardando a Sua ressurreição. E, assim, a Igreja hoje pode cantar “Onde está, ó morte, a tua vitória? Onde está o teu aguilhão?”



No santo Evangelho que acabamos de escutar, as santas mulheres com Maria Madalena vão até o sepulcro. “Quem nos retirará a pedra?” São movidas pelo amor incondicional ao Mestre, a nosso Senhor: já que não conseguiram fazê-lo devido ao Shabbat, no primeiro dia da semana se dirigem ao sepulcro e levam aromas. E, quando chegam bem próximo do local, vem a indagação: “Quem nos tirará a pedra?” Mas a pedra estava removida; era uma pedra grande. Ficam assustadas, interrogativas. E, ao olharem para dentro do sepulcro, está um belíssimo jovem do lado direito. A palavra do jovem para aquelas mulheres: “Não vos assusteis.” Ou seja: “Não temais.” As palavras de Nosso Senhor durante as aparições que iremos ver com mais precisão na Oitava da Páscoa sempre é esta, além de “A paz esteja contigo”: “Não tenhais medo, não temais, não vos assusteis.”



A morte passou; “a morte, morreu”. Cristo matou a morte! O vencedor, o poderoso das batalhas, aniquilou a morte! Desce aos infernos para abrir as portas do paraíso, para destruir o limbo dos patriarcas e, assim todos podermos entrar na glória de Deus, deslumbrarmos Sua face sagrada, deslumbrarmos o Seu rosto, gozar das alegrias de seus mistérios e do seu convívio. De forma que a Igreja, na escuridão, na penumbra do pecado original, vê aos poucos a luz de Cristo adentrando nas trevas, dissipando tudo o que era obscuro, eis que tudo fica claro: “A noite será como o dia”, canta o Precônio da Páscoa. E a Igreja está tão exultante, mas tão exultante nesta salvação, na ressurreição do Cristo, que canta: “Ó feliz culpa de Adão, que nos mereceu um grande Salvador”!



“Vocês procuram o crucificado?” Perguntou o jovem. Era um anjo; mas por que jovem? São João viu um ancião, não um jovem. Nas suas visões em Apocalipse, São João verá sempre um ancião; aqui é um jovem. É um anjo, jovem, resplandecente do lado direito. “O Crucificado, vocês procuram? “Ele não está mais aqui. Ele ressuscitou!”



Na santa Missa de sempre [n.d.r.: Missa Tridentina], encontramos entre muitos grandes significados, o do lado direito e do lado esquerdo do altar. O lado da Epístola é justamente o do oriente [n.d.r.: a direção da Terra Santa], de onde vem para nós esta luz da verdade. E o Evangelho é proclamado aos incrédulos, aos pagãos, àqueles que precisam de conversão; por isto, a estante do Evangelho, do lado esquerdo do sacerdote, está sempre inclinada, não reta, como do lado direito do sacerdote. Por quê? Porque esta inclinação quer mostrar para nós que a palavra de Deus “se derrama”, o Ressuscitado deve ser conhecido pela sua palavra e a sua palavra aceita gera conversão e mudança de vida. O anjo está do lado direito do altar, não do lado esquerdo, pois do lado direito é de onde vem a salvação.



“O que vocês procuram aqui? O crucificado? Ele já não está mais aqui, Ele ressuscitou.” Cristo não está nos mortos! Cristo não está entre aqueles que desceram aos infernos. De forma alguma! Ele ressuscitou! E por isso nós somos chamados a ressuscitar. São Paulo nos diz: “Se ressuscitastes com Cristo, vós estais mortos.” Então, nós morremos [n.d.r.: para o mundo] no dia de nosso Batismo; mas, “Se ressuscitastes com Cristo, buscai as coisas do alto”, não as coisas baixas. Quem está no alto? Deus. Quem está no baixo? O demônio. Então, buscai as coisas do alto, onde Deus está! Porque a vossa vida está escondida com Cristo em Deus.



E, na Epístola da santa Missa de hoje, vimos isso muito claramente: “Irmãos, purificai-vos do velho fermento.” É Páscoa! Não podemos colocar remendo novo em roupa velha, de forma alguma. Se ressuscitamos com Cristo pelo Batismo, é Páscoa em nós e já não podemos buscar o velho fermento. Muito pelo contrário! Busquemos o fermento novo, um fermento puro, a fim de que, conformando-nos a Ele, que é a vida, possamos em cada instante, em cada momento da nossa existência, viver a Páscoa em nossa alma, em nossa vida.



É sempre Páscoa na vida dos santos; embora haja tristezas, dissabores, sofrimentos, incompreensões e abandonos, é sempre Páscoa na vida dos santos. Ontem, a Igreja invocava a todos os santos, para que fizessem conosco a Vigília Pascal. Todos os santos viveram nas suas vidas a Páscoa do Senhor; desejaram ardentemente esta Páscoa e deram-se totalmente a fim de que, a cada instante, o Ressuscitado tomasse conta de suas vidas, de suas entranhas, de suas células, de todo o seu ser. A tal ponto que Santa Teresa d’Ávila pôde exclamar: “Morro porque não morro; vivo, mas já sem viver em mim”.

O desafio de cada um de nós, enquanto católicos, enquanto cristãos, é, justamente, seguir esta palavra do santo Evangelho, de não ficarmos entre os mortos, porque Ele não está entre os mortos – “Por que procurais aqui? Ele não está, Ele ressuscitou.”; e viver o que diz o Apóstolo – buscar as coisas do alto, ser o fermento novo, viver realmente a vida de ressuscitado. Porque viver a vida de ressuscitado é viver a morte batismal, a morte para o mundo, a morte para a concupiscência, a morte para tudo aquilo que nos afasta de Deus.

“Vós estais mortos, e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus.”

Homilia proferida em 8 de abril de 2012, no Domingo de Páscoa.


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30/04/2012

Missa da Noite de Páscoa: “Por que buscai entre os mortos Aquele que vive?"

15:39 | Postado por Sacerdos



Pe. Marcelo Tenório

Hoje a Igreja celebra a Ressurreição do Senhor. No Evangelho que acabamos de escutar, Maria Madalena com outras mulheres vai ao túmulo de Cristo. A pedra está removida; um anjo resplandecente, dirigindo-se às mulheres, lhes diz: “Não temais; sei que buscai a Jesus, que foi crucificado; Ele não está mais aqui”. A grande mensagem da Páscoa é justamente esta do anjo: “Por que buscai entre os mortos Aquele que está vivo? Jesus de Nazaré, o crucificado, não está mais aqui.” “Ele não está mais aqui, Ele ressuscitou.”

E São Paulo vai nos falar que a nossa vida está escondida com Cristo em Deus. E, se a nossa vida está escondida com Cristo em Deus, devemos buscar as coisas do alto – onde Deus está – e não as coisas baixas.

Maria Madalena com as santas mulheres, de forma extremamente caridosa, vai atrás do corpo de Jesus, para justamente ungi-lo, já que não deu tempo por ser sábado, e o anjo lhes replica: “Por que buscai entre os mortos a Jesus de Nazaré, aquele que foi crucificado? Ele não está mais aqui.” Ele não está mais aqui!

“Buscai as coisas do alto, não as coisas de baixo, porque a vossa vida está escondida com Cristo em Deus.” A nova vida, a vida verdadeira, está escondida com Cristo em Deus. Esta é a grande mensagem da Páscoa para nós. Não podemos continuar mergulhados em nossos pecados, em nossas resoluções mesquinhas. As mulheres são convidadas a não buscar entre os mortos; as mulheres são convidadas a olhar para o alto. A pedra é removida; aquilo que pesava, que prendia, agora é retirado. O véu que separava, agora já não pode mais separar. 

A nossa vida está escondida com Cristo em Deus: por que procurais entre os mortos aquele que vive? Ele está aqui! Ressuscitou, como disse [alusão a um verso da Antífona Pascal Regina Cæli, n.d.r.]

Homilia proferida em 7 de abril de 2012, noite de Páscoa.


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27/04/2012

Sexta-feira da Paixão: "Recebei-nos também, ó Mãe, em vossos braços como O tendes recebido; trôpegos são os nossos passos Mãe, como nós temos vivido."

08:53 | Postado por Sacerdos

Pe. Marcelo Tenório

Hoje, a Igreja celebra a Paixão e Morte de Nosso Senhor. O mistério da Paixão é o mistério do amor de Deus para conosco. O salmo interroga: “Quem é o homem, Senhor, para que dele Vos preocupeis?”. Não somos nada, em nada aumentamos a glória de Deus. E Ele nos criou para Ele. E, ao nos criar para Ele, nos predestinou a viver a Sua vida, a participar da Sua divindade. E assim as Sagradas Escrituras nos dizem “Vós sois deuses” no sentido de participação na divindade do Deus único, do Deus excelso, do Deus verdadeiro que se torna homem como nós e assume a nossa humanidade, a fim de que a salvação, o resgate a preço de sangue aconteça. E a vítima verdadeira é Ele, que se entrega e se dá. Nosso Senhor não é um mártir igual aos outros mártires por que Ele se dá, Ele se entrega.

No Evangelho solene de São João, quando os guardas chegam ao horto das Oliveiras, Jesus os interroga: “A quem procurais?” “A Jesus de Nazaré”, eles respondem; e Jesus lhes diz: “Sou Eu”, ou “Eu Sou”, e de repente eles caem por terra. É o mesmo nome que Deus responde a Moisés, na sarça ardente, que havia perguntado a Ele “Quem és Tu? O que direi ao faraó, qual o teu nome?” e Deus responde a Moisés: “Eu Sou”, “Javé”, “Yahweh”. Quando os judeus, zelosos em suas tradições, zelosos em sua religião, que acusavam Nosso Senhor de blasfemo por se dizer Filho de Deus, se aproximam para prendê-lo com paus e armas e, à frente estava Judas, o traidor, e escutam da boca do Salvador: “Eu Sou”, o mesmo nome sagrado de Deus. Eles caem por terra, a força deste nome é tamanha que caem por terra, como que jogados por terra. Isso três vezes, em sinal de divindade, de perfeição, de autoridade. Novamente, Jesus pergunta: “A quem procurais?” “A Jesus, o Nazareno.” “Já vos disse: ‘Eu Sou’”; eles caem novamente, como se a terra tremesse, e eles são jogados ao chão. E, pela terceira vez, a mesma coisa. Isto nos indica que Ele é o Deus verdadeiro. E não são os carrascos, não são os fariseus, não são os guardas do templo que prendem Jesus ou que põem suas mãos nEle: Ele se entrega, porque se Ele não quisesse, bastava o sopro de Sua boca, como diz o profeta Isaías: “A palavra de sua boca ferirá o avarento, o violento sopro de seus lábios”. Ele se entrega “Ninguém tira a minha vida”, diria o Senhor, “Eu vo-la dou.”

Nesse dia solene, sagrado para nós Cristãos, Nosso Senhor dá a Sua vida como o pelicano que, em falta da comida para seus filhotes, com o seu bico pontiagudo rasga o seu peito, tira um pedaço de carne de si e entrega a seus filhotes, para que não morram de fome. Assim fez Nosso Senhor ontem, na Última Ceia, a primeira Missa que Ele rezou. A primeira Missa: a vítima que se oferece, que se dá, que se entrega... Nos ritos antigos, o sacrifício consistia não na morte da vítima – a morte era consequência – mas no derramamento de sangue e, para isso, era necessário sacudir a vítima: o boi, o cabrito, ou oferendas menores, eram sacudidos porque isto agitava o sangue, propiciando uma melhor de aspersão deste sangue sobre o altar do sacrifício. Também no Ofertório da Missa, no momento em que o sacerdote oferece na patena a hóstia, ele agita este sacrifício com o sinal da cruz; da mesma forma que se agitava o animal nos sacrifícios antigos para que o sangue jorrasse a qualquer momento e a qualquer corte, também a vítima na Santa Missa é agitada, visto que, para nós, Ele é o perfeito cordeiro que se oferece.  

E ontem Ele se ofereceu, antecipando este momento de hoje. A Missa é a memória, a renovação, em nossos altares, do mesmo sacrifício do calvário; não outro, mas este mesmo sacrifício do calvário do qual, hoje, pelo mistério da Sagrada Liturgia, estamos próximos, ao lado do Senhor na Sua angústia, ao lado do Senhor em Suas dores, ao lado do Senhor no Seu abandono. Ninguém ficou ao seu lado, nem João. Nem João, o discípulo mais amado; nem ele ficou; todos correram apavorados, com medo, todos foram embora. Pedro negará Jesus diante de uma serviçal do templo e de outros; e os demais, cada um, procuram livrar-se da condenação que pesam sobre eles por serem discípulos ou apóstolos do Senhor. Para onde teria ido João? Não sabemos; tudo indica que para a casa das Santas Mulheres. E, com elas, com certeza estava Maria, Nossa Senhora, que já sabia o que a aguardava desde o dia da profecia de Simeão e, até aquele momento, Ela espera esta hora, Ela deseja que chegue esta hora: a hora da entrega, do sacrifício, a hora em que seu Filho, o Cordeiro Santo, irá remir os pecados da humanidade inteira como aquele bode expiatório, que os antigos usavam para, sobre ele, invocar os pecados de toda a comunidade dos judeus, e lançarem este bode à sorte no deserto para morrer, significando que levava todos os pecados. Por isto este bode expiatório. Por isto São João Batista pôde dizer: “Ecce Agnus Dei”. Aí está o Cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo. 

E esta salvação se alarga hoje na morte daquele que, sendo Deus, não pode morrer, mas morreu verdadeiramente, padecendo as nossas dores, padecendo os nossos sofrimentos. Fisicamente igual a nós em tudo, morreu da nossa morte para que pudéssemos ter a Sua vida.

Então, o mundo volta-se ao nada: “Deus está morto!” “Deus está morto.” “Deus está morto...” Deus morre por amor de cada um de nós. “Pai, em tuas mãos, Eu entrego meu espírito”, disse Jesus. Veio do Pai, como dom dado de Deus para nós, e ao Pai Se entrega: “Em tuas mãos; tudo está consumado. Tudo terminei, agora tudo Te entrego.” A glorificação do Filho está no Pai, em fazer a Sua vontade. A glorificação do Pai está na vontade perfeita do Filho: o Filho que glorifica o Pai, o Pai que é glorificado neste mistério da cruz.

Deus que morre. Deus que desce aos infernos e, lá nos infernos, vai anunciar a salvação. Todos desejavam esta hora, desde os patriarcas, desde a época de Noé, desde a época de Abraão, de Isaac, de Jacó, desde a época dos profetas – todos, no limbo, esperavam este momento, o momento da redenção. À porta que estava fechada e ao selo que selava esta porta do paraíso, o sangue do Cordeiro abre; a porta é escancarada, a salvação concretiza-se, e o véu que separava é rasgado de cima a baixo na morte do Senhor. Aquele véu do templo que se rasga de cima a baixo, o véu que separava uma aliança de outra, agora é uma aliança eterna. Cristo que entra no templo não construído por mãos humanas, como fala São Paulo aos Hebreus, mas uma vez só; não com sacrifícios de touros ou sangue de cabritos, mas Ele se dá, o seu sangue é derramado de uma vez por todas. E, assim, a humanidade é salva, assim a redenção atinge todo o orbe da terra; não só o homem, mas toda a criação gemia, esperando este momento da redenção, este momento que se alarga e é derramado a todos os homens.

Entretanto, é necessário que assumamos esta salvação. Ele se dá, Ele salva, não a todos, mas a muitos: o sangue é dado por muitos, não por todos. E por que não por todos? Porque nem todos darão ouvidos, nem todos darão a sua adesão a esta salvação.

E, ao lado de Jesus, está Maria; e, ao lado de Maria, as santas mulheres; e, com as santas mulheres e com Maria, João, o discípulo amado. Nos últimos momentos, o testamento de Jesus: “Mulher, eis aí o teu filho. Filho, eis aí a tua mãe.” Maria recebe João e, em João, a Igreja inteira e os membros desta Igreja. João recebe Nossa Senhora e, em João, nós também A recebemos.

E podemos também contemplar a cena belíssima de Jesus descendo da cruz, já sem vida, desfigurado, massacrado nos braços da Mãe. Que dor para Nossa Senhora! Quantas lembranças, quantas recordações! Ela poderia muito bem dizer a Madalena: “Madalena, sustenta os pés, pois eles não se esqueceram dos aromas da urna de alabastro.” “João, sustenta a cabeça, que a tua repousou tão docemente em Jesus no último banquete.” Mas é a Mãe que recebe nos braços o Filho sem vida. 

Recebei-nos também, ó Mãe, em vossos braços como O tendes recebido; trôpegos são os nossos passos, Mãe, como nós temos vivido.

Sermão proferido na Sexta-feira da Paixão, em 6 de abril de 2012.


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26/03/2012
13:44 | Postado por Sacerdos


Clique aqui para visualizar as imagens da Missa da Ceia do Senhor.

Pe. Marcelo Tenório

V. Ave Maria, Gratia plena, dominus tecum, benedicta tu in mulieribus, et benedictus frutus ventris tui Jesus.
R: Sancta Maria, mater Dei, ora pro nobis peccatoribus, nunc et in hora mortis nostrae. Amen.

V. Ora Pro nobis sancta Dei Genitrix,
R: Ut digni efficiamur promissionibus Christi.

A última Ceia do Senhor, a Missa In Cœna Domini, é um momento de júbilo e um momento de profundo pesar, de uma profunda tristeza. De júbilo, porque o Senhor instaura o Seu sacrifício, o mistério da Missa - é a Missa que Ele celebra. E, nesta Missa, Ele se dá: não mais os cordeiros antigos, não mais o sangue de touros e de cabritos, mas dEle mesmo que se entrega em resgate. É a primeira Missa que Nosso Senhor celebra como Sumo e eterno Sacerdote. Por isso, São Paulo vai dizer aos hebreus que Nosso Senhor não entrou no santuário construído com mãos humanas, mas de uma vez por todas Ele, como sacerdote eterno, como vítima, com Seu próprio sangue, entra no Santo dos Santos uma só vez e, assim, resgata por um só ato a humanidade inteira.

É júbilo porque a Missa nos é dada e por que a Santíssima Eucaristia é entregue à Igreja para que, renovando este gesto, possamos nós, da Igreja militante continuar na história, até a consumação dos séculos, este memorial da paixão, morte e ressurreição. Padre Pio respondeu alguém que o interrogou sobre o que é a Missa: 

“A Missa é o calvário todo. E a minha responsabilidade é única no mundo.”

 Também hoje, Nosso Senhor nos dá o mandamento do amor. E este mandamento do amor é o “amar a Deus sobre todas as coisas”. E é neste amar a Deus sobre todas as coisas que o Filho nos dá este exemplo, fazendo a vontade do Pai, e se entrega até a morte e morte de cruz, como cantávamos antes do evangelho: “Cristo se fez por nós obediente até a morte, e morte de Cruz, e por isso Deus o exaltou e deu o nome acima de todo o nome”.

Também, a instauração do sacerdócio católico. Hoje, nosso Senhor não só nos deixa a Eucaristia, o Seu sacrifício; não só nos dá o Seu mandamento de amor, mas também instaura o Seu sacerdócio. E, como dizia muito bem o nosso Arcebispo Dom Dimas na Missa dos Santos Óleos: “O sacerdote não é apenas um alter Christus, um outro Cristo; o sacerdote, na verdade, é Cristo, porque o sacerdote empresta a Nosso Senhor suas mãos, sua voz, todo o seu ser, todo o seu corpo, para que, através destas pessoas ungidas, Cristo continue a governar, a santificar e a ensinar.”

Era São João Maria Vianney que dizia: 

“Ide aos anjos e pedi a eles o perdão dos pecados, e eles vos dirão: não podemos. Ide aos anjos e pedi a todos eles que vos dê o pão do céu, e eles responderão: não podemos. Ide à Santíssima Virgem e pedi também o perdão dos pecados e o Pão do Céus, e a Santíssima Virgem responderá: não posso. Mas, ide ao mais simples dos sacerdotes, santo ou pecador; só ele poderá responder: teus pecados estão todos perdoados.”

 Eis o júbilo da festa de hoje, acompanhado pelos sinos e pelo Gloria. Mas, daqui a pouco, Nosso Senhor se despede e vive aquilo que O espera: o martírio, o calvário, o abandono. E, então a Igreja entra no sofrimento do Senhor e convida a todos nós a estarmos juntos com Ele no Getsêmani, a não abandoná-lo, a não deixá-lo sozinho. Todos foram embora, ninguém ficou. Até mesmo João, que volta depois; mas, naquele momento todos vão embora. João não ousa, em nenhum momento, dizer: “Que me preguem na cruz com o meu Senhor”. Apenas some, desaparece. Cristo está só, mas Sua Mãe Santíssima, com certeza, o acompanha de longe, talvez sem nem saber onde seu Filho estava preso, onde seu Filho se encontrava, mas Ela estava unida a Ele. Os demais fugiram apavorados diante do aparente fracasso de Nosso Senhor; este fracasso que vai ser aniquilado com a vitória da cruz no Sábado Santo, aos primeiros raios de sol do Domingo da Páscoa.

Este momento, para nós, é um momento sagrado, é um momento sublime, em que podemos contemplar Nosso Senhor em dois aspectos: na sua profunda alegria em ter consumado tudo e feito a vontade do Pai ao extremo, como João vai nos falar “Amou-nos até o fim” – In fine dilexit – mas também na angústia, na dor, na desolação que cairá sobre Ele.

E o que nós sabemos? 

Que o peso da cruz é o nosso peso, que somos nós que lhe pesamos na cruz. O Seu suor com sangue é por causa dos nossos pecados: somos nós que Lhe pesamos, somos nós que aumentamos as Suas angústias. Não foram os demônios que condenaram Jesus à morte, fomos nós: nós o condenamos, nós somos os responsáveis pela Sua morte e – o pior – nós somos responsáveis pela Sua paixão, que se arrasta até o fim dos séculos em cada pecador que se obstina no pecado, até em nós quando continuamos imersos em nossas falhas, em nossas podridões, ou até mesmo em pecados veniais que, diante de Deus e diante daquilo que Ele deseja para nós – a perfeição e o Céu – não deixa de ser atraso e empecilho contra o testemunho do primeiro amor, do primeiro Mandamento que é amar a Deus sobre todas as coisas, e do mandamento de amarmos ao próximo como, ou – às vezes, ou muitas vezes, ou quase sempre – mais que a nós mesmos.

 Que esta santa Missa in Cœna Domini abra para nós a porta das graças de Deus, a fim de que, neste Tríduo Santo, tenhamos a graça das graças, que é perseverar até o fim, até o último instante da nossa vida, como costumo dizer: “A graça não é começada em mim, a graça é terminada em mim.” Se começamos bem e não terminamos bem o que fizemos, acontece o que São Domingos Sávio dizia: “Se no final de minha vida não tiver me tornado santo, foi inútil ter passado por esta vida.”

Acompanhemos Jesus em cada instante, em cada momento, em Sua paixão que se abre nesta Última Ceia, ao lado de São João, o discípulo que Ele mais amava; ao lado de São Pedro que, apesar de seu temperamento, amava a Nosso Senhor; ao lado dos demais; mas, entre eles, estava Judas, o traidor, aquele que seria melhor nunca ter nascido.

Homilia proferida no dia 5 de abril de 2012, Missa da Ceia do Senhor (Lava-pés).

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26/04/2012
13:03 | Postado por Sacerdos


Clique aqui para visualizar as fotos do Domingo de Ramos.

Pe. Marcelo Tenório

Entramos na Paixão de Nosso Senhor, o 2º Domingo da Paixão, o Domingo de Ramos. É neste Domingo que a Igreja canta, anuncia a Paixão de Nosso Deus. Um Deus que nos amou até o fim, até a morte, e morte de cruz.

Ao chegarmos diante da Igreja fechada, podemos contemplar o paraíso fechado pela culpa de um só homem, do velho Adão. Poderíamos contemplar o limbo dos patriarcas, o limbo dos santos onde todos aguardavam o momento da Salvação. É a porta que está fechada, a porta selada pelo pecado de um só homem. Pela obediência do novo Adão, de Cristo Deus, a porta é aberta e jamais será fechada. São as portas do Reino, do Paraíso que se abrem para todos aqueles que desejarem por ela entrar.

O 2º Domingo da Paixão, de Ramos, deve ser para nós esta porta aberta que nos convida a deixar a vida velha, o pecado de Adão, para podermos cravar a cruz de Cristo, que é a nossa ressurreição, sobre o crânio do antigo Adão. Como alguém já dizia: “Santo sepulcro, eis a cova; nela é deitado o homem velho: o homem velho seja abandonado na cova, e que saia o homem novo deixando aos vermes o pecado.”

Que possamos, neste dia santo, neste dia de reflexão, diante deste imenso amor de Deus por nós – que não precisava, mas quis nos amar -, responder com prontidão, como São Pedro após a negação: “Senhor tu sabes tudo de mim, tu sabes que eu Te amo.”

Na narrativa da Paixão, Cristo pergunta a Judas “Amigo, a que vieste?”  A mesma pergunta Nosso Senhor faz a cada um de nós: “Por que estais aqui? Por que vieste me ver?” Vamos dar nós o beijo traidor na face do Mestre, ou vamos segui-Lo a cada ponto, a cada instante, a cada dor, até a glória da ressurreição?

Se queremos segui-Lo, preparemo-nos para a cruz, para o martírio, para as dores. Não faltarão conosco os cirineus. As trevas, vez ou outra, se transformarão em luz; a dor não será tirada, mas aliviada. Entretanto, depois desta caminhada, lá longe, contemplaremos o mistério da Paixão, a cruz do Senhor. Do Rei avança o estandarte, fulge o mistério da cruz.

Homilia proferida em 1º de abril de 2012, Domingo de Ramos.


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26/04/2012


Padre Marcelo Tenório

V. Ave Maria, Gratia plena, dominus tecum, benedicta tu in mulieribus, et benedictus frutus ventris tui Jesus. 
R: Sancta Maria,  mater Dei, ora pro nobis peccatoribus, nunc et in hora mortis nostrae. Amen.

Enfim chegou o Domingo da Paixão do Senhor. Cristo que sobe para o patíbulo. É o estandarte da cruz que avança, como canta o hino antigo “Do Rei, avança o estandarte, fulge o mistério da cruz”. A partir de agora, a Igreja entra ao lado do seu Senhor para com Ele padecer e morrer. Se com Ele morremos, com Ele também haveremos de ressuscitar. 

O santo Evangelho mostra a tensão de Jesus com aqueles que tramam a sua morte. A tensão vai aumentando à medida em se aproxima o dia de seu suplício, da sua Paixão. Aqui Nosso Senhor fala algo muito duro para os fariseus; os fariseus, na verdade, queriam um motivo para condenar Jesus à morte. Nosso Senhor revela, de forma inequívoca, a sua divindade e a sua consubstancialidade com o Pai: “Antes que Abraão fosse, Eu Sou”. 

O Evangelho de João, quando fala “Eu Sou”, quer, na verdade, remontar ao Nome Santíssimo de Deus, quando nos é revelado no Antigo Testamento para Moisés: “Que direi eu ao faraó? Que nome tu tens?” “Diga-lhe que Eu Sou”. 

Javé, Yahweh, Eu Sou. É o nome sagrado de Deus que até hoje os judeus não pronunciam em sinal de respeito. Naquela época também não se pronunciava, mas a força deste nome de Deus - “Eu Sou” - está na pessoa, na obra de Nosso Senhor Jesus Cristo. E entrou no Santo dos Santos, não construído com mãos humanas (como fala São Paulo aos Hebreus), não levou sangue de touro nem de cabritos, não ficou repetindo ano a ano esta entrada como fazia o sumo sacerdote que, uma vez ao ano, entrava no Santo dos Santos sozinho, com sangue aspergia todo o lugar sagrado e pronunciava uma vez só o nome de Deus para a expiação de todos os pecados. Pois bem: o sumo sacerdote, Cristo Nosso Senhor, entra no santuário, não construído com mãos humanas; não leva sangue de nada, é Ele mesmo que se oferece, é o seu próprio sangue, não pronuncia outro a não ser o seu mesmo Nome, que é o da sua consubstancialidade com o Pai: “Eu Sou”. 

Os fariseus se apavoram, pegam pedras para apedrejá-lo, mas Ele sabiamente desaparece no templo. Por quê? Porque ainda não havia chegado a sua hora. É o drama da Paixão a que nós devemos assistir, mas não de forma passiva; assistir de forma ativa a cada momento, a cada instante. 

Hoje, Domingo da Paixão, o estandarte avança para ser cravado no Gólgota sobre o crânio de Adão; uma vez cravado no Gólgota sobre o crânio de Adão, Cristo restaura a aliança perdida. Por isso Ele pode dizer: “Quando Eu for elevado, atrairei todos a mim”. 

A cruz, então, será mais que sinal: um sacramental da salvação estendida à humanidade inteira. E, assim, nós podemos cantar na Sexta-Feira Santa: “Vitória, tu reinarás; ó cruz, tu nos salvarás”, ou “Ave, ó Cruz, nossa única esperança”. É o nosso estandarte. 

Entretanto, neste estandarte da cruz, também estamos nós: somos nós que lhe pesamos na cruz, são os nossos pecados, é o seu, é o meu pecado que faz a Sua cruz ser mais pesada; esta cruz que Ele abraçará – aliás, esta cruz que Ele abraçou desde o mistério da Sua encarnação, cuja festa comemoramos amanhã devido a ter caído hoje no Domingo da Paixão. E alguém dizia: “Ele não se encarnou e sofreu, mas sofreu e por isso se encarnou”. Sofreu no sentido de que Deus não abandonaria a Sua obra prima: não abandonaria o homem, a Sua criação perfeita na qual Ele colocou Sua alma, colocou algo que só Ele tem, mas envia o Seu Filho único, para que, através desse mistério grandioso que encerra o estandarte da cruz, pudesse religar novamente o homem ao Seu Criador. 

E, neste mistério da Paixão do Senhor, cabe-nos esta assistência ativa. Primeiramente rompendo de uma vez por todas com esse peso que somamos à cruz do redentor. Somos nós que Lhe pesamos na cruz. Rompamos com os nosso pecados. Determinemo-nos em termos uma vida santa. Não deixemos para amanhã se podemos fazer hoje, apressando a nossa conversão. E, apressando a nossa conversão, com a carne que nos é dada de seu peito - e daí São Tomás o vê como pelicano de Deus, aquela ave que, não tendo alimento para seus filhos, com o seu bico pontiagudo rasga o seu próprio peito para alimentar as suas crias - Deus nosso Senhor desce, rasga o peito, entrega-nos o Seu corpo e o Seu sangue para que através deles - corpo e sangue - nós na graça vivêssemos, vivêssemos na santidade. 

É uma ousadia nossa; é um pecado gravíssimo; chega a ser um sacrilégio, então, desonrarmos essa salvação - se é que se pode desonrá-la - mas fazer pouco caso desta salvação que custou ao Filho de Deus Sua carne, Seu sangue, Suas dores. Nossa resposta deve ser imediata; diante de tanto amor de um Deus que desce e que deseja que subamos a Ele, a nossa resposta deve ser imediata.  “Senhor tu sabes tudo, tu sabes que eu te amo”, assim como Pedro respondeu ao ser indagado por Jesus por duas vezes - em vez do uso do verbo agape, Pedro usa o verbo filioste. “Pedro tu me amas?” “Gosto”. “Pedro tu me amas?” “Gosto”. “Pedro, tu gostas de mim?” Então Pedro percebe e consegue rever aquilo que havia perdido: “Senhor tu sabes tudo, tu sabes que eu te amo”. Que o nosso amor por Deus nosso Pai e pelo seu Filho seja aquele amor agape, sacrifical, capaz de dar a própria vida. 

Na santa Missa Cristo se dá a nós, mas também nesta mesma Missa a que assistimos, devemos nos dar totalmente a Cristo: hóstia com hóstia, o sacrifício dEle - único, perfeito e eterno - e o nosso sacrifício no sentido de romper com tudo que nos afasta de Deus para sermos todos de Deus. Perder tudo para ter Tudo, no “tudo que é Deus”, como nos ensinava São Francisco de Assis.

Homilia proferida em 25 de março de 2012.




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19/03/2012
07:15 | Postado por Sacerdos




Homilia da Missa do 2º Domingo da Quaresma

Pe. Marcelo Tenório

. Ave Maria, gratia plena, Dominus tecum, benedicta tu in mulieribus, et benedictus fructus ventris tui Jesus.
. Sancta Maria, Mater Dei, ora pro nobis peccatoribus, nunc et in hora mortis nostrae. Amen.
. Ora pro nobis, Sancta Dei Genitrix.
. Ut digni efficiamur promissionibus Christi.

Estamos no 2º Domingo da Quaresma. Na Quarta-Feira de cinzas, a Igreja solenemente nos lembrava a grande e terrível verdade objetiva que paira sobre todos nós: “Memento homo...” “Lembra-te, homem, que és pó, e que ao pó tu hás te tornar.” A Igreja não nos diz: “Lembra-te, homem que sereis pó”, mas afirma: “Lembra-te que és pó.”

O padre Antonio Vieira, num dos seus sermões da Quaresma – o Sermão da Quarta-Feira de Cinzas – coloca isso bem claro para nós. É verdade que outros sermões do padre Antônio Vieira não eram tão ortodoxos assim, mas este sermão vale a pena ser lido. “Lembra-te que és pó e em pó te tornarás”, ou seja, já somos pó; a miséria nos atinge como um raio. Somos nada, pó, poeira que passa. Seremos o que já somos: pó, poeira... “Memento homo” – “Lembra-te, homem.”

O homem que busca “imortalizar-se” em suas obras, naquilo que constrói. Mas, o que encontramos nos sepulcros quando os abrimos? Pó, apenas pó. Reis e plebeus, simples e nobres, papas e imperadores... Ao abrimos os seus sepulcros, o que encontramos? Pó envolto em alguma seda já acabada pelo tempo, já de certa forma decomposta pelos vermes. Somos pastos de vermes. Parece-nos uma tragédia, uma lembrança terrível que nos poderia causar uma angústia espiritual, se entendermos este pó, este nada, para aquém daquilo ao qual, por graça, fomos chamados a ser.

Então, quando a Igreja lembra que o homem é pó, e que ele será pó, ela quer dizer que ele é, humanamente, apenas isso: pó. Se ele vive na carne, se ele se fixa na carne, aí está a sua tragédia. Será aquilo que já é: nada e pó.

Deus nos fez filhos no Filho. Deus nos deu a adoção, e nos convida a viver a vida no coração da Trindade. Então, mesmo que sejamos e que seremos pó, Deus é capaz de dizer a este pó: “Levanta-te!” No grego, o verbo que significa “ressurreição” é justamente o verbo “levantar-se”.

E, aqui, vemos o Evangelho da Transfiguração. Com Pedro, Tiago e João – somente os três – Nosso Senhor sobe a montanhaA montanha é o local no qual Deus se encontra, no qual Deus fala. E, diante desses três, Nosso Senhor se transfigura: torna-se reluzente, esplendoroso – o rasgão no véu do mistério – mostrando a Sua divindade. E aparecem Moisés e Elias. Por que Moisés e Elias? Em Elias, todos os Profetas; em Moisés, toda a Lei. Jesus é o centro da revelação: de um, lado Moisés; do outro, Elias; Jesus não está ao lado, mas ao centro. É a plenitude de toda a Revelação. E, nesta manifestação clara da Santíssima Trindade, o Espírito Santo é a nuvem que envolve a todos, e a voz que sai de dentro da nuvem é do Pai: “Este é meu filho amado no qual pus todo o meu afeto; escutai-O”.

Esta é justamente a grande mensagem para nós nesta Quaresma: Cristo deve ser escutado por nós. Esta é a vontade do Pai. E, durante estes rápidos momentos, os apóstolos puderam vislumbrar a Cristo na Sua glória. Por que vislumbrar Cristo na Sua glória? Por que a Santa Igreja coloca, no 2º Domingo da Quaresma, o Evangelho da Transfiguração? Porque é necessário ver Cristo glorificado. Ou, melhor: Deus quis transfigurar o Seu Cristo diante de Pedro, de Tiago e de João, para que, ao chegar o tempo das trevas, ao chegar o tempo do aparente fracasso do Filho do Homem, ao chegar o tempo da desilusão, os dias maus, eles pudessem se lembrar deste momento solene, e desta voz que afirma: “Este é Meu Filho amado, no qual coloquei toda a minha complacência; escutai-O.”

Assim é para nós. “Lembra-te de teu Criador antes que cheguem os dias maus”, dizem as Sagradas Escrituras no Antigo Testamento. Lembrar-se do Senhor, estar com o Senhor, viver com Ele, percebê-lO antes que cheguem os dias maus... Aqui está a mística da Transfiguração. Embora estejamos no tempo da Quaresma; embora arrojados no jejum, na oração e na esmola; embora sofrendo o peso e a dor humana, terrível, às vezes desoladora, da conversão dos costumes – porque a carne grita – não fiquemos olhando para a tragédia da nossa vida – a qual nos fala: “És pó e serás pó” – mas olhemos para a Transfiguração do Senhor, esta manifestação Trinitária. E é por esta Transfiguração de Cristo, por esta manifestação trinitária, que olhamos para o Crucificado, para o derrotado na Cruz, para o fracassado na Cruz, e compreendemos ali o aparente aniquilamento de um Deus que desce.

E se quisermos chegar lá no monte da Transfiguração, gozar da companhia de Cristo e de seus Santos, receber dEle todo este esplendor e toda esta glória, o caminho é por aqui: [n.d.t.: o padre apontou, neste instante, para o crucifixo do altar] passando pelo Calvário, passando pela Cruz, passando pelas ignomínias, sendo considerados malditos como Jesus foi considerado; e assim, sofrendo as Suas dores, recebendo a marca da Sua Paixão, unidos em Seus sofrimentos, chegaremos, por fim, àquilo que Deus deseja que cheguemos. Agarrados a Cristo no Seu sofrimento, e imitando as Suas dores, chegaremos também à Sua gloriosa ressurreição.

Homilia proferida em 4 de março de 2012.


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24/01/2012
08:25 | Postado por Sacerdos



Homilia da Festa de São Sebastião (20/01/2012)


Pe. Marcelo Tenório

. Ave Maria, gratia plena, Dominus tecum, benedicta tu in mulieribus, et benedictus fructus ventris tui Jesus.
. Sancta Maria, Mater Dei, ora pro nobis peccatoribus, nunc et in hora mortis nostrae. Amen.

Celebra-se hoje, nesta Matriz, a solenidade de seu padroeiro, São Sebastião, que viveu sob o governo de Diocleciano, um dos piores Imperadores de Roma a massacrarem os cristãos. São Sebastião poderia, de certa forma, ter tido uma ascensão política muito grande, a tal ponto de ser um dos mais queridos e privilegiados do Imperador. Entretanto, tendo se convertido à fé cristã, não titubeou em escolher – ante as honras, as famas e o poder – ficar com Nosso Senhor Jesus Cristo.

São Sebastião não era ingênuo, pois sabia muito bem o que lhe esperava se assim continuasse. Tanto que, uma vez descoberto, o Imperador o chamou e, diante de todos, ordenou que ele renunciasse à fé cristã, ou seria expulso do rol dos grandes oficiais da Legião Romana e executado. Em nenhum momento ele pensou duas vezes. Diante de todos, afirmou a sua fé em Nosso Senhor Jesus Cristo, o que lhe valeu o suplício a flechadas e deixado sozinho numa árvore, a sangrar. À noitinha, uma piedosa senhora chamada Irene (n.d.r.: Santa Irene da Tessalônica, cuja festa é comemorada em 5 de abril) vai até Sebastião com outras mulheres; percebendo que está vivo, leva-o para casa e trata as suas feridas.

Mas Sebastião, que poderia tranquilamente fugir e proteger a sua integridade física e moral (o que, em si, não é nenhum pecado), quis dar testemunho e ir contra o massacre de cristãos realizado pelo Imperador. Foi ter com Diocleciano e protestou por causa dos massacres, sendo novamente condenado, desta vez, à morte a pauladas e flagelação com bolas de chumbo, vindo a falecer. Seu corpo foi sacudido nas fossas, para que se evitasse a veneração pública; mas uma senhora chamada Luciana (n.d.r.: Santa Luciana, cuja festa é comemorada em 30 de julho) junto com outras piedosas mulheres recolheram o corpo de São Sebastião.

Num certo ano – se não me engano, entre 500 e 600 – houve uma grande peste em Roma, e os devotos de São Sebastião, com o seu corpo, seus restos mortais, fizeram uma grande procissão, e a peste veio a cessar imediatamente. Por isso, até hoje recorremos a São Sebastião contra as guerras, as pestes e as epidemias.

Que a coragem e a determinação de São Sebastião nos inspirem, tal como canta um hino em sua homenagem: “Ele era uma pomba entre os fracos, mas um leão entre os fortes; desprezou toda a corte, desprezou todo o temporal, desprezou toda a honra, toda a glória, por Cristo Nosso Senhor”.

Sigamos a São Sebastião e vivamos o nosso martírio, se não físico, mas um martírio moral, como um bom cristão deve ser capaz de suportar. 

Que São Sebastião, do Céu, interceda por todos nós, e mais particularmente por esta Paróquia que o venera e o honra.

Homilia proferida em 20 de Janeiro de 2012, na Festa de São Sebastião Mártir.




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09/02/2012

Missa de Natal: "Sempre é Natal na alma daquele que vive em Deus!"


Homilia da Missa do Dia de Natal, em 25 de Dezembro de 2011



Pe. Marcelo Tenório



Enfim, é chegado o Natal. Desde as Missas Rorate estávamos juntos com Nossa Senhora esperando a chegada do Salvador e a Igreja nos convidava a uma conversão profunda, nos apresentando a pessoa de São João Batista, que gritava no deserto.



Deus vem “gritar” para nós. Já não há mais tempo para um convite sutil com voz mansa e apelos em tons baixos. Deus, através do profeta, brada para nós com violência: “Preparai os caminhos do Senhor, endireitai as suas veredas”. Tudo o que não presta será lançado ao fogo; o machado já está posto na árvore, e a árvore que não der fruto será cortada, jogada fora.



Deus, através de João Batista, clama para que possamos ouvir e, assim, respondermos de forma coerente com nosso Batismo aos apelos de Nosso Senhor. Deus “grita” no Tempo do Advento. E por quê? Para que possamos, mudando o rumo da nossa vida, nos preparar bem e, assim, preparando-nos bem, acolhermos de forma digna o Menino Jesus que vem no Natal.



Na Missa do Galo a Igreja proclamava o nascimento do Salvador. Na Missa da Aurora, a Igreja nos apresentava a Virgem Maria, aurora do Sol de Justiça que é Nosso Senhor. E, agora, na Missa de Natal, a Igreja nos insere no mistério da Encarnação: “O Verbo se fez carne, e habitou entre nós”.



Sabemos que Deus não pode “subir”, pois que é infinitamente grande, de forma que só pode descer, e Ele quis descer! “Quem é o homem, Senhor para que dele vos preocupeis?” Quem somos nós? Vermes! Deus não deseja nada a não ser a Si próprio. Deus Se basta, mas Ele quis nos amar! E nos amou até a última conseqüência, que culmina hoje no mistério da Encarnação. Deus se humilha, “se aniquila”, como diz São Paulo [n.d.r.: Fp II, 5-11], se despoja de Sua divindade, de seu poder, de sua grandeza infinita para se tornar criança indefesa no seio da Virgem Maria.



“Et verbum caro factum est”. E o Verbo se faz carne e vem habitar entre os homens, assumindo a nossa humanidade. Igual a nós em tudo, menos no pecado, assume a limitação desta condição humana, e desce do céu na noite santa do Natal para, com os braços abertos, acolher a humanidade inteira. Assim como refletíamos nesta madrugada, os braços abertos do Menino Deus significam que Ele quis estar entre nós para abraçar a cruz que já se faz no altar. A cruz que, apesar das luzes e das flores, espera esta criança. Ele que é a matéria para o sacrifício, se deitará sobre a lenha, sobre o madeiro da Cruz. E diferente do velho Adão, caído pela árvore do “prazer” [n.d.r.: do prazer iníquo da desobediência a Deus e de querer ser como Ele], assumirá, pela nossa redenção, a “árvore” da dor.



Olhemos para esta criança. Contemplemos o Menino Deus. Na Missa da madrugada, o anjo nos anunciava: “Nasceu-vos um Salvador, Cristo Senhor”. Que possamos viver este Natal como se fosse o último das nossas. A graça que Deus derrama sobre nós neste Natal é única, não voltará mais; outras virão, esta não. Ele dá esta graça para que, recebendo-a, possamos nos aproximar dEle e, enfim, viver o Natal, sempre. Porque sempre é Natal na alma daquele que vive em Deus, que prefere perder todas as outras coisas, pessoas e interesses, mas jamais perder Aquele que é a razão da nossa existência.



Que Nossa Senhora das Graças nos ajude com Sua materna intercessão, a não cambalearmos de forma alguma e a mantermo-nos fiéis neste amor incondicional a Nosso Senhor.



Homilia proferida em 25 de Dezembro de 2011, Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo.




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01/02/2012

Missa da Aurora: "Antes que o Sol se firme no céu, vem a aurora, Nossa Senhora, preparando a chegada do Sol de Justiça, Nosso Senhor."







Homilia da Missa da Aurora de Natal, celebrada no dia 25/12/2011, às 5 horas da manhã


Pe. Marcelo Tenório



. Ave Maria, gratia plena, Dominus tecum, benedicta tu in mulieribus, et benedictus fructus ventris tui Jesus.

. Sancta Maria, Mater Dei, ora pro nobis peccatoribus, nunc et in hora mortis nostrae. Amen.

. Ora pro nobis, Sancta Dei Genitrix.

. Ut digni efficiamur promissionibus Christi.



O Intróito da Missa de hoje, à Aurora, diz: “Hoje uma luz brilhará sobre nós, porque nasceu-nos o Senhor; será chamado Admirável, Deus Príncipe da Paz, Pai dos Séculos Futuros, cujo reino não terá fim; hoje uma luz brilhará sobre nós”. E é impossível, no início deste dia de Natal, não voltarmos o nosso olhar para a Santíssima Virgem Maria, que é Aurora da Redenção, da qual nasceu o Sol da Justiça, a grande luz.



Diz um adágio: “Deus amanhece devagar”, pois Deus não tem pressa. Quantos séculos Deus “esperou” para enviar Seu Filho ao mundo! E São Paulo vai dizer: “Chegada a plenitude dos tempos, Deus enviou o seu Filho nascido de uma mulher”.



Por isso, alguém disse: “Deus amanhece devagar”. Mas, antes que haja um amanhecer, antes que o sol se firme e espalhe seus raios e, assim, dissipe toda treva, e como necessitamos da luz durante a noite para que possamos enxergar bem as coisas, eis que vem o sol, e já não precisamos mais de outra luz; já não precisamos de lâmpadas, já não precisamos de nada menor, porque o sol basta, o sol tudo clareia, invade, mostra, o sol tudo descobre. Nosso Senhor é este grande Sol.



Mas, antes que o Sol se firme no céu, vem a aurora, que é Nossa Senhora, preparando a chegada deste grande Sol de Justiça que é Nosso Senhor.



“Hoje uma luz brilhará sobre nós.” Que alegria estarmos quase que em vigília, desde a Missa do Galo, anunciando o nascimento do Menino-Deus, e estar com Ele até este momento. Ainda há treva, ainda há escuridão, mas daqui a pouco, isso tudo será dissipado, invadido pelos primeiros raios do Sol da Justiça. Daí o nome desta Missa: “Missa da Aurora”, a Missa da manhã que se inicia.



Sabemos que a Missa é o maior culto de adoração que podemos prestar a Deus, porque na Santa Missa oferecemos à Deus Pai o seu próprio Filho imolado e sacrificado por nós.



E, nas Missas Rorate, no auge do tempo do Advento, lembrávamos a “expectativa” de Nossa Senhora; Ela, que esperava no silêncio, entre os “ós” da admiração e da exultação e os “ais” da dor, pois Nossa Senhora sabia que Aquela criança se tornaria o Cordeiro de Deus rasgado pelos nossos pecados.



Nesta Aurora que começa a surgir podemos também contemplar Nossa Senhora do “Ó” e do “Ai”. Nossa Senhora que, no silêncio da madrugada do dia 25 contempla Seu Filho, o Salvador, que nos é dado. Tudo Ela contempla: o cantar dos anjos, o modo como aqueles pastores achegaram-se à gruta fria de Belém, a vinda dos magos com seus presentes... Nossa Senhora tudo percebe, tudo entende e tudo guarda em seu coração. Algumas coisas serão mistérios, diante dos quais Ela silenciar-se-á, mas também guardará todas estas coisas no seu coração.



O Santo Evangelho desta Missa da Aurora noz diz: “Vamos até Belém, e vejamos o que lá se sucedeu, e que o Senhor nos manifestou”. Bethelem, a casa do Pão... E aqui é Belém, porque conosco está Aquele que é o Pão descido dos céus, o qual receberemos logo mais na Comunhão. Receberemos o Senhor, Aquele mesmo Senhor que se encarnou no seio da Virgem, e Aquele mesmo Senhor que nasce na noite Santa – Ele mesmo, não outro – o receberemos não na Sua grandeza, mas no Seu rebaixamento, na Sua humilhação. Deus, em sua infinita grandeza e majestade não pode subir mais, só pode descer. Deus não pode subir, pois já é infinito. Então, Deus desce. Desce até chegar a nós; Ele vem e desce ao encontro da humanidade,  para que subamos a Ele.



Acompanhemos esta Santa Missa com toda contrição possível. Acompanhemos este santo sacrifício, que vai além da noite santa, e nos colocará diante da cruz. Aquela criança é Aquele que foi crucificado. Podemos contemplar Aquela criança nos braços da mãe, como no ícone de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Embora criança, é Deus, é Aquele mesmo que será sacrificado, é o Cordeiro, a matéria do Sacrifício. E Aquela criança olha para o Anjo que está ao Seu lado, e este anjo Lhe apresenta a cruz, e os cravos: a Sua missão. Esta criança nascida nesta noite de alegria, nesta noite de júbilo, também é a mesma criança, é a mesma carne, é o mesmo Cordeiro que um dia, mais tarde, será rasgado pelos nossos pecados. E só assim entre a alegria e o sofrimento antecipado, podemos penetrar na alma da Santíssima Virgem Maria. Como diz aquela bela música “a criança que chora e que ri” – a criança chora, mas ao mesmo tempo ri; ao mesmo tempo está alegre, ao mesmo tempo está chorando [n.d.r.: O Padre se refere à música “Convidando esta la noche”. Disponibilizamos a letra e o áudio logo abaixo, após a transcrição desta homilia]. Que aparente contradição entre os “ais” e os sorrisos, entre os “ós” (de admiração) e a cruz que, por detrás das flores, dos hosannas e do Gloria in excelsis Deo, aparece! Longe no tempo, mas ali já percebe Aquela criança tão bela – Deus criança – o que Lhe espera: é a cruz! Maria não olha só para a criança. Maria olha para a “sombra” por detrás da criança, e o que Ela vê? Vê a cruz... E por isso suas alegrias e sofrimentos.



Que Nossa Senhora da Alegria e da Esperança, que é a Mãe do Salvador, neste dia santo de Natal, nos dê a graça de entendermos os “ais”, mas também os “ós”, e, sobretudo, nos dê a graça de aceitarmos os sofrimentos da nossa vida. Esta é a parte que nos cabe com o Senhor, no Seu sofrimento, no Seu abandono. É a nossa escolha; não podemos escolher apenas as alegrias, mas, sobretudo os sofrimentos. Por eles estaremos cada vez mais unidos ao Deus Menino que está de braços abertos como que abraçando o mundo, mas, no fundo, é a cruz que Ele deseja abraçar.



Homilia proferida às 5 horas da manhã de 25 de Dezembro de 2011.





Música: "Convidando esta la noche" 

Coral: Flammulla Chorus 
Álbum: Mirabilia (2010)
Áudio: clique aqui




Convidando esta la noche
Aquí de mucicas varias
Al recien nacido infante
Canten tiernas alabanzas

Ay que me abraso, ay
Divino dueño, ay
En la hermosura, ay
De tus ojuelos, ay

Ay como llueven, ay
Ciendo luçeros, ay
Rayos de gloria, ay
Rayos de fuego, ay

Ay que la gloria, ay
Del Portaliño, ay
Ya viste rayos, ay
Si arroja yalos, ay

Ay que su madre, ay
Como en su espero, ay
Mira en su lucencia, ay
Sus crecimientos, ay


Alegres cuando festivas
Unas hermosas zagales
Con novidad entonaron
Juguetes por la guaracha

En la guaracha, ay
Le festinemos, ay
Mientras el niño, ay
Se rinde al sueño, ay

Toquen y baylen, ay
Por que tenemos, ay
Fuego en la nieve, ay
Nieve en el fuego, ay

Pero el chicote, ay
A un mismo tiempo, ay
Llora y se rie, ay
Que dos estremos, ay


Paz a los hombres, ay
Dan de los delos, ay
A Dios las gracias, ay
Por que callemos, ay

Convidando está a noite
Aqui, de músicas diversas
À criança recém nascida
Cantem doces louvores

Ai, que eu ardo, ai
Divino mestre, ai
Na formosura, ai
De teus olhinhos, ai

Ai, como que caindo, ai
Cem estrelinhas, ai
Raios de glória, ai
Raios de fogo, ai

Ai, que a glória, ai,
Do portal de Belém, ai
Já vemos a gélida aurora, ai
Brilhando ao redor, ai

Ai, que sua mãe, ai
Com expectativa, ai
Olha o brilho, ai
Do que gerou, ai

Alegres celebrando
Umas formosas camponesas
Entoarão novas
Rimas para a guaracha (dança)

Na guaracha, ai
Festejemos, ai
Enquanto o menino, ai
Se rende ao sonho, ai

Toquem e dancem, ai
Porque temos, ai
Fogo na neve, ai
Neve no fogo, ai

Mas o pequenino, ai
A um mesmo tempo, ai
Chora e ri, ai
Que dois extremos, ai

Paz aos homens, ai
Vem dos céus, ai
Demos graças a Deus, ai
Porque passamos, a
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27/01/2012


Missa do Galo: "É um menino, uma criança, mas é o Deus de todos os séculos, é o Deus Verdadeiro."





Homilia da Missa do Galo, celebrada à meia-noite, de 24 para 25/12/2011.



Pe. Marcelo Tenório





Nesta noite Santa, é celebrada a encarnação do Verbo Divino. Todos os mistérios da vida de Nosso Senhor começam aqui nessa noite Santa de Natal.



Deus sempre existiu desde toda a eternidade. Ele que é único em três pessoas distintas – Pai, Filho e Espírito Santo – É pleno, Se basta, não tem necessidades de nada para ter e ser na Sua infinita grandeza. De forma que, como diz São João: “Deus é Amor”, e neste Amor estão envolvidos o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Em Deus não há carência, pois Ele nada deseja a não ser a Ele mesmo.



Quando desejamos algo, é porque não o possuímos. Desejar alguma coisa é sinal de que não a temos e por isso a desejamos. Em Deus não há desejo, porque Ele se basta. Deus não deseja nada que não seja a Ele mesmo. Nisto consiste o grande mistério da noite de Natal. Porque Deus quis desejar o homem, e criou o homem à sua imagem e semelhança. E, devido ao pecado original, devido à desgraça que assolou a humanidade, devido à humanidade ter sido definitivamente perdida por sua separação de Deus, Deus envia o Filho, que é Deus verdadeiro, para que, tornando-se homem como nós, igual a nós em tudo, menos no pecado, assumisse o pecado e a maldição que caíram sobre a humanidade. Por isso que, mais tarde, São João vai dizer: “Ecce Agnus Dei, qui tollit peccata mundi” – Eis o Cordeiro de Deus, que tira os pecados do mundo, o “cordeiro expiatório”, Aquele que, mesmo inocente, assume por nós a culpa dos pecados da humanidade inteira.



E este é o grande mistério desta noite de luz, desta noite de glória, desta noite de Natal: Deus que desce. É verdade. Deus não pode fazer outra coisa a não ser descer; subir mais não pode, pois já é infinitamente grande, então Ele desce. É o sinkatábassis, o rebaixamento: Deus assume a natureza humana, Ele se deixa aprisionar nessa natureza fragilizada, e se faz criança no seio da Virgem Maria, que não é uma pessoa qualquer; muito pelo contrário, Nossa Senhora é aquela criatura na qual Deus colocou todas as suas Graças, tendo em vista, justamente, esta grandeza que envolveria Nossa Senhora, isto é, a maternidade divina. É através – e por causa desta maternidade divina – que Deus a fez mais esplendorosa que o sol, mais formosa que a lua; não só exteriormente, mas sobretudo na alma.



Imaginemos a alma de Nossa Senhora, que grandeza! Ela teria que receber em si o próprio Deus, o Deus que criou o céu e a terra, o Deus que criou as coisas visíveis e invisíveis... O Deus que a criou, agora criança indefesa no seu ventre materno! Desde a Anunciação – 25 de março – até a noite santa de 25 de dezembro... E, hoje, Deus desce. Deus desce do céu, torna-se visível numa criança. E Nossa Senhora, e São José contemplam esta criança nascida.



São João vai dizer no Prólogo: “Veio para os seus, mas os seus não O receberam”.



Sejamos nós uma manjedoura; esteja o nosso coração pronto para este acolhimento verdadeiro, iluminado, bem preparado, já que passamos o tempo do Advento nesta constante busca de estarmos prontos justamente para esta noite, a fim de que esta criança pudesse nascer em nosso coração. E se esta criança nasce em nosso coração que abrimos, porque preparamos a nossa alma, logo é Natal em nós. E em nós sempre será Natal se conservarmos em nós esta Criança Divina que hoje nasce para abraçar o mundo inteiro – urbi et orbi – com a Sua graça e com a Sua misericórdia.

Ele, que recebe o Nome de Iesus, ou de Yeshuha – Deus salva – e no Seu Nome está a Sua missão: o Salvador. Por isso, no Evangelho, os pastores são surpreendidos pelos anjos, que dizem: “Anuncio-vos uma grande alegria: nasceu-vos o Salvador, Cristo, o Senhor!” E o anjo guia os pastores, que encontram o Menino Deus deitado numa manjedoura e envolto em faixas.



Uma noite belíssima para nós, cristãos. O gesto de Deus que “desce”, o “rebaixamento” de Deus, nos leva e nos ensina também a “descer”, a dobrar o joelho, a estarmos prostrados diante do Salvador que chega.



É um menino, é uma criança, mas é o Deus de todos os séculos, é o Deus Verdadeiro. 



Nos ícones antigos, sobretudo lembrando o ícone de Nossa Senhora do Perpétuo socorro, observem: a criança sempre tem um rosto envelhecido, uma face enrugada, uma feição de velhice. Não para mostrar decrepitude, mas para indicar que Aquela criança é Deus. E, sendo Deus, é Eterno. E, sendo Deus, é sábio: a sabedoria que envolve Aquela criança é a sabedoria divina.



Acolhamos esta criança que chega! Abramos o nosso coração para que Ela entre e possa ser bem acolhida! Mas não nos esqueçamos, jamais, que esta criança que deseja nascer hoje para nós, é o Deus de todos os séculos, o Deus Verdadeiro.



Que Ele encontre o nosso coração aberto, a nossa alma límpida, iluminada, para que em nós Ele tenha pousada.



Que não sejamos mais do grupo daqueles para os quais Ele veio, mas que O rejeitaram, como lembra São João no Prólogo: “Veio para os seus, mas os seus não O quiseram receber”. Nós, não! Estamos aqui porque queremos que Ele realmente entre, tome posse de nossa alma, que realmente seja Nosso Senhor.





Homilia proferida na Missa da Meia-Noite (Missa do Galo), de 24 para 25 de Dezembro de 2011.



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23/01/2012

4º Domingo do Advento: Que nosso coração esteja preparado para acolher o Menino Deus!


Homilia da Missa do 4º Domingo do Advento



Pe. Marcelo Tenório

. Ave Maria, gratia plena, Dominus tecum, benedicta tu in mulieribus, et benedictus fructus ventris tui Jesus.
. Sancta Maria, Mater Dei, ora pro nobis peccatoribus, nunc et in hora mortis nostrae. Amen.
. Ora pro nobis, Sancta Dei Genitrix.
. Ut digni efficiamur promissionibus Christi.

Estamos na última semana do Advento. Passamos por todas as fases deste tempo litúrgico; desde as Missas Rorate, como nas Missas dos Domingos do Advento, Nosso Senhor nos fala claramente sobre a vigilância, a necessidade de estarmos prontos, esperando por Sua chegada.

Há dois aspectos desta chegada do Senhor: o primeiro, pela graça – e isto acontece mediante a recepção digna dos sacramentos e pela permanência nessa graça; segundo, a vinda real, concreta, no último momento de nossa vida sobre a terra.

Neste tempo do Advento, nos santos Evangelhos, Nosso Senhor nos falou muito sobre a vigilância, sobre a necessidade de se estar pronto. Neste último Domingo do Advento, o santo Evangelho nos apresenta a figura de João Batista, o qual vai clamar: “Sou a voz que clama no deserto: Preparai os caminhos do Senhor, endireitai as suas veredas.” A última voz que escutamos neste Domingo, último do Advento, é justamente a voz de João Batista, a nos dizer: “Preparai os caminhos do Senhor”. “Preparai”, “Endireitai as suas veredas”.

A Epístola que acabamos de escutar, escrita por São Paulo, nos ensina que o que se espera de um ministro de Deus – mas também cabe a todos nós – é que ele seja fiel. O que se espera de um católico, de um batizado, é que ele seja fiel. Mas, fiel a quê? Fiel a Nosso Senhor! E através da Igreja permanecemos fiéis a Nosso Senhor.

Em que consiste esta fidelidade a Nosso Senhor? Sobretudo em viver a vida segundo a vontade de Deus, submeter-se a Deus. Não basta buscarmos outros tipos de fidelidade, até certos “fideísmos”. Não adianta nada disso se, no fundo, não praticarmos o que de fato interessa, que é a fidelidade a Deus, que é a fidelidade à Igreja. E esta fidelidade a Deus passa por um primeiro momento, que é a nossa conversão – endireitar os caminhos do Senhor, preparar o caminho do Senhor, estar pronto constantemente para a vinda do Senhor.

Não sabemos quando será a vinda do Senhor, por isso temos que estar preparados. Pode ser hoje ou daqui dez anos; não sabemos o dia em que deixaremos esse mundo e não sabemos o momento em que morreremos. Mas sabemos que Ele vem em cada Missa e que Ele se dá em cada santa Comunhão; que Ele está presente pela graça nos Sacramentos. Ora, isto sabemos. E, se sabemos que em cada Domingo há uma santa Missa, e que nesta santa Missa recebemos verdadeiramente Deus em corpo, sangue, alma e divindade, então é uma vinda já anunciada. E se sabemos que Ele se faz presente nestas ocasiões, que Ele se dá em sacrifício, que com Ele nos encontraremos na santa Comunhão, qual a justificativa de não estarmos prontos para este encontro? Qual a justificativa para que não estejamos prontos para esta vinda? Só existe uma única “justificativa”: o pouco caso que fazemos de Deus. Brincamos com Deus! E nos dizem as Sagradas Escrituras: “Presta atenção: com Deus não se brinca”.

E nos acostumamos a brincar com Deus, e muitas vezes, de forma indigna, recebemos os santos Sacramentos ou, senão de forma indigna, de uma forma duvidosa, uma vez que não há em nós uma contrição perfeita, um desejo na alma de romper com o pecado, a busca de se recompor dos erros de outrora e de recomeçar concretamente.

Pois bem! Última semana do Advento, último Domingo do Advento, daqui a poucos dias estaremos celebrando o Natal do Senhor. Já é para estarmos prontos, bem preparados para essa vinda do Senhor.

Nestas alturas, com certeza já fizemos uma grande, santa e boa confissão. Nestas alturas, com certeza, já colocamos diante de Deus toda a nossa miséria. Nestas alturas, com certeza, o nosso coração já está límpido, qual manjedoura digna de acolher a Nosso Senhor na noite santa de Natal. Se não estamos ainda, temos a obrigação fazê-lo. Tivemos quatro semanas e, até agora, em nada nos preparamos? Talvez a casa esteja em ruínas. Talvez a nossa manjedoura não seja digna do Menino-Deus, mais própria de manjedouras para porcos, quando, na verdade, quem deve se deitar sobre esta manjedoura é Nosso Senhor, que descerá do céu por cada um de nós.

É extremamente necessária a nossa preparação. É extremamente necessário levar a sério esta vinda mística, espiritual, pela graça. Através, sobretudo, da Santa Comunhão, mas, para isto, antes, a santa, sincera e boa confissão, que já era para termos feito. Se não a fizemos, temos que repensar por que, na verdade, estamos na Igreja para mudar de vida de vez, para romper de vez com o pecado ou para buscar matérias e mais matérias para nossa condenação ao fogo do inferno? Porque quanto mais nos aproximamos de Deus e não rompemos com o que Lhe é antagônico; quanto mais estamos na casa de Deus, mas em nada mudamos; quanto mais escutamos os Seus apelos e não respondemos favoravelmente; tudo isso, todas essas questões, todo esse tempo perdido de graça será motivo de condenação em nosso julgamento. “Dei-te tantos dias, tantas semanas, tantos anos; dei-te tantas semanas de preparação para o tempo do Advento, para que, chegando meu Natal, estivesses, enfim, pronto; e o que fizeste deste tempo? Dei-te tantas e tantas graças; quais delas aproveitaste? Pisaste nelas como os porcos fazem com as pérolas – porcos não sabem diferenciar bolotas de pérolas”. E, muitas vezes, fazemos com as graças de Deus o que os porcos inconscientemente podem fazer com coisas preciosas que algum desatento tenha deixado cair próximo de onde eles comem.

Lembremo-nos da máxima de Santo Agostinho que diz “Tenho medo do Deus que passa”. O Natal se aproxima. Daqui a poucos dias, Nosso Senhor estará nascendo nas Igrejas, nos templos sagrados, misticamente na santa Missa pela renovação do santo sacrifício. A graça de Deus é infundida em nossas almas na santa Comunhão, mas, sobretudo, antes de tudo isso, pelo Sacramento augusto da confissão.

Que o Natal do Senhor seja para nós esse Natal onde verdadeiramente Cristo nascerá no aconchego da nossa alma iluminada, no aconchego da nossa alma preparada, no aconchego da nossa alma pronta para receber tão grande graça, a Graça das graças, que descerá no Natal e que quer habitar em nosso meio. Ele se faz carne para habitar entre nós; em toda Missa, é lido do Último Evangelho: “E o verbo se fez carne, e habitou entre nós”.

Que possamos, reconhecendo este tão grande mistério, não desperdiçar o tempo que nos dá a misericórdia de Deus, porque este tempo que nos dá a misericórdia de Deus para a nossa conversão um dia poderá ser para nós violência de Deus – condenação divina sobre aqueles que, tendo tempo, não o aproveitaram; passando pelo tempo, não o viveram dignamente como cristãos, ou seja, aproveitando cada instante, cada segundo,, o que lhe resta para estar cada vez mais perto de Deus e fazer do coração sempre uma digna morada para Nosso Senhor.

Sempre será Natal naqueles em que a graça habita, naqueles cujos corações iluminados pela presença divina não conhecem a decrepitude de uma noite sem luz, de uma noite mergulhada nas trevas.

Imitemos as pessoas que, na nossa vida, deram exemplo de santidade, sobretudo os Santos, que estão em nossos altares e que nos testemunharam esta grande verdade de tudo rejeitar, de tudo recusar, de perder tudo para não perder O TUDO que é Nosso Senhor, como dizia São Francisco:Meu Deus e meu tudo”.


Homilia proferida em 18 de Dezembro de 2011.

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12/01/2012

3º Domingo do Advento: "Alegrai-vos sempre no Senhor; repito, alegrai-vos!"



Homilia da Missa do 3º Domingo do Advento

Pe. Marcelo Tenório

. Ave Maria, gratia plena, Dominus tecum, benedicta tu in mulieribus, et benedictus fructus ventris tui Jesus.
. Sancta Maria, Mater Dei, ora pro nobis peccatoribus, nunc et in hora mortis nostrae. Amen.
. Ora pro nobis, Sancta Dei Genitrix.
. Ut digni efficiamur promissionibus Christi.

A Santa Igreja celebra hoje o Domingo da Alegria, o Domingo “Gaudete”. Por isso, a Missa de hoje, o seu Intróito, como também a Epístola, exortam-nos a nos alegrarmos no Senhor: “Gaudete in Domino semper: iterum dico, gaudete”. “Alegrai-vos sempre no Senhor; repito: alegrai-vos”. O Terceiro Domingo do Advento é o domingo em que a Igreja, na certeza da vinda do Senhor pela graça do Natal, já goza antecipadamente das alegrias da festa que se aproxima.

O tempo do Advento, como sabemos, não é um tempo de festa; é um tempo de penitencia, é um tempo – usando um português vulgar – de fazermos uma retrospectiva minuciosa da nossa vida, um balanço, como se diz no comércio. O que se faz no comércio durante o balanço? Fecham-se as portas, joga-se tudo ao chão, tira-se tudo da gaveta, e vai-se ver o que presta e aquilo que não presta, e que, portanto, deve ser jogado fora, no lixo.

Assim para nós é o tempo do Advento, que não é um tempo de festa, mas é um tempo para pararmos e observarmos bem a nossa vida. Por quê? Porque o Senhor se aproxima de nós, e se aproxima de nós pela graça. É claro que naturalmente Ele já nasceu; entretanto, pelo Sacramento nós temos esta esplêndida graça de estarmos verdadeiramente no momento de Seu nascimento, e, neste momento, que também a nós envolverá, recebermos a graça reservada a esta ocasião. Não é uma recordação, não é uma memória histórica, nada disso; é uma memória no sentido teológico de estar acontecendo naquele momento, e isso, somente pela ação do Espírito Santo, sobretudo no santo sacrifício da Missa.

De forma que os ritos do Advento são gradativos. Nas primeiras semanas, a Igreja se abstém das flores dos altares e coloca, ao invés das flores, ramos secos. Por que esta “secura”? Porque ela quer nos lembrar o deserto, o deserto onde João estava, e onde João convidava o povo a se aproximar para fazer penitência – sair da vida velha para a vida nova. Na secura não há água, não há vida; por isso a Igreja coloca no tempo do Advento, sobretudo nas Missas Rorate cæli, esta esplêndida ação do sacerdote pelos fiéis, na qual roga a Deus que rasgue as nuvens e faça chover sobre este deserto, sobre esta terra seca, a salvação. E este deserto, esta terra seca e estes ramos secos colocados nos altares nada mais são do que as nossas almas, e nosso coração que despreza as graças que Deus constantemente nos dá. E, como lembrávamos ontem na Missa Rorate cæli, as graças de Deus são como o orvalho que molha o deserto do nosso coração e que nos impulsiona para Deus.

É um grande momento de graça o tempo do Advento, onde a misericórdia de Deus se desfaz em névoa e orvalho. Entretanto, para muitos e muitos que não aproveitam estas graças – e, aqui, lembramos das pérolas lançadas aos porcos, da comida, dos pães jogados aos cães - aí nos veremos como porcos, aí nos veremos como cães, porque não são os demônios que rejeitam a graça de Deus, somos nós! Não são os demônios que desdenham da grandeza, da misericórdia divina, somos nós! A cada Advento, a cada ano, continuamos secos, com os corações endurecidos; e a Igreja clama que as nuvens orvalhem a justiça de Deus, e nós permanecemos sob estas nuvens desarmados; recebemos este orvalho e pensamos que sabemos cuidar muito bem dele para santificar em nós as flores da graça, mas só “fazemos de conta”, porque na verdade atravessamos o Advento impermeáveis até chegar o Natal. E, quando chega no Natal, ocorre uma catástrofe, porque, em vez de o Senhor nascer no solo fértil do nosso coração, irrigar nosso coração, nasce na podridão de uma vida velha, das graças desprezadas.

E esta grande misericórdia que foi para nós o tempo do Advento, no dia de nosso juízo se transformará no grande dia de ira e vingança. Por quê? Pelo mesmo motivo que Jerusalém foi destruída; quando nosso Senhor chora sobre Jerusalém, Ele fala: “Jerusalém, Jerusalém quantas vezes eu quis te reunir como a galinha reúne os seus pintinhos, e tu não quiseste! Pois tu ficarás deserta, e destruídas as tuas ruas, porque não soubeste o tempo em que foste visitada”.

Santo Agostinho nos traduz outra frase: “Tenho medo do Deus que passa”. E é verdade. Mais um Advento e continuamos secos. Por isso que, no Advento, as flores não são colocadas nos altares, a cor roxa mostra-nos o peso da nossa responsabilidade, de mudarmos de vida – primeiro, com uma boa e santa confissão, rompendo definitivamente com o pecado, fazendo nosso propósito de mudança de vida; praticando a esmola, a oração, o jejum; redobrando as vigílias, redobrando as penitências, sempre, claro, com a confirmação do confessor ou do diretor espiritual.

E chega, então, o Domingo da Alegria, em que a Igreja, em vez do roxo, se reveste da cor rósea, sendo um gozo antecipado da alegria do Natal. E, neste dia a Igreja pára a penitência, a Igreja coloca flores cor de rosa em seus altares para lembrar a nós: “Ele está próximo!” “Alegrai-vos, porque a vossa salvação se aproxima”.

A alegria é um dos frutos do Espírito Santo, e que não podemos confundir com a euforia, porque a euforia é avassaladora, vem e passa, e, muitas vezes ao vir, sempre deixa o rastro de destruição. O carnaval, como festa diabólica que é, não contém alegria, porque a alegria vem de Deus, o Espírito passa por nós, nos edifica e a Deus volta; a euforia, não, a do carnaval, das festas pagãs, etc. Esta vem de forma avassaladora, e deixa o quê? Destruição! Desnorteamento! E afastamento de Deus. Isso não é alegria. A alegria vem de Deus, e deve voltar a Deus. E edifica. E santifica. E renova. Isso é a ação de Deus.

A alegria não é a ausência da dor. A Santíssima Virgem, aos pés da cruz, tendo o seu coração rasgado pela dor, estava profundamente alegre, porque a sua alegria era in Domino, como cantam o Intróito e a Epístola: “Alegrai-vos no Senhor”. A nossa alegria só tem sentido no Senhor; se é uma alegria que não é no Senhor, então ela é infantil, ela é imatura; ela é sem sentido, irracional... E desta “alegria”, o mundo está cheio; desta aparente alegria, a sociedade está cheia, se enganando, se “alegrando” para cair na perdição.

A grande palavra de ordem para nós é “Alegrai-vos, o Senhor se aproxima”. João Batista já aparece no Evangelho para nos dizer: “Preparai os caminhos do Senhor!” “Eu não sou o Cristo, não sou o Messias; eu sou apenas a voz que clama no deserto: preparai os caminhos do Senhor, endireitai as suas veredas”. Que nós correspondamos urgentemente, porque já não há mais tempo. Já não há mais tempo para brincadeira, já não há mais tempo para adiarmos a nossa conversão, porque Aquele que hoje age para nós com estrondosa misericórdia, amanhã será nosso Juiz, e no Seu Tribunal, esta grande misericórdia, estas grandes graças enviadas para nossa salvação serão revertidas no rigor de um julgamento, do qual ninguém escapará. Lembremos de outra parte do Evangelho que nos diz: “Servo mal e preguiçoso! Não sabias que eu colho até onde eu não semeei?” Ora, se há um patrão severo, que irá pedir contas até daquilo que não deu, quanto mais daquilo que ele deu, que ele dá a cada instante...

Neste Domingo da Alegria, alegremo-nos. São Domingos Sávio dizia a Dom Bosco: “Ensina-me a ser santo depressa, eu quero ser santo depressa”, e Dom Bosco deu a São Domingos Sávio três conselhos para se chegar à santidade; e, entre eles, um grande conselho ele deu e que serve para nós: “Seja sempre alegre”. E esta alegria é no Senhor, porque a alegria que não é no Senhor é bobeira, é típica de alguém que ficou na eterna infantilidade, no esquecimento espiritual, é romantismo barato. A alegria verdadeira é aquela em que o fiel, mesmo na dor, mesmo com o coração despedaçado, mantém-se livremente alegre no Senhor.

Ouçamos São Paulo, ouçamos a Igreja que nos exorta a estarmos sempre alegres, nesta alegria que jamais passará, nesta alegria que vem de Deus, que penetra o nosso ser e nossa alma, e, penetrando o nosso ser e a nossa alma, eleva-nos para o Céu, eleva-nos para Deus. Quando na Missa o sacerdote diz: “Sursum corda” – corações ao alto – estes corações ao alto são os corações na alegria do Espírito, na alegria de Deus. Que só esta alegria, que, para nós, é o antegozo do Céu – porque no Céu gozaremos de uma eterna e profunda alegria – possa permanecer, mesmo no tempo do Advento – e ela deve permanecer mesmo no tempo do Advento em nossos corações.

Gaudete in Domino semper, como diz São Paulo e repete com muita firmeza: “Gaudete in Domino semper: iterum dico, gaudete” – “Alegrai-vos, alegrai-vos, alegrai-vos, eu vos digo, eu vos repito, alegrai-vos”.

Homilia proferida em 11 de Dezembro de 2011.

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3ª Missa Rorate: Convertamo-nos, pois está próxima a Justiça de Deus!



Homilia da terceira e última Missa Rorate de 2011, em honra à Santíssima Virgem no Advento


Pe. Marcelo Tenório

. Ave Maria, gratia plena, Dominus tecum, benedicta tu in muliribus, et benedictus fructus ventris tui Jesus.
. Sancta Maria, Mater Dei, ora pro nobis peccatoribus, nunc ET in hora mortis nostrae. Amen.
. Ora pro nobis, Sancta Dei Genitrix.
. Ut digni efficiamur promissionibus Christi.

Estamos, nesta noite, em nossa última Missa Rorate, em preparação à vinda de Nosso Senhor.

Na vigília noturna, sempre são poucas as pessoas que ali ficam para vigiar. Foi assim também na época de Nosso Senhor. Em sua suprema angústia no Getsêmani, poucos estavam ali com Ele. Onde estavam as multidões? Onde estavam aquelas pessoas que queriam curas e milagres? Onde estavam aquelas pessoas que queriam favores de Nosso Senhor? Pior ainda: onde estavam os seus? Dormindo! Enquanto os seus estavam dormindo, Judas estavam bem desperto. No Ofício das Trevas [n.d.r.: é o Ofício de Matinas do Breviário Romano, rezado nas madrugadas da Quinta-Feira e da Sexta-Feira Santas] um dos cânticos fala para nós que, enquanto todos dormiam, Judas não; Judas permanecia desperto.

Assim são as trevas. Enquanto os fiéis dormem, as trevas estão despertas. Judas não dormia. Seus seguidores também não. E nós dormimos. Era para este ambiente estar cheio de fiéis diante do altar de Deus, em vigília, com Nossa Senhora, em contemplação a esse mistério tão grande que se aproxima e que não levamos a sério.

A sagrada Liturgia nos dá a graça de estarmos juntos com o Senhor nos seus mistérios. Não se trata de uma recordação, mas de “presença”, de uma memória que significa “tornar de novo presente”. Por isso que, nas Santas Missas, sejam quais forem os mistérios [n.d.r.: festas, comemorações] que se celebram, a Igreja os celebra recordando verdadeiramente, de fato, aquele acontecimento no tempo. A 15 de agosto, na Festa da Assunção de Maria, a Igreja canta: “Hoje, a Virgem Maria subiu aos céus de corpo e alma”, e nós estamos ali, não fazendo uma retrospectiva histórica, mas com Nossa Senhora, verdadeiramente no momento de sua Assunção aos céus.

E aqui estamos nessa Missa Rorate, com Nossa Senhora, em suas noites silenciosas que antecederam o Natal do Senhor. Neste sentido, poderíamos, usando o método de moção de afetos de Santo Inácio, contemplar todos os sentimentos da alma e do coração de Nossa Senhora: todas as suas expectativas, todas as suas alegrias e exultações, todos os seus medos, inquietações diante daquilo que Ela mesma sabia que iria acontecer.

Então, estamos findando a sequência das três Santas Missas Rorate, implorando a Deus que as nuvens chovam a Sua justiça sobre nós.

A verdade é que somos muito ingratos com o Senhor, porque em cada sacramento, em cada mistério, em cada Santa Missa, as nuvens se rasgam, e caem sobre nós as graças de Deus, das mais abundantes graças. E aí está a misericórdia de Deus, mas também está a violência do Seu julgamento. Como disse Santo Agostinho: “Tenho medo do Deus que passa”. Quanto mais recebemos graças necessárias, eficazes, para que, ao chegar o Natal, sejamos homens novos, estejamos com o nosso coração pronto para que o Menino nasça, maior será a nossa responsabilidade e a exigência de Deus para que, ao chegar o Natal de Seu Filho, estejamos prontos.

Num outro Evangelho, Nosso Senhor, numa de suas parábolas, cita o patrão que repreende o servo inútil: “Servo mau e preguiçoso, tu não sabias que eu colho aonde nem sequer semeei?” Olhem: Nosso Senhor está dizendo que exigirá de nós até aquilo que não nos deu. Até aquilo que não nos deu, Ele vai exigir de nós... Ora, se há um Senhor das nossas vidas que nos exigirá tudo e até aquilo que não deu, significa que temos que cuidar para que frutifiquemos aquilo que Ele nos deu. Porque se não entregarmos a Ele aquilo que nos deu, que era nossa obrigação entregarmos frutificado, sua misericórdia se transformará em violência de justiça.

Porque Ele é misericordioso que Ele é justo. E, por que Ele é justo? Porque Ele é misericordioso.

Nosso Senhor irá cobrar de nós severamente pelo tempo desperdiçado. Como somos tíbios! Como somos preguiçosos! Como fazemos pouco caso da Palavra de Deus! Como não nos damos conta de que, através do rito sacramental, o mistério se coloca à nossa frente, para que dele bebamos e, para que através dele, recebamos as graças necessárias para nossa salvação! Por isso somos merecedores do inferno: porque os desperdiçamos, ou pisamos nele; somos piores que cães, ou que os porcos! Nosso Senhor já havia dito: “Não entregueis as coisas santas aos cães, e não jogueis pérolas aos porcos”. Muitas vezes os porcos somos nós; quantas pérolas, quantas graças recebemos, e continuamos na mesma, somos incapazes de nos levantar, de melhorar um pouco!

Chega mais um final do Advento e, nas próximas semanas, começarão as Antífonas Maiores, já nos dizendo que o Emanuel está próximo, que o Senhor está chegando e a Igreja está avisando... Aqueles empregados não sabiam quando o senhor iria chegar; mas, a nós servos inúteis, o Senhor está nos avisando: “Falta pouco tempo!” No dia 17, começam as Antífonas Maiores, e, depois, vem o dia 24, do Nascimento de Jesus na nossa alma. E o que espera Nosso Senhor? A podridão de nosso pecado, da nossa incontinência, da nossa insensatez? O que é que, na verdade, queremos, e para onde estamos indo? Para o Céu ou para o inferno?

Mais do inferno somos dignos à medida que mais temos consciência disso tudo, se continuamos na mesmice de uma vida velha, de uma alma apodrecida pelo pecado, de um eterno retorno ao pecado, se até hoje não conseguimos caminhar linearmente, se até hoje não conseguimos crescer nas mínimas virtudes para, a partir daí, começarmos a caminhar verdadeiramente os passos de uma vida espiritual reta e santa que nos conduzirá aos mistérios insondáveis de Deus, que nos aguarda já nesta vida, para que dEle desfrutemos...

Assim é a vontade de Deus. Assim é a ação de Deus na alma. Assim é a ação do Espírito Santo na alma. Não nos iludamos! Não nos iludamos de que poderemos chegar a um estágio na vida espiritual sem passarmos pelo necessário, que é a purificação, o processo de eliminar o pecado, de violência contra a nossa carne, de violência contra nós mesmos – e aí, entra a penitência, a mortificação, a oração, a vigília para que esta pedra bruta, que somos nós, seja lapidada e, então, assim comecemos a adentrar neste mistério da vida espiritual.

Só os tolos acreditam que qualquer pessoa, de qualquer jeito, mergulhada no seu pecado, recebe favores místicos de Deus. Só os tolos! Só os tolos... Só os carismáticos desavisados que podem acreditar que alguém que há anos não se confessa, que nunca se confessou, pode entrar em êxtase, ou ter outros merecimentos carismáticos (no bom sentido da palavra, por ação de Deus na alma) como os Santos tiveram. Só os tolos acreditam nisso! Então, antes de buscarmos favores de Deus, dos quais não somos merecedores – e dEle não devemos pura e simplesmente “buscar favores”, não estamos aqui para isso – devemos buscar a santificação da nossa alma, coisa que não estamos fazendo.

E, nesta Missa Rorate, vamos pedir a Nossa Senhora – Aquela que conseguiu tanta graça diante de Deus – que consiga para nós esta imensa graça de podermos, a partir de hoje, colocar um ponto final na nossa vida velha, e fazer com que, nesta data de hoje, nesta noite, esta última Missa Rorate seja o início de nosso caminhar espiritual, sempre crescente, para o alto, para o Céu e para Deus. Há de chegar um dia em que teremos de romper com o pecado – ou nos condenaremos, ou o fogo do inferno será a nossa agonia para sempre – há de chegar... O que não se pode é um eterno retorno – “não vai para cá, não volta para lá” –, abandonar a Jesus e não perceber que as Suas graças estão caindo sobre nós. E, se essas graças são para nós ação visível da sua misericórdia, elas mesmas se tornarão mais tarde violência no julgamento.

Às freiras tíbias de seu convento que já não rezavam e já se preocupavam com sua vocação, Santa Teresa de Ávila disse: “Sejam ‘homens’!” Nós precisaríamos muito que uma Teresa de Ávila viesse a nós, a nos dizer: “Seja viril! Avance! Rompa! Cresça! Almeje coisas maiores, as coisas do alto!”. Que Nossa Senhora nos ajude, a partir de hoje, a partir desta noite, a ficarmos livres do diabo. Que as coisas velhas fiquem para trás e possamos começar agora a nossa vida nova em Deus, com determinação, com firmeza, nas vigílias, nas penitências, na oração profunda, na meditação – claro que, tudo isso, com o beneplácito do diretor espiritual ou do confessor, mas determinadamente rumando para Deus, para o Céu, para a eternidade.

Que Nossa Senhora, no silêncio desta noite, nos dê a graça de uma conversão profunda, determinada e determinante.


Homilia proferida na 3ª Missa Rorate, em 10 de Dezembro de 2011.


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03/01/2012

2º Domingo do Advento: "Preparai os caminhos do Senhor!"

Homilia da Missa do 2º Domingo do Advento


Pe. Marcelo Tenório

. Ave Maria, gratia plena, Dominus tecum, benedicta tu in muliribus, et benedictus fructus ventris tui Jesus.
. Sancta Maria, Mater Dei, ora pro nobis peccatoribus, nunc ET in hora mortis nostrae. Amen.
. Ora pro nobis, Sancta Dei Genitrix.
. Ut digni efficiamur promissionibus Christi.

Segundo Domingo do Advento. Aproximamo-nos do Natal do Senhor.

No Santo Evangelho de hoje, os discípulos de João vão até Jesus, e lhe perguntam: “Tu és Aquele que esperamos?” João mandou perguntar. Claro que São João Batista sabia que Jesus era o Cristo, que Ele era o Messias. Mas João não responde de forma direta aos seus discípulos; São João Batista deseja que eles mesmos possam ver e ouvir. E eles se dirigem até Jesus: “Tu és o Messias, Aquele que esperamos?” “Ou devemos esperar, aguardar outro?”. Nosso Senhor também não responde “Eu sou o Messias esperado”, mas faz como João Batista, respondendo: “Dizei a João que os cegos veem, os coxos andam, os surdos escutam e a boa nova é anunciada aos povos.”

Quando eles saem, Nosso Senhor já sabe que João está no cárcere e que vai morrer. E Nosso Senhor, dirigindo-se àquela multidão que estava ali – todos, na sua maioria, discípulos de São João Batista, ou, de uma forma ou de outra, já tinham essas pessoas acorrido a João – pergunta a eles: “O que fostes ver no deserto? O que vocês foram ver por lá? Um caniço?” O que é um caniço? O caniço é uma planta que não se quebra facilmente; ele se dobra, é leve, vai para onde o vento sopra, para onde o vento está mais forte. “Então o que vocês foram ver no deserto? Um caniço?” Ora, João jamais fôra um caniço, muito pelo contrário: de palavras duras, determinadas, fortes, seguiu preparando o caminho do Senhor destemidamente; quer agradasse, quer desagradasse, anunciava aquilo que, da parte do Senhor, lhe tinha sido ordenado, sem respeitos humanos, sem amores, sem paixões, buscando unicamente a Deus.

Logo, São João Batista não era um “caniço”! “Caniços” são como essas pessoas que não querem desagradar a ninguém, que não querem descontentar ninguém. “Caniços” são como essas pessoas que são amigas de todo mundo, até dos inimigos de Deus, porque não sabem constranger, não sabem dizer não, não sabem perder! Ora, os inimigos de Deus são nossos inimigos! Os inimigos da Igreja são nossos inimigos! Quem ama a verdade odeia a mentira! Quem ama a Deus odeia aquilo que não leva a Deus! Quem ama a virtude odeia o pecado! De forma que, quanto mais crescemos em Deus, vamos ganhando amigos e inimigos. Era Aristóteles que nos dizia: “Aquele que é amigo de todos não é amigo de ninguém.” É uma grande verdade. São João não é um “caniço”, por isso Nosso Senhor pergunta: “O que vocês foram ver no deserto? Um caniço? O que vocês foram ver no deserto?...”

E o Evangelho fala: “João vivia no deserto, fazendo penitências, vestido de lã, sem nenhum conforto, comendo qualquer coisa.” “Vocês foram ver o que no deserto? Um homem vestindo roupas finas? Com gestos refinados? Não! Os homens que vivem assim, vivem nos palácios.” E é próprio do homem a virilidade, o trabalho duro, pesado; não é próprio do homem muito conforto, muita fineza... “Vocês não foram ver um homem ‘delicado’ no deserto”, muito pelo contrário! A virilidade de João, sua determinação, um homem dado à penitência e às vicissitudes do deserto, sem nenhum conforto. E isso nos lembra que não cresceremos na virtude enquanto buscarmos trajes refinados, luxo, comodismos, chegando-se ao absurdo – e, às vezes, isso acontece – de se procurar igrejas que tenham uma climatização muito boa, para que eu e o outro não passemos por apuros de calor. Que absurdo! Como se no Calvário tivesse ar condicionado! E, assim, ainda queremos entrar no Céu, sem nenhuma penitência, sem nenhuma mortificação! Somos incapazes de fazer um jejum, somos incapazes de renunciar, no dia a dia, às coisas que nos regalam, por penitência, por amor a Deus! E, apesar disso, achamos que entraremos no Reino dos Céus!

Santa Teresa de Ávila – a “grande Teresa” – diante de sua comunidade composta de um determinado número de irmãs Carmelitas – a maioria tíbia, pois não rezavam mais, tudo lhes custava, tudo lhes era peso – energicamente lhes falou: “Sejam ‘homens’! Sejam viris!” Ah, se Santa Teresa nos dirigisse a palavra hoje, ela nos diria a mesma coisa: “Sejam ‘homens’! Sejam determinados, firmes espiritualmente”. Quem muito quer o cômodo, quem muito quer sombra, quem muito quer conforto, jamais galgará a santidade.

Então o que fomos ver no deserto? Não fomos ver um caniço, porque ele [n.d.r.: São João Batista] não é um caniço. Não fomos ver uma pessoa delicada, porque ele não é um delicado. “Então, o que vocês foram ver no deserto?” E Nosso Senhor faz aquele belíssimo louvor a João Batista, que ninguém outrora tinha feito: “Eu vos digo, ele é mais que um profeta: João é o mensageiro do Senhor que veio anunciar: ‘Preparai os seus caminhos’ ”. João Batista, com sua simplicidade, com sua rudeza, virilidade, determinação e violência, é comparado por Nosso Senhor a um profeta: “Ele é mais que um profeta, é o mensageiro do Senhor”.

Que neste segundo Domingo do Advento, São João Batista interceda por nós, para que possamos, como já dizia um amigo, “fazer das nossas almas, espadas”. E que esta espada possa cortar aquilo que, na nossa vida, está nos levando para o inferno. Que tenhamos coragem de eliminar o que é inútil, de tirar o mal pela raiz; com violência, se preciso for, pois é melhor extrairmos o câncer com violência para dele ficarmos livres do que ficarmos na tranqüilidade, até que o câncer invada toda a nossa alma, até perdermos tudo, até perdermos Deus.

Que São João Batista nos dê esta graça de, continuando o Advento, chegar à noite de Natal determinados; não caniços, mas rochas firmes; não pessoas dadas ao luxo ou ao comodismo, mas homens determinados por Deus, homens que sabem aonde querem chegar, homens que sabem o que querem, tal como dizia Santa Teresinha – que de meiga não tinha nada: “Quero o amor e nada menos; esse amor é Deus, que é violento, que é terrível em excesso de suavidade.”

Homilia proferida em 04 de Dezembro de 2011.
 

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03/01/2012

2ª Missa Rorate: “Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo!”

13:27 | Postado por Sacerdos




Homilia da segunda Missa Rorate em honra à Santíssima Virgem no Advento

Pe. Marcelo Tenório


. Ave Maria, gratia plena, Dominus tecum, benedicta tu in mulieribus, et benedictus fructus ventris tui Jesus.
. Sancta Maria, Mater Dei, ora pro nobis peccatoribus, nunc et in hora mortis nostrae. Amen.
. Ora pro nobis, Sancta Dei Genitrix.
. Ut digni efficiamur promissionibus Christi.

A Igreja celebra hoje a Missa Rorate, a Missa Angélica, em cujo Evangelho o Anjo se dirige a Maria nestes termos: “Ave, cheia de graça.” Nossa Senhora é cheia de graça. Se Ela é cheia de graça, então Ela não é carente da graça, e, sim, toda envolvida na graça, e nós sabemos que a Graça é Deus. Neste Evangelho vemos a grandeza da alma de Nossa Senhora, por mérito de Nosso Senhor, pela Sua encarnação que aconteceria logo depois. E Deus, onisciente, sabendo que a Virgem daria o “sim”, na sua concepção a fez pura, santa, imaculada. Por isso, o Anjo pôde dizer: “Ave, cheia de graça, o Senhor está contigo.” A Virgem se perturba, não entende o sentido daquela saudação. E o Anjo ajunta: “Eis que conceberás e darás à luz um filho, e por-lhe-ás o nome de Jesus” (o Emanuel – Deus conosco).

“Eis que conceberás.” “Como acontecerá isso se não conheço homem?” Ora, Nossa Senhora estava neste momento noiva de José. Desposados, naturalmente teriam filhos logo após o casamento. Como Ela responde ao Anjo com esta interrogação, embora estivesse noiva de José? É porque havia em José e Maria o desejo de serem totalmente de Deus. Nossa Senhora se entrega, assim, ao nosso Deus, assim também como São José.

E o Anjo a tranquiliza: “O Espírito Santo descerá sobre ti, a força do Altíssimo te envolverá com a sua sombra.” Como vemos no Antigo Testamento, o Espírito Santo muitas vezes é relacionado à figura de uma sombra, uma nuvem. Claro, o Espírito Santo não é substancialmente uma nuvem, é a Terceira Pessoa da Santíssima Trindade, mas é figurado sob a aparência de uma nuvem; e esta nuvem envolve a Santíssima Virgem.

“O Espírito Santo descerá sobre ti, a força do Altíssimo te envolverá com a sua sombra.” No entanto, esta sombra não significa escuridão. Muito pelo contrário, significa a força de Deus sobre Maria, que se rasgará como uma “nuvem” de água e, ao rasgar-se, a “nuvem” faz descer toda água nela contida – ou seja, neste momento o Espírito Santo desce sobre Nossa Senhora.

São Luís Grignon de Montfort nos ensina que o Espírito Santo, que era “estéril” em Deus, desde todos os séculos, tornou-se fecundo no seio de Nossa Senhora, e, ali, naquele instante,  ocorre a Anunciação e Ela se torna cheia da graça, “grávida”, de Deus. Aquele Deus do Céu e da terra, o El Shaddai [n.d.r.: expressão hebraica que quer dizer “Senhor dos Exércitos] agora está sendo formado no seio da Virgem Santíssima, sendo gerado, assumindo a nossa humanidade, tal como naquele belíssimo Ofício de Nossa Senhora, tão cantado pelo povo simples: “Para que o homem suba às sumas alturas, desce Deus do Céu para as criaturas.”


A Missa Rorate é também conhecida como a Missa Dourada, porque é rezada entre o crepitar das velas (com suas chamas de cor dourada) e a escuridão da noite. A noite é o espaço do demônio, mas também é o espaço da manifestação de Deus. Lembremo-nos que, de noite, Jacó dormia quando teve a visão da escada, daqueles anjos que subiam e desciam. Lembremo-nos, também, que, no silêncio da noite, só a noite viu Cristo no sepulcro; só a noite presenciou a sua Ressurreição. A noite, para nós, cristãos católicos, é tempo de salvação. É a seara do demônio – o demônio age na escuridão da noite – mas para nós, filhos de Deus, a noite significa “a grande esperança”, porque, é na noite, envolta em trevas, que surgem os candeeiros (as graças de Deus, os santos, os mártires) que iluminam a escuridão e incendeiam o mundo inteiro.

A Missa Rorate nos lembra que o Advento é como o deserto, como esta noite com poucas luzes. Por isso, não é tempo de festa, mas é um tempo em que a Igreja promove a oração, a penitência. Sobretudo as velas e o roxo do Advento querem nos lembrar isso: a penitência, a oração redobrada, a vigilância. No Evangelho, sobretudo segundo São Mateus, Nosso Senhor vai insistir muito na vigilância: “Vigiai e orai.” Mostra-se esta vigilância no exemplo da parábola das virgens loucas e das virgens prudentes; o patrão que viaja para o estrangeiro, mas que volta inesperadamente para acertar as contas com seus empregados; e em tantas outras parábolas que Nosso Senhor nos fala para que nós possamos apressar a nossa conversão.

A noite esconde aquilo que, diante do sol, ficaria bem claro para nós. Nossa Senhora é considerada a “Aurora da Redenção”: antes de nascer o Sol da Justiça, que é Nosso Senhor, vem a Virgem Maria, toda resplandecente, quase mais do que o sol, como nos ensina São Luiz de Montfort, “brilhante como o sol, formosa como a lua”. Esta é a nossa Mãe, Maria Santíssima: embora na escuridão, na noite que envolvia a terra após o pecado original, Deus, quando disse à serpente: “Porei inimizade entre ti e a mulher”, naquele instante olhava milênios à frente, e vislumbrava a figura santíssima, resplandecente de beleza que é a Virgem Maria.

Por isso, nestas santas Missas que são celebradas antes da chegada do Emanuel, estamos com Nossa Senhora. O Natal não está distante. Após a Anunciação, Ela fica como que espantada diante de tanta grandeza. Quantas noites, silêncio, expectativas, interrogações, orações, e vigílias Nossa Senhora não teria feito antes de chegar o dia do Natal! Se nós, quando estamos e quando vivemos na graça de Deus, buscamos cada vez mais este Deus com orações redobradas e vigílias noturnas como os Santos fizeram e nos dão exemplo, quanto mais Nossa Senhora!

Esta Missa Dourada, a Missa dos Anjos, nos coloca ao lado de Nossa Senhora, no silêncio, na expectativa misteriosa, no mistério sagrado da noite em que Deus se encarnou como homem no Seio Virginal de Maria Santíssima, Virgem e Mãe, para que, chegando a noite santa de Natal, possamos, com Ela e com os Anjos, cantar o Glória – o Glória de exultação, o Glória de alegria – não porque estamos cumprindo apenas rituais, mas porque – e acima disso – ao chegarmos ao dia santo de Natal, já estejamos, então, preparados: o que era treva em nossa alma tenha sido varrido, de nós as trevas tenham sido jogadas fora e, pela graça, por uma conversão constante e por uma decisão de vida nova, assim nos assemelhemos àqueles pastores e até aos anjos que, na noite, cantavam os mais dignos e altíssimos louvores a Deus.

Continuando este Sacrifício da Santa Missa, unamo-nos a Nossa Senhora da Anunciação, que está conosco, e, diante de todos os anjos que estão aqui, sobretudo o Anjo Gabriel, o anjo da Virgem Maria, todos os Santos – sobretudo o Padre Pio, em cujo altar é celebrada esta Missa – nos ajudem, rezem, intercedam por nós, para que, atravessando a noite da escuridão, possamos rapidamente, sem demora, contemplar o Sol da Justiça, que, a cada dia, a cada instante, está mais próximo – cada vez mais próximo! – de nós, da nossa alma e da nossa vida.

Homilia proferida em 03 de Dezembro de 2011.
 

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28/12/2011

1º Domingo do Advento: "A necessidade da vigilância"



Homilia da Missa do 1º Domingo do Advento

Pe. Marcelo Tenório 



. Ave Maria, gratia plena, Dominus tecum, benedicta tu in muliribus, et benedictus fructus ventris tui Jesus.
. Sancta Maria, Mater Dei, ora pro nobis peccatoribus, nunc et in hora mortis nostrae. Amen.
. Ora pro nobis, Sancta Dei Genitrix.
. Ut digni efficiamur promissionibus Christi.

A santa Igreja, desde ontem nas primeiras Vésperas, entrou no tempo do Advento e, assim, no ano novo eclesiástico. Ontem às 21 horas, celebrava-se a Missa Rorate. Nesta Missa, apenas com a luz das velas, contemplávamos a grandeza, a magnificência de Nossa Senhora, e contemplávamos os dois extremos desse mistério: o “Ó” da Virgem, de abnegação, de espanto, como canta a antífona mariana, “Tu, que geraste espantada Aquele que te gerou”, a exultação de Nossa Senhora diante desse grande mistério – Deus dentro dela, sendo gerado e formado, homem como nós; e, no outro extremo o “Ai” da Virgem, pois Ela sabia muito bem que aquele filho que estava se formando nEla seria mais tarde imolado como o cordeiro que tira o pecado do mundo. Nossa Senhora do “Ó” e Nossa Senhora do “Ai”.

E, hoje, neste Primeiro Domingo do Advento, nós contemplamos essa grande realidade: o Senhor está próximo. Desde os primeiros momentos da Igreja, quer seja por São Paulo, quer seja por São Pedro, ou por demais escritores sagrados, era dito: “O Senhor está próximo, convertei-vos.” Desde João Batista na preparação, dos caminhos do Senhor, que iremos ler durante o Advento: “(...) preparai os caminhos do Senhor”, até São Pedro, que vai nos dizer que Ele está tardando não porque se esqueceu de nós, mas porque é misericordioso e está aguardando a nossa adesão, a nossa conversão.

O Santo Evangelho de hoje fala justamente sobre isso. A necessidade da vigilância. “Passarão céu e terra, mas minha palavra não passará”; “Não passará esta geração até que se cumpra a vinda gloriosa do Filho de Deus.” Aqui, é importante entender: as gerações passaram, não era daquela geração - à época de Jesus - que Nosso Senhor estava falando, mas da geração da Mulher. “Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a descendência dela.” Quem é da geração da Mulher? Todos os batizados de Cristo.

Santo Agostinho vai nos lembrar que, se Cristo, a cabeça, nasce do seio santíssimo, imaculado, de Nossa Senhora, todos os membros desta Igreja têm que nascer obrigatoriamente de Maria. De forma que, aqueles que rejeitam Maria, aqueles que negam serem seus filhos, aqueles que se negam a ser desta geração, aqueles que não se entendem gestados no seio imaculado, são “monstros” na ordem da graça, porque a cabeça não pode nascer de um lado e os membros de outras partes, de outros lugares. Ou os membros nascem do mesmo local de onde surge a cabeça da Igreja, ou não pertencem à Igreja – não são seus membros, são qualquer coisa, qualquer deformação.

No Santo Evangelho de hoje, Nosso Senhor nos fala de Sua volta gloriosa. Quando menos esperarem, aparecerão os trovões e relâmpagos, os acontecimentos cósmicos, a terra será abalada, e o Filho do homem descerá. Para quê? Para o julgamento! É o Juízo Universal, a glorificação do Pai no Filho e do Filho no Pai. O Filho devolverá ao Pai o mundo, e a humanidade glorificá-lo-á, e dar-se-á a última palavra do Filho na história da humanidade. Veremos até onde o nosso pecado pessoal manchou a humanidade e levou outros a pecarem. Veremos, também, até onde as nossas virtudes, os nossos atos de bondade, fizeram crescer o reino de Deus, a nossa colaboração na história. Tudo veremos nesta vinda do Filho do Homem, de forma que a grande palavra no Tempo do Advento é vigilância, como se fala justamente na Epístola que acabamos de escutar.

Hoje estamos muito mais próximos da eternidade do que ontem. E não estamos nos reportando à vinda gloriosa do Senhor, que pode ser hoje, amanhã, não sabemos. Ninguém sabe quando será a consumação dos séculos e da história, mas de uma coisa sabemos: estamos nos aproximando dela. E a gravidade de nos aproximarmos da eternidade é muito grande. Porque, no momento da nossa morte, estaremos plenos naquilo que fomos durante a vida nesta terra; e partiremos para a eternidade da forma como vivemos e deixamos este mundo. Não haverá mais mudança, a eternidade não nos propicia mudar.

Ora, o homem deve obedecer à lei natural e divina, de forma que, na eternidade, já não há como mudar o seu ser e nem o seu agir. Estará “pleno” para sempre, ou seja: quem parte deste mundo cheio do seu orgulho, cheio de si, altivo, estará na eternidade orgulhoso, eternamente. Aqueles que buscam viver na simplicidade, crescendo no desejo ardente de Deus, partirão para a eternidade cheios do desejo de Deus. Por isso Nosso Senhor diz em muitas parábolas na Sagrada Escritura, no Novo Testamento: “Estai preparados.” E nos falou sobre as virgens prudentes e as virgens loucas: para estas a porta fechou, ninguém entrará mais. E nos falou do patrão que foi para o estrangeiro e deixou seus empregados, mas que vai voltar quando eles menos esperarem. E nos falou do ladrão: se soubéssemos quando este viria arrombar a nossa casa, estaríamos vigilantes. O Senhor nos falou de muitas formas e de muitas maneiras para que não brinquemos, mas que estejamos sempre preparados. “Morrerá bem aquele que viver bem”, incita a Imitação de Cristo [n.d.r.: importante obra de espiritualidade escrita pelo Pe. De Kempis]. E, também: “Aquele que deixa para se converter amanhã jamais se converterá.” Aquele que deixa para mudar de vida e buscar a Deus amanhã, jamais mudará, jamais buscará a Deus. Morrerá no seu pecado. No seu pecado encontrará o seu fim.

Tal qual aquela história, já conhecida nossa, de dois oficiais franceses recém egressos da Academia Militar de Saint-Cyr, e contaminados com a praga da Revolução Francesa. Entram numa igreja, encarando-a mais como uma obra de arte, e veem, próximo ao confessionário, um jovem sacerdote. Um oficial diz para o outro:

– Se você tiver a coragem de se confessar com aquele padre e debochar da fé, eu te presenteio com um jantar.

E o outro, que não tinha temor nenhum a Deus, quis entrar neste jogo, e foi até ao confessionário.

O jovem padre imediatamente entrou para atender àquela confissão; e o militar, como tinha prometido ao amigo, começou, ajoelhado no confessionário, a debochar da fé católica e dos Sacramentos. O sacerdote – que, embora jovem, era cheio de sabedoria – percebeu que se tratava de um oficial, e perguntou:

– Você é oficial?

– Sim, sou subtenente.

– Que bom que você é um subtenente e defende a Pátria. Mas, você não pretende subir na carreira militar?

– Sim. – E o jovem oficial vai dizer como gostaria de subir na carreira militar, desde tenente até coronel. Ao que o padre perguntou:

– E o que pretende depois?

– Ah, pretendo me casar e ter filhos.

– Mas que bom que você pretende se casar e ter filhos. – E o padre começou a insistir: – E depois que você conseguir tudo isso? Não pensa em algo maior? Ei-lo coronel, com quarenta e dois anos. E depois?

– Depois? Chegarei a general.

– Ótimo. E depois que você conseguir ser general, o que você pretende fazer da vida? E depois?...

O jovem oficial foi ficando intrigado, foi percebendo que não havia mais um depois:
– Depois? Depois? Não sei o que virá depois...

E o sacerdote disse:

– Você já não sabe me dizer mais do depois, mais eu sei. Eu sei te dizer o que acontecerá depois: você morrerá; e, se continuar fazendo o que fazeis, diante de um supremo Juiz será condenado ao inferno, e lá não haverá mais depois, haverá somente o eterno presente.

O jovem padre, por uma questão de honra, ainda exigiu do subtenente uma reparação por ter zombado daquele. No que este não conseguiu fazê-la integralmente, procurou depois o mesmo sacerdote para se confessar, e, em meio a lágrimas (mas também interiormente alegre), recebeu a absolvição. E aquele jovem oficial se converteu com as palavras desse padre.


Nós disputamos muita coisa. Padre Pio dizia: “Há três coisas inúteis nesta vida: dar banho em burro, acrescentar água ao mar, e pregar para padres.” Mas, para leigos e fiéis já acostumados na sua religiosidade, também se enquadra o terceiro item.

Escutamos muito, lemos coisas boas, mas, na maioria das vezes, andamos em círculos. Não mudamos, romantizamos, achamos o belo em tudo, até na Santa Missa. Mas não nos convertemos verdadeiramente, não mudamos de vida verdadeiramente e fazemos a nossa religião, e fazemos a fé católica, e fazemos a Sagrada Liturgia um sonho romântico da vida espiritual.

Cuidemo-nos! O Espírito sopra no deserto, escutemos o que Ele tem a nos dizer, porque o nosso depois pode não ser tão longo assim. E, terminando o depois, haverá apenas um eterno presente. Temos sempre a ideia de que não morreremos, de que depois de nós virá o julgamento e seremos como que arrebatados. “Todos morrem – o da esquerda e o da direita – mas “eu”, que estou no centro, não morrerei jamais.” Muitos pensaram assim e encontraram de forma inesperada o Filho do Homem, não mais como um pastor misericordioso quando agia no tempo, mas como supremo Juiz, aquele que tem o nosso livro em Sua mão, e de nós nada Lhe é desconhecido. Temos planos de vida? Queremos fazer isso ou aquilo? Queremos viajar para aqui ou para acolá? Sonhamos com um emprego melhor? Queremos tal ou tal situação? “E depois?” E depois? E depois?...

Homilia proferida em 27 de Novembro de 2011.

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14/12/2011

1ª Missa Rorate: "Tu que geraste admirada Aquele que te gerou."



Homilia da Missa Rorate em honra à Nossa Senhora no Advento

Padre Marcelo Tenório

℣. Ave Maria, gratia plena, Dominus tecum, benedicta tu in muliribus, et benedictus fructus ventris tui Jesus.
. Sancta Maria, Mater Dei, ora pro nobis peccatoribus, nunc ET in hora mortis nostrae. Amen.
℣. Ora pro nobis, Sancta Dei Genitrix.
. Ut digni efficiamur promissionibus Christi.


Esta Santa Missa, tão particular para nós – a Missa Rorate cæli  surgiu no século XV com o intuito de incentivar os fiéis a uma contemplação mais profunda do mistério da encarnação do Verbo; e, neste mistério da encarnação do Verbo, está a Santíssima Virgem Maria.

É comum que, quando olhamos para o céu depois de um grande tempo de calor e seca, nos alegremos ao vislumbrarmos as nuvens pesadas, como que se elas estivessem “grávidas”. A terra, a vegetação, os rios, enfim, tudo o que possui vida, deseja as águas, sobretudo nos lugares desérticos. E é comum que pessoas de fé peçam a Deus a graça de que estas nuvens “sejam rasgadas” e delas desça a chuva, a água que gerará a bonança.

Assim, podemos dizer que sobre Nossa Senhora pairou uma “nuvem” vinda dos Céus, isto é, o próprio Espírito Santo. O Espírito Santo, no dizer dos místicos, que era “mistério da Igreja” – não gerava, embora fosse a própria vida – quis ser fecundo no seio puríssimo da Imaculada. E, assim, no dia 25 de março [n.d.r.: nesta data, comemora-se a Anunciação do Anjo a Nossa Senhora], o Espírito Santo, como nuvem que se rasga durante a chuva, desce sobre a Virgem; e, sobre Ela, desce a “chuva” abundante da grande graça, entre tantas graças já infundidas nEla, e que, diante do Anjo Gabriel resplandeciam, nenhuma delas era, de longe, a “Graça das graças”, ou seja, o próprio Senhor. E esta “Graça das graças”, que é o próprio Senhor, desce a 25 de março no seio puríssimo de Nossa Senhora. Então, deste dia até às vésperas do nascimento de Jesus, Nossa Senhora fica como que espantada, admirada: Ela, que contempla o céu e a terra e, por esta contemplação da natureza, percebe a grandeza do Criador, a grandeza de Deus, ao mesmo tempo tem a certeza do que este Deus grande, tão excelso, tão imensurável, se torna pequeno – pequeno entre os pequenos no seio puríssimo desta Virgem. Por este motivo a Antífona Angélica do Advento vai nos dizer:

“Tu que geraste espantada, admirada, Aquele que te gerou.”

É com este espanto, com esta admiração, com este silêncio de “Nossa Senhora do Ó”, que nós, nesta noite na Missa Rorate, também nos deparamos. O silêncio, as luzes parcas querem simbolizar que, mesmo nas trevas, a humanidade não estava perdida, porque Deus preparava o momento no qual viria, resplandeceria, o Sol da Justiça, Cristo Senhor Nosso.

Por isso a Virgem Maria é, com toda certeza Aurora da Redenção, como assim é reconhecida pelos Papas: antes de nascer o Sol da justiça, veio a nós, do meio de nós, do gênero humano, a Virgem Santíssima, glorificada já na terra tendo em vista a Graça das graças, Cristo Deus, que se faria criança em seu seio.

Por isso, hoje a Igreja celebra a Missa Rorate cæli, também chamada de “Missa Angélica” porque nesta Missa é proclamado o Evangelho da Anunciação: o enviado de Deus, o Arcanjo Gabriel, diante da Virgem, saúda: “Ave, cheia de graça!”, pois Ela é uma Virgem diferente, Ela não está carente de graça, Ela não tem um pouco de graça, Ela é cheia de graça, e a graça é Deus. “O Senhor está contigo.” “Eis que conceberás.”

A nuvem do Espírito Santo que pairava sobre a Virgem, a faz “grávida de Deus”. O mistério profundo do amor de Deus pela humanidade a elege Mãe não só de Cristo Deus, mas Mãe da Cabeça deste Corpo Místico de Cristo que é, como dizia Pio XII, a Igreja. E, se a Cabeça da Igreja é gerada do ventre santíssimo de Maria, os demais membros têm por obrigação divina (e de graça) também nascer deste ventre santíssimo. Dizia Santo Agostinho contra os hereges: “É inconcebível que a cabeça nasça da Virgem e os membros apareçam de outros. Isso seria uma monstruosidade – afirma ele – na linha da Graça. Se a cabeça da Igreja nasce da Virgem, os membros têm a obrigação de também nascerem de Maria, de seu ventre santo, nesta gestação maternal, mística, e renderem este amor filial por Nossa Senhora.

A Missa Angélica, a Missa dos Anjos, é também a “Missa Dourada”, a Missa das luzes. Parcas luzes... Parcas luzes, porque essas pequenas luzes desaparecerão diante dAquele que é o próprio Sol da Justiça. No silêncio e na escuridão desta noite, as poucas luzes das velas acesas também nos mostram Maria no silêncio de tantas noites em sua vida que antecederam o nascimento de Jesus, em que na contemplação do mistério, Maria, sem tudo entender, guardava tudo no coração. Quantas noites! Talvez muitas delas naquela graciosa e dolorosa expectativa da chegada do Salvador. Ela conhecia bem o que esperava esta criança, e, ao mesmo tempo que havia em seu coração de mãe o desejo de protegê-lo e o desejo dos cuidados maternos, havia a presteza maternal que, de certa forma, pela Anunciação e pelo “sim” contemplava (e já estava) em suas entranhas o Amor para com todos [n.d.r.: ou seja, o próprio Jesus no ventre de Nossa Senhora]. Maria é a primeira a contemplar não só o presépio, a criança que nasce, mas também a cruz escondida, o dardo envenenado (como que por trás das palhas) do dia do triunfo do Domingo de Ramos, prefigurados naquelas palhas verdes da estrebaria na qual estava acomodado o Menino Deus.

Que esta festa de Nossa Senhora, nesta Missa Rorate possa nos impulsionar para três coisas: primeiro, para a contemplação desse grande mistério da Encarnação, no qual está inserida Nossa Senhora; segundo, para a contemplação do amor de Deus que, imensamente misericordioso para conosco, fez o Seu Filho descer para que nós pudéssemos chegar até Ele, para que nós pudéssemos subir até Ele; e, terceiro, para a conversão imediata do nosso coração.

Diante de um amor tão grande temos apenas duas ações, duas respostas: a conversão imediata e o silêncio profundo diante deste grande mistério.

Que Nossa Senhora do Ó possa, intercedendo por nós, alcançar a graça da nossa perseverança, da nossa mudança de vida, para fazermos deste Advento o nosso deserto, no qual estaremos com Deus contemplando este glorioso mistério que vai unir Nossa Senhora a dois extremos: o “ó” e o “ai”. O “ó” da contemplação festiva, acompanhado dos sinos da noite de Natal, e o “ai” da escuridão, do abandono naquela Sexta-Feira Santa. Os dois extremos, e entre os dois extremos está Deus, a cruz. Entre os dois extremos devemos também estar, cada um de nós, contemplando um lado e o outro, vivendo um lado e o outro, com Nossa Senhora do Ó olhando e adorando a criança que chega, e com Nossa Senhora do Ai contemplando a cruz, o sangue, o abandono, o sofrimento de Nosso Senhor em meio às trevas que ficaram por sobre toda a terra neste momento. 

Que Nossa Senhora esteja conosco e nos dê a “Graça das graças”, entre tantas graças que já recebemos, entre tantas graças atuais, extraordinárias, santificantes, possamos manter-nos na Graça das graças, que é o Menino Deus, que chegará no santo Natal, a cada dia mais perto, a cada dia se aproximando de nós, a cada dia querendo permanecer definitivamente na nossa vida, na nossa alma, no nosso coração.

Homilia proferida em 26 de Novembro de 2011.


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06/12/2011

"... haverá, então, uma grande tribulação, tal como não houve desde o princípio do mundo, nem voltará a haver!"




Homilia da Missa do Último Domingo Após Pentecostes

Pe. Marcelo Tenório


Ave Maria, gratia plena, Dominus tecum, benedicta tu in muliribus, et benedictus fructus ventris tui Jesus.
. Sancta Maria, Mater Dei, ora pro nobis peccatoribus, nunc ET in hora mortis nostrae. Amen.
Ora pro nobis, Sancta Dei Genitrix.
. Ut digni efficiamur promissionibus Christi.


No santo Evangelho de hoje, Nosso Senhor fala do fim último dos homens: a vinda gloriosa dEle mesmo sobre a terra, que é dogma de fé. Quando isto se dará, nós não sabemos. Sabemos que, como disse o anjo na Ascensão, da mesma forma que Cristo subiu aos Céus, dessa mesma maneira Ele voltará. Mas Ele nos previne: “Ficai atentos: falsos profetas aparecerão, falsos messias aparecerão e farão grandes milagres, grandes portentos; não acrediteis neles! Pois serão capazes de arrastar até mesmo os eleitos. Todo olho O verá, como um raio que sai do oriente e se lança no ocidente; assim será a vinda do Filho do Homem. Portanto, se vos disserem que o Senhor está aqui ou acolá, não acrediteis... Se vos dizem que o Senhor está no deserto, não saiais... Porque o Senhor virá como Ele subiu, e, do extremo ao outro, do oriente ao ocidente, todos O verão descer das nuvens com poder e glória. Mas, antes que isso aconteça, ocorrerá a grande desolação, e os sinais aparecerão.” Nosso Senhor nos lembra do profeta Daniel: “Quando virdes instalado no lugar santo aquela trágica abominação profetizada por Daniel, então quem se encontrar na Judéia, fuja para as montanhas; quem estiver no terraço, não desça para tomar parte em qualquer coisa. Esta abominação se sentará na casa de Deus”.

É evidente que essa sagrada leitura deveria ser mais meditada, refletida teologicamente... Mas, em suma, a abominação é sempre o inimigo de Deus; o demônio é o grande inimigo de Deus, já derrotado, já condenado; já foi anunciada a sua derrota pela Mulher, a Mulher que esmagará a cabeça da serpente. Quem é esta Mulher? A Virgem Santíssima. Então, há uma luta descrita desde o Gênesis, que se concluirá conforme escrito em Apocalipse 12, sobre o grande sinal no céu de que fala João: uma mulher revestida de sol, tendo a lua debaixo de seus pés e na cabeça doze estrelas. É o triunfo da Imaculada e, com Ela, o triunfo da Igreja.

Ora, que abominação é esta que entra na casa de Deus? É o modernismo! O modernismo nascido antes da Revolução Francesa, com os seus três pilares, com as suas três bandeiras: liberdade, igualdade e fraternidade.

Liberdade de Deus, liberdade de tudo que aprisiona o homem, sobretudo o Dogma, sobretudo a Fé. Essa falsa liberdade ensina que o homem não precisa estar preso ao Dogma, não precisa estar  preso à Fé: o homem deve acreditar que está livre para acreditar no que quiser. Se para ele Deus é uma ideia filosófica, ali está “Deus”, porque para ele essa é a verdade. É o relativismo, que mina a Fé e faz do homem deus. É o antropoteísmo, instituído pela liberdade de consciência, pela liberdade de pensamento, pela liberdade de ação, como se o homem fosse livre para se opor a Deus, para se opor à verdade objetiva. E nós sabemos que não: a verdadeira liberdade é orientar-se para o bem que, na sua última análise e na sua objetividade, é Deus. Então o homem não é livre para não querer Deus, porque ele foi criado por Deus e para Deus.

Igualdade: a ideia de que todos são iguais: de que o homem é igual à mulher; de que não há mais distinção de classes, quando na verdade Deus criou o mundo e toda a sua criação na desigualdade. Colocou o homem acima dos demais seres criados, com inteligência e vontade. Então, não há igualdade na criação, muito pelo contrário: é na desigualdade que se cria a harmonia, harmonia divina. O homem não é igual à mulher, jamais... E a grande catástrofe, a grande mentira do mundo de hoje, é fazer o  homem igual à mulher, e a mulher igual ao homem, em todos os aspectos, destruindo por dentro a família.

Fraternidade. Fraternidade que quer colocar todos os homens, todas as crenças, no mesmo patamar. De forma que aquele que acredita que uma lesma foi alguém no passado, essa lesma seria uma reencarnação de determinadas pessoas, então esta “verdade”, ou esta “inspiração religiosa”, é colocada em pé de igualdade com a fé católica, fundada, revelada e pregada por Nosso Senhor, por nosso Deus... De forma alguma!

Hoje, estas três bandeiras da Revolução Francesa – liberdade, igualdade e fraternidade – entram em cheio nas nossas mentes, muitas vezes das nossas igrejas, bem como o pensamento relativista que coloca a fé como “aspiração”, como “um sentimento que está no coração do homem” como se fosse algo extremamente subjetivo, de forma que não se faz necessário ser católico, não se faz necessário aderir aos sacramentos, de forma alguma; basta ter um sentimento harmonioso – “harmonizar-se com o cosmo, com a natureza, com os seres”... 

Esta abominação que se instala na casa de Deus é o Positivismo. O que é o Positivismo? É uma heresia – já condenada por papas anteriores – que quer nos ensinar que aquilo que era do passado já não deve ser mais repetido hoje, que a Igreja tem que se atualizar, a Igreja tem que acompanhar o tempo; a Igreja não pode mais pregar como anteriormente como anteriormente; a Igreja já não pode mais falar da condenação ao inferno; a Igreja já não pode falar de nada que venha a constranger as consciências, porque, afinal de contas, o “Senhor Homem” não pode ser constrangido. É o culto do homem, que se instalou, em várias situações atuais, dentro da nossa Igreja. O homem não pode ser constrangido, por isso tudo deve estar a favor do homem.

Muitas vezes até a sagrada Liturgia é colocada à mercê do homem; não é mais Deus que diz como quer ser cultuado, adorado, mas é o homem que dita as normas de como Deus deve ser adorado, louvado e reverenciado... Quantas vezes o Santo Padre [n.d.r.: o padre alude aqui ao papa Bento XVI] se pronunciou em relação às celebrações litúrgicas, sobretudo a celebração da santa Missa. João Paulo II também, com o documento “Igreja da Eucaristia” (a Encíclica Ecclesia de Eucharistia). Bento XVI tem insistido em documentos sobre o centro da sagrada Liturgia, que é Deus! O centro da sagrada liturgia não é o homem, a Missa não é para o homem! “Ah, mas eu não gosto da Missa por que a Missa é assim...” Mas você não tem que gostar ou não gostar! A Missa é o culto maior para Deus! A Missa não é para você se sentir bem: “Eu não vou à Missa porque não me sinto bem, não saio bem, não saio leve, não saio relaxado...” A Missa não é terapia de grupo, isso se dá noutro lugar! A Missa é o sacrifício de Cristo renovado em nossos altares, o mesmo sacrifício que Cristo, na pessoa do sacerdote, oferece a Deus Pai pelos pecados da humanidade inteira, pedindo as graças para a humanidade inteira, intercedendo pela humanidade inteira e por situações particulares da paróquia, da família...

Então, a grande abominação que entra pela porta  da frente da casa de Deus é esta: o relativismo, o positivismo, são todas essas ideias novas, uma teologia nova, estranha à teologia católica, condensada em São Tomás de Aquino, que é a teologia oficial da Igreja.

“Quando virdes a abominação...”. E isto nos leva de uma fé relativa para tudo o que daí advém, como a corrupção da família: querem nos colocar um modelo diabólico de família. Deus não pensou em uma família onde se “unam” homem com homem ou mulher com mulher. Isso não é família! Família é aquela querida e pensada por Deus: “Homem e mulher Deus criou”; “Deixará o homem sua casa, seu pai, sua mãe e se unirá a uma mulher, e ali será uma só carne com ela.” É a abominação dos grandes lugares sagrados: a casa de Deus e a família. A família que é o santuário da vida; é ali onde a catequese é ensinada, onde Nosso Senhor é conhecido, onde a vida brota... E essa vida, vida eterna, através do exemplo dos pais, da catequese paternal complementada na Paróquia, na Igreja.

Então, nós já não temos mais para onde ir; claro que estamos no fim. Quando será? Daqui a dois mil anos? Daqui a dez anos? Amanhã? Não sabemos. Uma coisa sabemos: vivemos em dias piores do que o dilúvio! E, se esse mundo já não foi invadido pelas águas, é por causa da misericórdia de Deus. Como diz São Pedro: “Se Ele não voltou ainda, não é porque se esqueceu de nós”, é porque Ele está nos dando uma chance de mudarmos de vida, “porque está pacientemente à nossa porta”, esperando de nós uma tomada de consciência, e uma adesão de  verdade, sem mentiras, sem fingimentos, à Sua verdade única, católica, de conversão.

Que o santo Evangelho deste Último Domingo Após Pentecostes, portanto, nos abençoe e, tocando a nossa consciência, possa fortificar o nosso conhecimento da verdade, e abrir os nossos olhos contra a grande praga, contra a grande abominação que assola a nossa família, que assola a casa de Deus: o liberalismo, e do liberalismo sempre advém a grande apostasia. Não há grande desolação sem a grande apostasia; e a grande apostasia nada mais é do que tirar Cristo do centro, tirar Cristo como Senhor dos tempos e da sociedade. Com efeito, uma grande onda que está acontecendo na Europa já chega ao Brasil – como vimos, em Manaus, no uso sacrílego da palavra “Missa” – e isso é o que se está chamando de Cristofobia: um grande ódio da sociedade atual contra a sociedade cristã, sob forma de blasfêmias, injúrias, depredações, desrespeito com a pessoa de Nosso Senhor e com a  pessoa do Papa – como agora há pouco aconteceu na Itália com uma maldita marca de roupa, que quis denegrir a figura do Santo Padre para ganhar mais. Todos odeiam a Igreja, mas não vivem sem a Igreja!

Rezemos pelo Papa, rezemos pela Igreja, rezemos sobretudo pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo. Assim seja. 


Homilia proferida em 20 de Novembro de 2011.


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18/11/2011

"Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus."



Homilia da Missa do XXII Domingo Após Pentecostes

Pe. Marcelo Tenório

. Ave Maria, gratia plena, Dominus tecum, benedicta tu in muliribus, et benedictus fructus ventris tui Jesus.
. Sancta Maria, Mater Dei, ora pro nobis peccatoribus, nunc ET in hora mortis nostrae. Amen.
. Ora pro nobis, Sancta Dei Genitrix.
. Ut digni efficiamur promissionibus Christi.

Na epístola aos Filipenses, São Paulo lhes escreve, exortando-os a perseverarem na santidade de vida, lembrando: “Aquele que começou em vós esta obra (da vossa santificação), a levará a bom termo até ao dia de Jesus Cristo”. Esta obra de Santificação, que começou em nós desde o dia do nosso batismo, realizada pelo Espírito Santo, é uma obra que devemos com ela colaborar. São Paulo está falando que Aquele que começou esta obra saberá dar bom termo a ela. É verdade: não nos faltaram até hoje, desde o dia do nosso Batismo, as graças necessárias para que vivêssemos esta fé batismal sem eclipses, sem equívocos, mas na verdade e na pureza própria que a fé exige, mas, sobretudo, na pureza espiritual, na santidade de vida.

Ora, nós recebemos uma veste nova, límpida, e ficamos com a alma resplandecente no dia de nosso Batismo, e, logo em seguida, perdemos esta veste batismal, esta pureza, esta alvura, esta santidade que nos colocava em união perfeitíssima com Deus quando cometemos um pecado mortal. Mas, ora, se cometemos o pecado mortal em plena consciência que nos dá a razão, por que continuamos a cometê-lo?

Há quem cometa pecado mortal de forma tranquila, na semana várias vezes... Isso é um absurdo, isso é um suicídio espiritual, isso é brincar com Deus! Deus dará, sim, um bom término àquilo que Ele começou em nós, mas com a nossa colaboração, com a nossa eficiência, com a nossa participação. “Aquele que te criou sem ti, não te salvará sem ti”.

Uma alma que sempre cai em pecado mortal, volta ao confessionário, cai em pecado mortal novamente e volta ao confessionário, é uma alma que está condenada ao inferno! Só falta morrer. Por quê? Porque a nossa caminhada para Deus não é uma caminhada em espiral; em espiral não se chega a lugar nenhum, só ao centro, a nós mesmos.

Por que pecamos? Porque queremos satisfazer a nós mesmos, não a Deus. Isto, então, é um caminho para o nada, é um caminho em espiral. A nossa vida para com Deus, o nosso caminhar para a eternidade, é linear, como a História da humanidade: teve um início que deve ser conduzido [n.d.t.: em linha reta], além de lembrar-nos que somos chamados a crescer na vida espiritual, não ficar comendo migalhas, recebendo de Deus o mínimo. Deus nos criou para as alturas e há caminhos espirituais que temos de trilhar. Os santos trilharam a seu modo, cada um da forma como o Espírito Santo conduz. E todos somos chamados a galgar degraus maiores na vida espiritual, mas nem saímos do chão. Nem saímos do chão... E assim passamos a vida, e assim vamos envelhecendo, e assim continuamos, e o pior: estamos nos enganando, achando que porque buscamos a confissão, estamos tranquilos diante de Deus... De forma alguma! De forma alguma... Deus quer a conversão imediata, Deus quer o abandono radical do pecado, para aí sim, após a confissão, crescermos na vida da graça em Deus. Esta é a verdadeira vida em Deus. Dar a Deus o que é de Deus. E o que é de Deus? Tudo.

O Evangelho de hoje traz para nós “dai a César o que é de César, e dai a Deus o que é de Deus”. Os fariseus, que estavam reunidos com os herodianos para tramarem como pegar Jesus em contradição, vão até Jesus com palavras elogiosas, com palavras cheias de veneno, com palavras lisonjeiras... “Ah, sabemos que és isso, sabemos que és aquilo, sabemos que falas a verdade, sabemos que não julgas pela aparência...” “Hipócritas!”, diz nosso Senhor.

Hipócritas, assim somos nós! “Ah, Deus, meu Deus e meu tudo,...” “Ah, Senhor, é a vossa face que eu procuro.” “Ah...” Hipócritas, nós somos, porque não saímos do canto! Não saímos do canto... Parece que estamos andando como um sujeito que está numa esteira elétrica, fazendo exercício: parece que ele está caminhando para algum canto, caminhando para onde? Para o nada! Para o nada: não sai do lugar, mas se cansa.

Nosso Senhor chamou e chama, neste Evangelho de hoje, os fariseus e os herodianos de hipócritas. Por quê? Porque não buscavam a verdade; estavam buscando simplesmente seus próprios interesses, o seu eu. “Dá-me a moeda do tributo”. O que é tributo? É pagamento, oferta. Ora, ninguém poderia entrar no templo com a moeda do Império, com a moeda de César; por isso, na entrada do templo havia os cambistas, que trocavam a moeda do Império – que eram profanas – por moedas do templo. Como é que os fariseus, que defendiam a lei, que defendiam a tradição religiosa, estavam próximos ao Santo dos Santos [n.d.t.: “Santo dos Santos” era a parte mais interna, reservada, do Templo de Jerusalém, onde ficava guardada a Arca da Aliança; no Santo dos Santos, só o Sumo Sacerdote podia entrar, uma vez por ano.] até com moedas do império, do tributo? Existiam dois tributos: o tributo a César e o tributo a Deus, este com moedas de Deus, com moedas do templo. Os hipócritas estavam no templo de Deus com moedas do Império. Tanto que Nosso Senhor disse: “Dá-me a moeda do tributo”. “Qual rosto que traz a moeda?” Não era para ser o de César, era para ter o símbolo do templo. “É de César”. “Pois bem,” – e Nosso Senhor desmascara a hipocrisia dos fariseus diante de todo mundo – “dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”. O que é de César? Nada, nada é de César. O que é de Deus? Tudo é de Deus.

Na nossa vida, que moedas trazemos na Santa Missa? Moedas para Deus ou moedas para César? A quem verdadeiramente servimos? Ou, a quem estamos mentindo hipocritamente pela tonsura, como diz São Bento na Regra? “Certos tipos de monges que mentem a Deus pela tonsura: parecem monges formosos, santos e piedosos; são demônios revestidos de hábito”. Assim podemos ser: parecemos piedosos e bons religiosos; podemos ser piores que os demônios. Podemos ser piores que os demônios...

Que o santo Evangelho abra o nosso olho, para que possamos enxergar aquilo que verdadeiramente somos, para que possamos enxergar verdadeiramente as moedas que trazemos em nós: se são as de César, não devem estar aqui dentro da Igreja, melhor nem entrar com elas; se estas moedas são de Deus, a Deus estas moedas devem ser ofertadas.

Não bajulemos Nosso Senhor. Não cheguemos diante dEle com palavras bonitas. Ele não se deixa impressionar com nosso repertório. Mas cheguemos diante dEle com nosso coração sincero e a nossa alma contrita. Isto, sim, valerá a pena; isto, sim, Ele escutará com apreço. Mas não queiramos, de forma alguma, escutar terríveis palavras, estas violentas palavras de Nosso Senhor: “Afastai-vos, malditos, vós que praticastes a iniquidade".

Homilia proferida em 13 de Novembro de 2011.

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16/11/2011

“É assim que vos tratará o meu Pai celeste se cada um de vós não perdoar ao seu irmão do íntimo do coração.”



Homilia da Missa do XXI Domingo Após Pentecostes

Pe. Marcelo Tenório

Ave Maria, gratia plena, Dominus tecum, benedicta tu in muliribus, et benedictus fructus ventris tui Jesus. Sancta Maria, Mater Dei, ora pro nobis peccatoribus, nunc ET in hora mortis nostrae. Amen.

“É assim que vos tratará o meu Pai celeste se cada um de vós não perdoar ao seu irmão do íntimo do coração.” Acabamos de escutar o santo Evangelho; mais claro do que isso, impossível. O rei, o senhor, resolveu ver como andavam as questões dos seus empregados, e havia um que devia uma grande soma. Tinha que lhe pagar, não tinha dinheiro para isso. Teria que ser vendido como escravo – ele, a esposa, os filhos, todos os seus bens para quitar a dívida. Esse empregado foi aos pés do patrão, do senhor, do rei, pedindo-lhe: “Tende paciência, dai-me um tempo que eu vos pagarei”. O rei ficou extremamente comovido e resolveu perdoar toda a dívida. O rei não parcelou, não dividiu, não pegou uma parte de entrada, mas perdoou toda a dívida. Saindo dali, esse empregado encontrou-se com um amigo que lhe devia bem pouco; foi-lhe ao pescoço, tentando sufocá-lo, insistindo que lhe pagasse a dívida. E esse amigo lhe disse: “Tem paciência, dá-me um tempo, eu te pagarei tudo”. Ele não quis escutar o pobre do amigo, e o lançou na cadeia porque não tinha como lhe pagar. E algumas pessoas que viram aquela cena foram comentar com o senhor, com o rei, com o patrão. E o patrão ficou irado, e mandou chamá-lo: “Servo mal! Eu te perdoei a dívida inteira, eu fui misericordioso para contigo... E tu não soubeste ser misericordioso para com aquele que te devia!” E diz o santo Evangelho: "Não devias tu, por teu lado, ter pena do teu companheiro como também eu tive pena de ti? Entregai-o aos carrascos, até ficar reembolsado de toda a dívida!” Noutro evangelho: “Lançai-o fora, na prisão, e dali não sairá até que pague tudo”. E conclui, com estas palavras terríveis: “É assim que tratará meu Pai celeste se cada um de vós não perdoar ao vosso irmão do íntimo do coração”.

Pois bem. Deste santo Evangelho, nós temos duas verdades importantes. Primeiro, a dívida para com a justiça, esta justiça que não é uma justiça humana: é a Justiça Divina, que requer a completa reparação, a paga da dívida. E nós contraímos dívidas contra a Justiça Divina através do pecado. É pelo pecado que nos tornamos devedores desta Justiça Divina. A outra verdade é que nunca conseguiremos pagar a Justiça Divina, porque a grandeza daquele que é ofendido dispensa qualquer tentativa de repor a esta Justiça Divina aquilo que perdemos pecando contra a sua magnitude. Por isso que, quando nos confessamos, nunca temos certeza do perdão, mas saímos do confessionário na esperança de que fomos perdoados. É difícil alcançar uma contrição perfeita diante daquele que é ofendido; mesmo assim devemos desejar profundamente esta contrição, à medida que nossa humanidade consegue, para alcançar esta contrição perfeita. Portanto, se temos duas verdades, é que: primeiro, diante da Justiça Divina, temos uma dívida; e, segundo, nunca conseguiremos pagá-la, a não ser que Ela nos perdoe toda a dívida.

Dever é justamente ter que restituir ao outro aquilo que é devido. O que estamos devendo à Justiça Divina? Aquilo que é devido. E o que é devido à Justiça Divina? A glória de Deus, para a qual nós fomos criados. E como é que damos Glória a Deus? Com os nossos atos. É através dos nossos atos que damos glória a Deus, sobretudo, através da caridade fraterna, que é o que o santo Evangelho nos ensina. No “Pai Nosso”, pedimos ao Senhor que Ele perdoe as nossas dívidas, assim como nós perdoamos os nossos devedores. E como é que perdoamos aos nossos devedores? “O Pai celeste vos tratará assim se não perdoardes de todo o coração... se não perdoardes do íntimo do vosso coração”. É o perdão pleno. “Dai-me um pouco de tempo, tende paciência, e eu vos restituirei tudo”, falou aquele indivíduo para o rei, e o rei aceitou.

Nós estamos no tempo da paciência divina para conosco. Mas Ele exige de nós coerência. Santa Teresa D'Ávila ensinava que o chão do inferno está cheio de cabeças de padres, de freiras e de pessoas piedosas. Não se entra no céu somente com o terço na mão, nem lendo livros piedosos somente. Como o terço é importante! Como as santas leituras são importantes! Mas, mais importantes que o terço e as santas leituras, é a coerência de vida! É o temor de Deus na prática. Tememo-lO não por que é um Deus carrasco, mas porque temos a obrigação de estarmos na amizade com Ele; há uma dívida, e esta dívida temos a obrigação de pagar enquanto estamos no tempo da paciência. E aqui se trata do amor a Deus sobre todas as coisas, do amor ao próximo mais do que a nós mesmos, este amor que não dispensa a verdade, este amor que não dispensa a correção; mas temos que viver isto que o santo Evangelho nos ordena.

Conta-se que São Gregório Magno, na sua cela pobre, em seu leito de morte, estava dormindo, e acordou com um tumulto em seu quarto. Eram seus familiares que tinham acabado de prender um jovem herege que estava com um punhal na mão. Esse herege conseguiu driblar as pessoas, os seguranças e chegou até o quarto de São Gregório Magno, sorrateiramente, para matá-lo, porque a pregação de São Gregório Magno o incomodava. E, naquele pandemônio, São Gregório acorda e vê seus familiares agarrando aquele jovem e pergunta: “O que está acontecendo? O que significa isto?”. E pergunta ao próprio jovem: “O que significa esta mão em punho, este punhal, esta arma?” E os familiares: “Tu não vês? É um herege que queria te matar; se nós não chegássemos a tempo, tu estarias morto agora!”. São Gregório mandou que o rapaz se aproximasse e disse ao jovem: “Eu te perdoo; vá em paz, ninguém fará nada contra você”. E aquele jovem, com lágrimas nos olhos, disse: “A partir de agora, tornar-me-ei católico”, e foi embora. Gesto de caridade, de piedade, o perdão extremo diante daquele que merecia a guilhotina, que merecia um grande castigo.

Eis o tempo da paciência de Deus; sabemos que depois do tempo da paciência de Deus, vem o tempo da cólera de Deus. Aqui nós temos dois tempos: o tempo da paciência – o Deus que perdoa tudo e que exige que perdoemos também – e o tempo da cólera, e quando chegar o tempo da cólera, não haverá mais apelação diante do tribunal de Deus.

Da mesma forma, agiu São Cristóvão. Quando alguém, ao passar pela rua lhe deu um grande soco no rosto, São Cristovão forte, robusto, correndo atrás daquele indivíduo aos gritos da população que dizia: ”Mata, mata!”, derrubou o indivíduo; retirando a espada para cortar-lhe o pescoço. De repente se lembrou destas palavras: “Assim o Pai celeste fará convosco, da mesma forma o Pai celeste fará convosco se não fordes misericordiosos, se não perdoardes, no íntimo, o vosso irmão”. Ele guardou a espada e perdoou aquele sujeito, e disse à população: “Não posso fazer isto porque eu sou cristão”. Oxalá fizéssemos a mesma coisa!

Não existe “meio perdão”, porque não existe “meio cristão”. “Meio cristão” é um hipócrita total, “meio cristão” é um fariseu robusto. Ou se é cristão, ou não se é cristão; ou se vive o santo Evangelho, ou não se vive o santo Evangelho; ou se cresce na prática das virtudes, ou não se cresce nunca! É um ledo engano, um ledo engano: "não existe algo mais demoníaco, mais diabólico do que um religioso que mente a Deus pela tonsura", como diz São Bento na sua regra; “melhor um depravado que já está condenado, melhor um depravado que já escolheu decididamente o inferno do que aquele religioso morno”. Como, no Apocalipse, o próprio Nosso Senhor diz: “Como eu gostaria que você fosse quente ou frio de uma vez; porque você é morno, eu te vomitarei da minha boca”.


Guardemos estas palavras de Nosso Senhor no santo Evangelho de hoje: “É assim que vos tratará o meu Pai celeste se cada um de vós não perdoardes ao vosso irmão do íntimo do vosso coração”. Se assim não for, não se é cristão católico. Sem isso, não há prática das virtudes. Sem isso, não se pode aproximar da mesa da comunhão.


Homilia proferida em 06 de Novembro de 2011.

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Para que louvar os Santos?



Homilia da Missa da Festa de Todos os Santos

Sermão lido pelo Pe. Marcelo Tenório, retirado dos sermões de São Bernardo de Claraval, abade (Séc. XII).



PARA QUE LOUVAR OS SANTOS?

Para que louvar os santos, para que glorificá-los? Para que, enfim, esta solenidade? Que lhes importam as honras terrenas, a eles que, segundo a promessa do Filho, o mesmo Pai celeste glorifica? De que lhes servem nossos elogios? Os santos não precisam de nossas homenagens, nem lhes vale nossa devoção. Se veneramos os Santos, sem dúvida nenhuma, o interesse é nosso, não deles. Eu por mim, confesso, ao recordar-me deles, sinto acender-se um desejo veemente.

Em primeiro lugar, o desejo que sua lembrança mais estimula e incita é o de gozarmos de sua tão amável companhia e de merecermos ser concidadãos e comensais dos espíritos bem-aventurados, de unir-nos ao grupo dos patriarcas, às fileiras dos profetas, ao senado dos apóstolos, ao numeroso exército dos mártires, ao grêmio dos confessores, aos coros das virgens, de associar-nos, enfim, à comunhão de todos os santos e com todos nos alegrarmos. A assembleia dos primogênitos aguarda-nos e nós parecemos indiferentes! Os santos desejam-nos e não fazemos caso; os justos esperam-nos e esquivamo-nos.

Animemo-nos, enfim, irmãos. Ressuscitemos com Cristo. Busquemos as realidades celestes. Tenhamos gosto pelas coisas do alto. Desejemos aqueles que nos desejam. Apresemo-nos ao encontro dos que nos aguardam. Antecipemo-nos pelos votos do coração aos que nos esperam. Seja-nos um incentivo não só a companhia dos santos, mas também a sua felicidade. Cobicemos com fervoroso empenho também a glória daqueles cuja presença desejamos. Não é má esta ambição nem de nenhum modo é perigosa à paixão pela glória deles.

O segundo desejo que brota em nós pela comemoração dos santos consiste em que Cristo, nossa vida, tal como a eles, também apareça a nós e nós juntamente com ele apareçamos na glória. Enquanto isso não sucede, nossa Cabeça não como é, mas como se fez por nós, se nos apresenta. Isto é, não coroada de glória, mas como com os espinhos de nossos pecados. É uma vergonha fazer-se de membro regalado, sob uma cabeça coroada de espinhos. Por enquanto a púrpura não lhe é sinal de honra, mas de zombaria. Será sinal de honra quando Cristo vier e não mais se proclamará sua morte, e saberemos que nós estamos mortos com ele, e com ele escondida nossa vida. Aparecerá a Cabeça gloriosa e com ela refulgirão os membros glorificados, quando transformar nosso corpo humilhado, configurando-o à glória da Cabeça que é ele mesmo.

Com inteira e segura ambição cobicemos esta glória. Contudo para que nos seja lícito esperá-la e aspirar a tão grande felicidade, cumpre-nos desejar com muito empenho a intercessão dos santos. Assim, aquilo que não podemos obter por nós mesmos, seja-nos dado por sua intercessão.


Homilia proferida em 1º de Novembro de 2011, na Festa de Todos os Santos.

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A verdade não está no relativismo, e, sim, no Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo



Homilia da Missa da Festa de Cristo Rei – Último Domingo de Outubro

Pe. Marcelo Tenório

Ave Maria, gratia plena, Dominus tecum, benedicta tu in muliribus, et benedictus fructus ventris tui Jesus. Sancta Maria, Mater Dei, ora pro nobis peccatoribus, nunc ET in hora mortis nostrae. Amen.

V. Ora pro nobis Sancta Dei Genitrix.
R. Ut digni efficiamur promissionibus Christi.


Celebramos hoje a festa de Cristo Rei das nações. É uma proclamação solene do reinado universal de Nosso Senhor. Esse reinado universal de Nosso Senhor, que está justamente para a verdade. O que é a verdade? A verdade é o próprio Senhor. Quando Pilatos, após a colocação de Jesus, O indaga: “O que é a verdade?”, Nosso Senhor nada responde, porque a verdade é Ele mesmo, e também porque Pilatos não teve a capacidade de reconhecê-lO.

A verdade não é relativa. E não existem várias “verdades”. Há uma ideia moderna de que cada um traz em si a sua própria verdade, de forma que, se cada um traz em si a sua própria verdade, ou se cada um é livre para buscar a sua própria “verdade”, não existiria mais a verdade objetiva, o que é uma lástima, o que é uma mentira!

Por exemplo: o que nós estamos vendo acesas sobre o altar, neste momento, são velas. Esta é a verdade objetiva; ninguém pode dizer que o que está aceso sobre o altar é outra coisa! Mesmo que acredite e pense o contrário, terá que, após uma análise racional, se converter a esta verdade objetiva, que é: “o que está crepitando no altar (neste instante) são seis velas”. De forma que nós nos rendemos à verdade objetiva. Então, não somos livres para buscarmos “verdadezinhas”, porque a verdade não está no “relativismo”.


Na Santíssima Eucaristia, há a presença real de Cristo, e nela, Ele está vivo e ressuscitado, como está no Céu: em corpo, sangue, alma e divindade. Mesmo que alguém não acredite na presença real, Ele não deixa de ser, Ele não deixa de estar presente na Santíssima Eucaristia só porque “A, B ou C não acreditam nisso”. Não! Porque isso é verdade, e a verdade é o que importa.

De forma que não existe liberdade no homem para encontrar outras “verdades”. A liberdade nada mais é do que uma orientação para o bem. É uma capacidade natural que Deus colocou no homem, para que ele se oriente para o bem. Em última análise e, objetivamente, este bem supremo é Deus. O livre arbítrio, se usado para excluir o arbítrio divino, tira essa capacidade natural de se orientar para Deus e para o bem – que é a verdadeira liberdade – e, mesmo se tendo consciência de que fora disso só encontrará o caos, que fora disso só encontrará decrepitude e o nada, mesmo assim insiste-se de forma irracional no erro, e depois vai colher a consequência de não ter dado adesão à verdade.

É como alguém que tem plena consciência de que, havendo ali uma tomada, e de que naquela tomada há energia, descargas elétricas, sabe que não pode meter lá o dedo porque sofrerá as consequências de um choque elétrico; racionalmente, a compreensão é perfeita, mas, mesmo com essa compreensão, em vez de esse alguém agir livremente orientado para o bem, não: ele toma mão do livre arbítrio para, mesmo na consciência das coisas, mesmo tendo plena certeza de toda e qualquer consequência, mesmo assim vai e põe o dedo na tomada, e sofre as consequências.

O homem foi criado livre, e a liberdade não é fazer o que se quer. A liberdade é orientar-se para Deus. E no fazer também está o crer. Então o homem não é livre para acreditar em verdadezinhas, mesmo por que não existem “verdades”, existe a verdade. Então, o homem não é livre para tomar outro caminho ou outra orientação que não seja Deus, este Deus revelado, e este Deus na pessoa de Jesus Cristo, Rei do universo, de forma que a vontade de Deus para a humanidade é de que todos reconheçam seu Filho e O tenham como Senhor absoluto, como Senhor e Rei do universo.


Claro que, antes da Revelação, havia outras religiões – budista, animistas, etc. – que, naturalmente, procuravam um ser transcendente. Mas, com o Cristianismo, com o advento do Cristianismo católico, Nosso Senhor se revela, o Deus verdadeiro se revela. E culmina com a fundação da Igreja, que tem a missão, no mundo, de anunciar a verdade de Cristo. Não de compactuar, não de dialogar até chegar na “igualdade” de duas coisas que não são iguais. Cristo é Cristo, é Deus verdadeiro; as outras crenças devem ser convertidas à Verdade plena, que é Cristo, único caminho, verdade e vida. De forma que a Igreja é, no seu ser íntimo, missionária. Por quê? Porque fundada para anunciar o Reino de Deus a todas as criaturas, e a perpetuar-se na história até a consumação dos séculos, renovando, pela sua ação sacramental, Cristo que salva, Cristo que santifica, Cristo que ensina, Cristo que governa.

Então o homem não é livre para tomar, de forma confortável, decisões quanto a querer abraçar tal fé, tal credo – não, ele não é livre para isso! O homem é livre, sim, para, no exercício próprio da sua racionalidade e na busca pela verdade, chegar até a verdade católica, que é Cristo. Esta é a verdade! É esta a fé, uma só fé, um só batismo, é esta fé revelada, é esta fé que nos traz a salvação, é esta fé que o Deus Altíssimo deseja que a humanidade toda abrace. Então, que os budistas se tornem católicos! Que os protestantes se tornem católicos! Que os muçulmanos se tornem católicos! Que todos os outros que professam determinadas crenças, ou até sentimentos “bem naturais” – todos são chamados a aderir à fé católica.

E, se eles não aderem por ignorância, aí entra o papel da Igreja, o apostolado católico de anunciar, em todas as partes, Cristo Rei das nações. É esta a missão de todos os batizados, de todos os filhos da Igreja: a de fazer com que Cristo seja conhecido; e, sendo conhecido, amado; e, sendo amado, seguido. Aí está aquilo que a Igreja nos ordena pelo nosso batismo: batismo que recebemos, e pelo qual nos tornamos filhos da Igreja, filhos adotivos de Deus, com a herança dos Céus. Muitos estão no erro, muitos estão nas trevas, porque muitas vezes nós nos calamos, não somos capazes de anunciar àqueles que passam em nossa vida a fé católica, o Catecismo da Igreja. Se muitos, por nossa culpa, se perdem, teremos que dar contas a Deus de suas almas. É missão da Igreja, mas é missão de cada um, como membro da Igreja, no seu apostolado, quer aonde se encontre, anunciar a verdade. E esta verdade é Cristo, custe o que custar, doa a quem doer. E, deixe-se bem claro: sem admitir, em relação à fé, a plena liberdade de escolha.

O homem não é livre para escolher se voa ou se anda, porque o homem não pode voar sem aparelhos; ele não é livre para escolher. Nós fomos criados para Deus; a nossa felicidade está em Deus. Deus que se revelou. Deus que enviou Seu Filho. Deus que fundou a Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica. É esta a verdade! É esta a única barca de salvação para a humanidade inteira! A nossa missão é: vivendo esta verdade, anunciando esta verdade, chamar, ensinar a quantos possamos, para que todos possam aderir a esta verdade de Cristo, a esta verdade católica. Esta é a verdade, ou a verdadeira ação do nosso apostolado, a verdadeira liberdade do homem, que não é “fazer o que se quer”, que não é “fazer o que se gosta”, mas que é aderir, que é dobrar-se, pela inteligência, à verdade. E esta verdade é a verdade Católica!


Homilia proferida em 30 de Outubro de 2011, na Festa de Cristo Rei.


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08/11/2011

É preciso preparar-se bem para adentrar no Reino dos Céus


Homilia da Missa do XIX Domingo Pós Pentecostes

Pe. Marcelo Tenório

Ave Maria, gratia plena, Dominus tecum, benedicta tu in muliribus, et benedictus fructus ventris tui Jesus. Sancta Maria, Mater Dei, ora pro nobis peccatoribus, nunc ET in hora mortis nostrae. Amen.

V. Ora pro nobis Sancta Dei Genitrix.
R. Ut digni efficiamur promissionibus Christi.

No santo Evangelho de hoje, Nosso Senhor fala mais uma vez a parábola sobre o Reino dos Céus. Ele começa dizendo que o Reino dos Céus pode se comparar ao Rei que ofereceu um banquete para celebrar as bodas de filho e mandou que seus servos chamassem os convidados para a celebração. Mas os convidados não quiseram estar presentes. Ele ordenou, então, que seus emissários os chamassem novamente, mas os convidados os espancaram e mataram. Ora, então esse Rei, irado, mandou o seu exército para que punisse severamente aqueles que se negaram a aceitar seu convite.

E o Rei disse aos servos: “As núpcias estão prontas, mas os convidados não eram dignos. Ide, pois, às encruzilhadas e convidai para as núpcias todos os que encontrardes”. A sala encheu-se de convidados, bons e maus.

O Rei passa em revista, entra pela sala, observa os convidados, e vê ali um que não está vestido dignamente. “Amigo, como entraste aqui sem a veste nupcial?”. Este ficou calado, pois sabia que não poderia estar ali sem a veste adequada. O que falar diante do óbvio? Então, chamando os empregados, mandou que fossem-lhes atados mãos e pés, e que fosse lançado nas trevas exteriores, onde há choro e ranger de dentes.

Ora, ninguém convida o inimigo para sentar-se à mesa, mas sim os filhos e os amigos. Aqui o Rei convida a todos, no entanto, uns têm tais compromissos, outros estavam ocupados demais para prestar atenção ao chamado do Rei, de forma que desdenham do convite.

O Reino dos Céus é para todos. A celebração dessas bodas é um convite dado à humanidade inteira. Primeiro, ao povo judeu, que rejeitou esse convite; depois, o convite é aberto a todos os povos, bons ou maus, judeus ou pagãos, todos foram chamados para o Reino dos Céus. Mas é preciso preparar-se bem para adentrar no Reino dos Céus, “estar com a roupa adequada”. Sem a roupa adequada, bons ou maus não poderão permanecer na sala da celebração. Bons e maus foram convidados: os bons, para tornarem-se santos; os maus, para deixarem a maldade e se apresentarem com a roupa ornada de pérolas, que são as virtudes.

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São Paulo nos ensina na Epístola que devemos viver uma vida digna de filhos de Deus. Que vivamos a vida de filhos de Deus, que a vivamos dignamente, dignos daqueles que são chamados ao banquete, que são chamados à festa, que são chamados à casa do Pai. Para isso, São Paulo nos exorta a uma renovação espiritual, a sermos revestidos do homem novo, à imagem de Cristo ressuscitado.

Somos convidados a nos revestir com uma veste nova, a veste batismal que recebemos no dia do nosso batismo. Muitos a perdem! Mancham-na ao cometerem pecado mortal! Exorta-nos São Paulo: “Se vos irardes, não pequeis; não se ponha o sol sobre a vossa ira. Não deem entrada ao demônio”. Ou seja, que vivamos dignamente a vida como filhos de Deus, porque somos chamados ao banquete celeste, isto é, à intimidade na casa do Pai. Diz São Paulo: “Quem roubava, que não roube mais; quem adulterava, que não adultere mais”! Também o Apóstolo nos faz lembrar a pregação de São João Batista: “Quem estava no pecado, que venha para a graça; quem estava mal vestido, que se arrume; quem era leproso, que deixe a sua lepra, e se agarre, e se confie inteiramente na misericórdia de Deus”.

Não teremos desculpa para nos justificarmos se não estivermos prontos para o banquete que Deus nos oferece. O convite nos foi feito desde o dia do nosso batismo. Éramos pequenos, mas nossos padrinhos disseram “sim” por nós. Estamos crescidos, muitos já receberam o Sacramento da Crisma e outros já reafirmaram seus filhos para participarem deste banquete no Reino dos Céus.

E o que nos resta? E o que nos falta? São Paulo afirma que, a respeito dos dons espirituais, não nos falta nada! Deus já nos deu tudo: onde abundou o pecado, superabundou a graça, de forma que fomos revestidos das vestes do homem novo.
E é necessário que aquela veste branca, que um dia foi posta sobre nós em nosso batismo, possamos trazê-la incólume, límpida para o encontro nesta festa com o Rei, pois Ele adentrará na sala e nos procurará.

E ai de nós se estivermos mal vestidos! E ai de nós se, por culpa ou negligência, tivermos deixado este mundo para entrar na eternidade manchados com o pecado, desdenhando assim da Justiça Divina! Acontecerá conosco o que aconteceu com este homem: “Amarrai-lhe mãos e pés e lançai-o fora. Lá haverá choro e ranger de dentes”.

Este é o tempo em que vivemos, que é para nós o tempo da graça, o tempo da misericórdia de Deus, o tempo em que Deus sempre nos manda graça sobre graça. Graças atuais e a graça santificante através dos sacramentos, e, por vezes, graças extraordinárias para nossa conversão, para nossa nos dar firmeza, para a nossa salvação.

E o que estamos fazendo com tais graças? Como estamos recebendo essas dádivas de Deus que permitem prepararmo-nos uns aos outros? Não pensemos que o amor de Deus dispensará a sua justiça. Muito pelo contrário: Ele é a justiça. Se não estivermos prontos, seremos contados entre aqueles que serão expulsos, jogados fora nas trevas exteriores!

O ranger de dentes nada mais é do que a suprema angústia, a eterna angústia, a eterna agonia, a eterna dor de ter perdido o bem supremo – conscientemente – por ter desdenhado de seu convite.

Façamos a nossa parte enquanto há tempo; terminado este tempo, abrir-se-á para nós a eternidade, onde não teremos mais tempo para arrumar as nossas roupas: aquilo que faltou, faltou, e, tal como deixamos este mundo, nos apresentaremos diante de Deus.

Daqui não levaremos nada, a não ser os frutos de nossa vida. É com esses frutos que iremos nos apresentar diante do Tribunal de Deus. 

Cuidemos, imitando São Paulo nesta Epístola de hoje, para que, vivendo bem, possamos deixar bem este mundo e podermos ser contados entre os convivas, entre os eleitos, entre aqueles que irão, eternamente, se banquetear no Reino de Deus.

Homilia proferida em 23 de Outubro de 2011.

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22/10/2011

Maior do que ressuscitar mortos; maior do que curar cegos e coxos é curar a alma


Homilia da Missa do XVIII Domingo Pós Pentecostes


Pe. Marcelo Tenório


Ave Maria, gratia plena; Dominus tecum: benedicta tu in mulieribus, et benedictus fructus ventris tui Iesus. Sancta Maria, Mater Dei ora pro nobis peccatoribus, nunc et in hora mortis nostrae. Amen.


Está diante de Nosso Senhor um paralítico deitado em seu leito. Não é difícil imaginar uma grande multidão ao redor de Nosso Senhor. Não se sabe como conseguiram colocar esse paralítico próximo a Ele com tamanha multidão que O seguia...

Ora, o que aquele paralítico desejaria? Evidentemente, queria a cura física. Muitos vinham de todos os lugares, cegos, aleijados, coxos, todos com problemas físicos ou espirituais e outras coisas indesejáveis e queriam a cura. Nosso Senhor fala ao paralítico: “Tem coragem, tem confiança filho. São-te perdoados os teus pecados”. Nosso Senhor perdoa os pecados, mas, num primeiro momento, não cura a enfermidade, pois para Ele está claro: são os pecados que devem ser retirados, perdoados. O importante não é a cura física, mas a cura interior, a cura da alma, ou seja, a purificação plena da alma com a misericórdia de Nosso Senhor, com essa imensa graça que é o poder de perdoar os pecados.

Pois bem, parece um contrassenso de Nosso Senhor. Todos esperavam milagres, curas físicas. Nosso Senhor constrange as expectativas daqueles que estão ali, mas não só isso: Ele deseja, principalmente, atacar a hipocrisia dos fariseus.

Ali estavam os fariseus, os Escribas, os Doutores da Lei, não buscando a verdade, mas para “testar” Nosso Senhor. E Ele, com sua divina sabedoria, sabia bem a intenção daqueles; sabia que se escandalizariam muito mais se dissesse: “Seus pecados estão perdoados”.

“Mas como pode?!”, diriam, “Só Deus pode perdoar os pecados! Blasfemou! Blasfemou!”, disseram entre si. E Nosso Senhor, conhecendo o coração deles, interroga-os: “O que é mais fácil: Dizer ao paralítico: Teus pecados te são perdoados! Ou dizer: Levanta-te, toma o teu leito e anda?”

Dizer que os pecados estão perdoados é muito fácil, mas não há mudanças aparentes. Mas ao dizer “levanta-te e anda”, o paralítico tem que se levantar e andar. Então, “Para que saibais que o Filho do Homem tem na terra o poder de perdoar os pecados: ‘Levanta-te’, disse ele ao paralítico, ‘toma o teu leito e vá para tua casa’. E imediatamente, o homem se levantou.

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Nosso Senhor não faz milagres de forma gratuita. No mundo de hoje se procura um Deus milagreiro; um Deus que faça espetáculos de poder. Não! Deus não costuma agir no extraordinário, pois que os milagres tem apenas a função de informar, confirmar alguma verdade. No entanto, é o ordinário que nos forma. Mas por que os milagres? Para que Deus possa assinalar [n.d.r.: confirmar] a sua doutrina.

Nosso Senhor fala muito claro: “Para que saibais que o Filho do Homem tem o poder de perdoar pecados”, ou seja, o perdão dos pecados é muito mais importante, na ordem da graça, do que a cura física.

“Para que saibais que Eu tenho o poder de perdoar pecados, então levanta-te e anda”. É a autoridade divina, plena, suprema que realiza o milagre, pois Deus “assina” a Sua verdade com autênticos milagres.

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A Eucaristia... “Isto é o meu Corpo; Isto é o meu Sangue”, o Corpo e Sangue de Nosso Senhor. Ele está verdadeiramente presente, é a Presença Real de Nosso Senhor na Hóstia consagrada. No momento da consagração, o que era pão já não é mais pão: é Carne; o que era vinho já não é mais vinho: é Sangue do Deus vivo! E ali está Cristo inteiro, em corpo, sangue, alma e divindade.

E Deus assina essa verdade com portentosos milagres eucarísticos, entre eles, o famoso “Milagre de Lanciano”, ocorrido no século VIII, na Itália. Até hoje a hóstia está ali, à vista de todos, transformada em carne e sangue de Nosso Senhor. Há treze séculos! Analisado pela ciência mais moderna, foi comprovado que a carne é do coração e tem o mesmo tipo sanguíneo do sangue, além de estarem num estado como se fosse de uma pessoa viva.

Milagres, assinaturas de Deus a uma verdade!

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Sobre a veneração que a Igreja desde o início teve pela a Mãe de Deus...

“Porei inimizade entre ti e a Mulher”, diz Deus no livro do Gênesis, dirigindo-se ao demônio. Portanto, há uma guerra, uma inimizade entre a serpente e a Mulher; entre a descendência da serpente e a da Mulher. Há uma guerra! Não há paz entre a mulher e a serpente, o demônio; não há paz entre a descendência da Mulher e a descendência da serpente. “Tu lhe ferirás o calcanhar e ela lhe esmagará a cabeça”.

Há uma geração da Mulher e é esta geração que A proclama Bem-aventurada por todas as gerações! E onde está quem a proclama Bem-aventurada? Somente na Igreja Católica Apostólica Romana, de forma que unicamente na Igreja Católica, onde está a verdade plena, encontramos os milagres autênticos.

O culto a Nossa Senhora, por exemplo, é assinado por muitos milagres de Deus, entre eles, o milagre de Nossa Senhora de Guadalupe. A imagem da mãe de Deus foi “impressa” na roupa [n.d.r.: poncho ou tilma, vestimenta tradicional mexicana] do índio. Nesta aparição inúmeros milagres foram testemunhados. E depois de tantos séculos [n.d.r.: 5 séculos], com o desenvolvimento da ciência, o “poncho” é analisado e nele constatam-se coisas impressionantes, como por exemplo, a pintura. Não é de origem mineral, nem vegetal, nem animal, ou seja, o material usado na pintura não é de origem natural. Algo sobrenatural, que não foi pintado, mas impresso, como uma fotografia; a imagem também permanece como que “flutuando” sobre o pano [n.d.r.: cientistas constataram que a pintura está a 3 décimos de milímetro distante da tilma]. Também uma Mulher [n.d.r.: Nossa Senhora] está “viva” naquela imagem, pois foi constatado que há temperatura em seu corpo; está grávida por que ouvem-se batimentos cardíacos em seu ventre; em seus olhos pode-se ver a cena em que o índio, Juan Diego, abre o pano, seu poncho, diante do Bispo. Esta cena aparece na pupila dos olhos da Virgem.

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Milagres que a ciência não tem como explicar, e tantos outros milagres com que Deus vai assinando a sua verdade, a sua doutrina.

É por este motivo que não existe, não pode existir, milagres fora da Igreja Católica, na mentira, no erro, na discórdia, na divisão. Deus não assina a mentira, logo, não existe, e nunca existirá, nenhum milagre fora da Igreja Católica. Por quê? Porque Deus não se contradiz. Deus não assina aquilo que é falso.

“Mas houve curas!”, dirão. Ora, curas psicossomáticas! A psicologia e a ciência podem curar, mas não podem fazer milagres. Milagres somente na Igreja Católica. Não existe nenhum milagre, nenhum conhecido que pela ciência tenha sido comprovado, certificado, fora da comunhão da Igreja. Por quê? Porque Deus realiza o que Ele fez na pessoa de seu Filho, Jesus: assina Sua obra com autênticos e verdadeiros milagres.

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Um dos maiores milagres que Nosso Senhor nos deixou é a Santa Missa, onde comungamos, verdadeiramente, Seu Corpo e Sangue. Também a confissão é um milagre realizado por Deus, através do sacerdote. Este é o maior dos milagres.  

Maior do que ressuscitar mortos, maior do que curar cegos e coxos é curar a alma.

São João Maria Vianney dizia aos seus paroquianos: “Ide, falai aos anjos, pedi aos anjos que vos deis o Pão dos Céus e eles vos dirão: ‘Não podemos’. Ide, pedi à Santíssima Virgem que perdoe os vossos pecados e Ela vos dirá: ‘Não posso’. Mas procurai o mais simples dos sacerdotes, só ele poder-vos-á dizer: ‘Os teus pecados estão todos perdoados’”.


Homilia proferida em 15 de Outubro de 2011, na festa de Santa Tereza D’Ávila.

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19/10/2011

Nela está a prefiguração daquilo que Deus desejou para toda a humanidade



Homilia da Missa em honra a Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil
 



Pe. Marcelo Tenório

Ave Maria, gratia plena; Dominus tecum: benedicta tu in mulieribus, et benedictus fructus ventris tui Iesus. Sancta Maria, Mater Dei ora pro nobis peccatoribus, nunc et in hora mortis nostrae. Amen.


Celebramos hoje a solenidade da Imaculada Conceição de Nossa Senhora com o título de Nossa Senhora Aparecida. É a Santa Missa em honra de sua concepção imaculada.

Nossa Senhora desde primeiro instante da sua concepção foi preservada de todo pecado original. Em nenhum momento, nenhuma mancha, nenhuma sombra, nenhum resquício de nossos pais [n.d.r.: Adão e Eva], nada a atingiu. Por isso a Igreja canta “Toda Pura és, Maria, e em Ti não há mácula”.

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A Imaculada Conceição de Nossa Senhora nos aponta para ensinamentos extremamente importantes. Nós somos criados para Deus, para estar em Deus. Estar em Deus é estar na graça e nossos pais [n.d.r.: Adão e Eva] foram criados na graça, na graça santificante, na vida santa, foram criados puros e imaculados. Neles toda a humanidade deveria também ser pura e imaculada. No entanto, foi quebrada a unidade com Deus. Pelo pecado original nossos pais foram expulsos da presença divina e nós, seus filhos, recebemos por conseqüência essa mancha original, que nos é retirada no dia de nosso Batismo.

Nossa Senhora, na festa da concepção Imaculada, nos lembra que Ela, pela santa vontade de Deus, foi preservada do pecado original e nEla está a prefiguração daquilo que Deus desejou para a humanidade inteira, que era permanecer sempre formosa [n.d.r.: pura], sempre santa, sempre imaculada.

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Chamamo-la hoje sobre o patrocínio de “Aparecida”, pois fazemos referência àquele belo milagre ocorrido no século XVIII, quando aqueles pescadores foram atrás de peixes para a festa que seria oferecida a um homem importante, a uma autoridade importante. Não conseguiram nada, não pescaram nada. Lembra-nos a pesca milagrosa, sobre a qual narra o santo evangelho. De repente, um dos pescadores “pesca” o corpo de uma imagem, e, logo em seguida, lançando as redes novamente, vem a cabeça daquela mesma imagem, que é a de Nossa Senhora da Conceição. Em seguida, lançando novamente as redes, conseguem pescar uma enorme quantidade de peixes, a tal ponto que tiveram medo de que a barca viesse a naufragar. A partir daí, Deus vai firmando o culto daquela pequena imagem da Virgem Santíssima com milagres, e ela foi chamada de Aparecida, por que, de fato, aparece milagrosamente nas águas do Rio Paraíba, e se torna nossa Rainha, padroeira do Brasil.

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Vários papas na história da Igreja condenaram a nefasta idéia da separação da igreja e do estado. Condenaram a nefasta idéia do estado laico. Ora, não existe estado laico, se Deus criou o homem à sua imagem e semelhança e fundiu o coração do homem com o desejo dEle mesmo. Deus coloca a sua Lei no coração do homem. Portanto, não pode existir estado laico. É uma loucura, um suicídio, querer promover a ideia do estado laico, separado da Igreja. Não pode de forma alguma existir leis contra a Lei Divina, tampouco contra a lei natural; não pode coexistir um estado laico se o povo é profundamente e essencialmente religioso.

A Sagrada Escritura nos fala que Jesus Cristo é o Senhor e que diante dEle todos os joelhos devem dobrar-se. Ele é o Senhor de tudo! Ele é o Senhor de todos os povos! Ele é o Senhor também e, sobretudo, da nossa Pátria, de forma que não somos “neutros” em matéria de fé e religião! E como só existe uma fé verdadeira, um só Batismo, somente uma fé para a conversão dos pecados deve trilhar o solo de nossa pátria: a verdade católica.

Enquanto muitos dizem o contrário e promovem o contrário, então vamos nós rumo ao Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo, através do Coração Imaculado de Maria, Rainha e Padroeira do Brasil.

Homilia proferida em 12 de Outubro de 2011, na festa de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, Padroeira do Brasil.

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13/10/2011

Às coisas, aos bens, o nosso desprezo. Fiquemos com Deus!




Homilia da Missa do XVII Domingo Pós Pentecostes

Pe. Marcelo Tenório

Ave Maria, gratia plena; Dominus tecum: benedicta tu in mulieribus, et benedictus fructus ventris tui Iesus. Sancta Maria, Mater Dei ora pro nobis peccatoribus, nunc et in hora mortis nostrae. Amen.


Acabamos de escutar o Santo Evangelho deste domingo. Os fariseus, mais uma vez, queriam pôr Nosso Senhor à prova. E um deles, que era doutor da Lei, perguntou-Lhe: “Qual é, Mestre, o maior mandamento da Lei?” A lei hebraica possuía cerca de 613 mandamentos. Eles sabiam os mandamentos de cor. O grande entrave de Jesus com os fariseus é que eles eram hipócritas: pregavam, mas não faziam; impunham aos outros grandes pesos, mas nem eles mesmos praticavam a sua religião.
Nosso Senhor, dando-lhes a resposta, mostra a necessidade de apenas dois grandes Mandamentos. Um é dependente do outro. E esses dois Mandamentos foram tirados da própria lei judaica. O primeiro deles: “Amarás o Senhor de todo o teu coração, de toda a tua alma e com toda a tua mente...”. O segundo mandamento é dependente deste: “... e a teu próximo como a ti mesmo”. “Amar a Deus sobre todas as coisas, e ao próximo como a ti mesmo”. Ou... mais do que a ti mesmo.

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Conta uma estória que um príncipe russo vinha por uma aldeia e viu uma jovem mulher com uma criança no braço. De repente, escutou aquela mulher dar um grande grito (mas um grito de alegria), olhar para o céu e fazer o sinal da cruz. E o príncipe foi interrogar aquela aldeã, que lhe disse: “Alteza, é a primeira vez que meu filho me dá um sorriso”. Se uma mãe, um ser humano, fica tão feliz com um simples sorriso do seu filhinho, que é sinal de agradecimento, reconhecimento de sua maternidade, quanto mais Deus fica também feliz conosco com nosso sinal de amor para com Ele. E (a mãe) estava agradecida a Deus por causa do seu filho pequeno que lhe sorria pela primeira vez. Assim somos nós: deveríamos ser agradecidos a Deus por tanto amor, até ao ponto de doar Seu único Filho em nosso resgate.

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Amar a Deus sobre todas as coisas. Primeiro, com toda a nossa mente. Somos ordenados a amar a Deus com toda a nossa mente. Não com a metade, não com o pouco dela, mas toda a nossa mente. O amor é radical. Deus nos amou “radicalmente”. É extremo, é imensurável esse amor de Deus, é extraordinário: nós não somos nada, e a Ele nada acrescentamos, mesmo assim Ele quis nos amar, sabendo de tudo (porque era Deus), nos amou e deu Seu Filho, para ser massacrado por nós. Então, este amor para com Aquele que é radical no seu amor, também deve ser um amor radical. E Ele nos ordena a isso. Ele não se satisfaz com a metade do nosso coração – nosso coração e nossa mente. Afirma Santo Agostinho: “Ou se ama, ou se não ama. Ou se é santo, ou não se é santo. Ou se é honesto, ou não se é honesto.” Ou uma coisa ou outra; o “meio honesto” não é honesto; ou se é honesto, ou não se é honesto. Ou se ama a Deus, ou não se ama a Deus. Não podemos amar a Deus pela metade, por isso a exigência: “com toda a nossa mente”; e essa mente está livre (para amar a Deus).

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Em 1512, conta a história, viveu um um certo Boscoli (Pier Paolo Boscoli): a família Medici o aprisiona, e leva à morte aquele grande republicano. Pois bem, no momento derradeiro, no momento da morte, estava ele angustiado. Ele pedia insistentemente a um amigo, um artista chamado Luca, que o ajudasse. A mente de Boscoli, com tantas e tantas filosofias, tantas e tantas idéias revolucionárias, tantas e tantas divagações... Mas, naquele momento, ele queria poder focar-se, focar sua mente, somente em Deus. Uma angústia tremenda de uma mente apavorada, de uma mente cheia de muitas e muitas coisas que jamais seriam capazes de ajudá-lo a morrer bem, a ter uma contrição perfeita, a fazer um ato de piedade, com toda a sua mente... Uma alma realmente cheia de devassidão, uma alma realmente cheia de pornografia, uma alma realmente cheia das coisas e dos amores desse mundo, jamais, jamais conseguirá amar a Deus com toda a sua mente. E se não se ama a Deus com toda a sua mente, por fim o que isso trará?

Para isso é necessária a purificação da mente, a mente purificada, a mente convertida, a mente livre, a mente cheia de Deus... Daí a necessidade da meditação, da oração freqüente, da meditação nos Mistérios de Cristo, sobretudo nos Mistérios da Paixão. Os santos se fizeram santos, amaram a Deus sobre todas as coisas, de toda a sua mente, justamente esvaziando-se do mundo para encher-se das coisas sagradas. E aí entra uma boa meditação. Nas meditações da Paixão de Cristo, tantos e tantos nela se fortificaram, nela se santificaram, de todo o coração.

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Santo Agostinho certa vez se encontrava pregando para uma multidão em sua igreja, e perguntava: “Mas existe alguma coisa nesta vida que a gente possa preferi-la a Deus – poderes, riquezas, bens –, tudo isso, todas estas coisas são capazes de preencher em totalidade a vida de um homem a tal ponto dele preferir tudo isso a Deus? Nós, cristãos – indagava Santo Agostinho – teríamos a coragem de aderir, de querer todas estas coisas, se fosse para escolher entre Deus e elas?” E do meio do povo, uma voz entusiasta gritou: “Fiquemos com Deus! E que as coisas possam ir embora, que as coisas possam desaparecer, que os amores humanos possam ser desprezados. Nós, fiquemos com Deus!” É uma atitude que deve ser tomada por cada um de nós, na nossa vida, no nosso dia a dia, nas coisas que querem tentar os olhos e a carne, nas coisas que batem à nossa porta, nos amores humanos, o mundo, as seduções; os cantos ou os cantares do paganismo insistentemente nos dias de hoje... A todos eles, possamos dizer: “A vós, o nosso desprezo! Fiquemos com Deus! E somente com Ele, e com todas as nossas obras, de toda a mente, de todo coração”.

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Deus espera de nós um amor operoso, não sensível. A sensibilidade nos faz cair no mundo do subjetivismo, romântico, e dali não saímos; é uma areia movediça, atrofia a alma. O que mais existe hoje, infelizmente, na Igreja, é a ideia de um amor sensível, tanto de Deus para conosco como de nós para com Deus, que tira, pelo menos da nossa parte, o heroísmo, o heroísmo autêntico, a força, a determinação, porque caímos no vendaval das coisas sensíveis e olhamos para Deus com amor meramente romântico, sensitivo... Não! Não é este amor com o qual Deus nos amou. Deus não nos amou com amor sentimental, e Ele espera de nós justamente isto: o nosso amor operoso, o “faça-se”, o concreto. Alguém diz: “Deus, eu rezo muito, faço penitências, mas eu não consigo sentir o amor de Deus”. Mas não se precisa sentir o amor de Deus. O amor de Deus não é para ser sentido, mas constatado (...). Também com relação a Ele precisamos agir, precisamos falar e fazer concretamente o que esse fiel no seio da igreja de Santo Agostinho disse com a vida, gritou com a alma:
Às coisas, aos bens, o nosso desprezo. Fiquemos com Deus!

Homilia proferida em 09 de Outubro de 2011.


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26/09/2011

A palavra de Deus é uma espada que deve penetrar em nossa alma


Homilia da Missa do XVI Domingo Após Pentecostes

Pe. Marcelo Tenório

Ave Maria, gratia plena; Dominus tecum: benedicta tu in mulieribus, et benedictus fructus ventris tui Iesus. Sancta Maria, Mater Dei ora pro nobis peccatoribus, nunc et in hora mortis nostrae. Amen.

No Evangelho de hoje, Nosso Senhor fala duas coisas extremamente importantes.

A primeira, em relação à lei: Ele é o Senhor de tudo e também do sábado. Estava diante dos fariseus, dos mestres da Lei, daqueles que "seguiam" todos os preceitos judaicos – pelo menos exortavam ao povo que seguisse (...). Dos grandes milagres de Nosso Senhor, é sobretudo contra os fariseus; a eles, Nosso Senhor dirigiu grandes e fortes palavras, violentas palavras, entre elas, “raça de víboras”, ainda “sepulcros caiados, por fora são formosos, mas por dentro, cheios de podridão”, “quem vos ensinou a fugir da ira vindoura?” As palavras mais violentas de Nosso Senhor, na Sagrada Escritura, no Novo Testamento, nos Santos Evangelhos, essas palavras justamente são para os fariseus, não porque fossem mestres da Lei – de certa forma foram os fariseus que preservaram o povo de Deus da idolatria. De certa forma... Mas Nosso Senhor não admitia a sua hipocrisia: pregavam, mas não faziam; impunham aos outros grandes pesos, quando na verdade, não seguiam a lei e o testemunho que defendiam.

Um momento claro disso é a famosa cena do “Daí a César o que é de César”: os fariseus pregavam, por esta Lei, que ninguém poderia entrar no templo com a moeda romana já que o Império não aceitava o culto de Deus. Era considerado impuro todo aquele que tivesse com a moeda do Império, império pagão... Então ao entrar no templo, teriam que fazer câmbio, troca das moedas: deixavam as moedas [n.d.r.:do Império] no templo (na parte de baixo), e recebiam as moedas sagradas do templo. Quando os fariseus querem pôr Jesus à prova – “Mestre, é lícito ou não é lícito pagar imposto a César?” – Nosso Senhor tira uma moeda. Por quê? Para desmascará-los! Para que, diante de todo mundo, eles fossem desmascarados, na sua hipocrisia, na sua farsa. Jamais um fariseu, um doutor da lei, poderia estar dentro do templo com moedas romanas. E Nosso Senhor ainda pergunta: “O que tem na moeda? De quem é o desenho na moeda?” Claro, (de) César. Aquele fariseu ficou extremamente injuriado por Nosso Senhor; e Nosso Senhor juntou: “Dai a César o que é de César, e dai a Deus o que é de Deus”.

Aqui [n.d.r.: no Evangelho deste Domingo] é Nosso Senhor quem provoca. Nosso Senhor aponta o dedo aos fariseus hipócritas: “É lícito ou não é lícito fazer o bem em dia de sábado?”, já que os fariseus estavam ali observando a Jesus; os fariseus estavam ali não porque seguiam a Jesus, mas porque queriam pegar, nas palavras de Jesus, algo contra ele, para acusá-lo. E outra coisa que os fariseus não admitiam é que Jesus curasse quem quer que fosse em dia de sábado – dia de sábado é dia de descanso. E Nosso Senhor pergunta: “É lícito ou não é lícito fazer o bem em dia de sábado?” “Quem de vocês, se um boi ou jumento cai no buraco em dia de sábado, não o tiram?” Claro que eles tiravam! Claro que eles tiravam... E Nosso Senhor cura aquele jovem diante dos fariseus...

Em seguida, Nosso Senhor vai para outro lugar, e vai terminar com uma máxima: “Quem se exalta será humilhado, quem se humilha será exaltado”. Para quem é esta máxima? Contra quem é esta máxima? Por que esta máxima? Parece que Nosso Senhor muda de assunto: está falando da lei do sábado, permitido ou não permitido em dia de sábado, e por que agora esta máxima da humildade? Justamente por causa do orgulho dos fariseus. Eram orgulhos, eram vaidosos; amarravam a lei do shema em caixas na testa e nos pulsos para todos verem que eles eram extremamente religiosos; gostavam de ser vistos nas sinagogas, de estarem nas assembleias e nos grandes banquetes; buscavam os primeiros lugares. E Nosso Senhor ensina: “Quando vocês forem a um banquete, não procurem sentar nos primeiros lugares, porque pode ser que aquele lugar não seja para você, e alguém vai se sentar e pedir [n.d.r.: para deixar o lugar], e você se sentirá humilhado. Mas, pelo contrário, que você se assente no último lugar, porque aí o dono do banquete, vendo-o, te chamará a frente, e será para ti uma honra. Por que aquele que se exalta será humilhado, e quem se humilha será exaltado”.

Isto serve muito para nós. Palavra de Deus, não é para os fariseus; eles já morreram, já foram julgados, é para nós que estamos aqui hoje. 

A palavra de Deus é uma espada que deve penetrar toda a nossa alma. 


E nós, fazemos o bem ou praticamos o mal? E nós praticamos a misericórdia, ou somos todos rigoristas, como os outros? (Nós não aprendemos nada daquilo que admoestamos, nem aos nossos filhos, nem aos nossos amigos, somos fariseus...)

Buscamos que os outros nos vejam de que forma? Buscamos os primeiros lugares, em tudo, até em nossas orações diante de Deus, achamos que valemos alguma coisa e que Deus tem a obrigação de se encurvar diante de nós, de se abaixar para nos escutar? “Ah, meu Deus, o tanto que eu rezo, e o Senhor não me escutou...” Hipócrita! Sepulcro caiado! Se Deus não te escuta, é porque tu não mereces nada de Deus, porque Deus quer provar, porque Deus quer que você se rebaixe mais ainda! Nosso lugar não é no alto, é no chão, de joelhos diante do Senhor. Nós não somos nada, nós já somos devedores desde o inicio... Deus não nos deve nada. Nós Lhe devemos tudo.

O Santo Evangelho de hoje, desta grande máxima, traz para nós esta doutrina da infância espiritual de Santa Teresinha do Menino Jesus e da Sagrada Face; ela que disse, sabiamente disse: “Ha uma só coisa que não é motivo de aflição, de disputa de ninguém, que é o ultimo lugar. E é esse o lugar que eu quero para mim: o ultimo lugar”. Escondeu-se. Escondeu-se do mundo. Quis ser um grão de areia, uma bolinha nas mãos do Menino Jesus. E o que acontece com esta Teresinha que se humilhou e se ocultou? (Se ocultou?) no mundo inteiro. Não há igreja, não há local, não há região que não conheça a glória de Teresinha, daquela que se ocultou, daquela que se fez nada, daquela que desejava ser tudo para Deus, desejava ser uma bola, uma bolinha nas mãos do Menino Jesus, para que o Menino Jesus pudesse brincar, para lá e para cá, e quando não quisesse mais, pudesse deixar em qualquer canto aquele “brinquedo”. “Quem se humilha será exaltado.” E hoje a Igreja canta, o mundo inteiro canta a glória de Santa Teresinha, porque se fez nada, e fazendo-se nada ganhou tudo: tudo que é Deus, os dons de Cristo, os dons do Menino Jesus na sua alma. Imitemos a sua determinação, imitemos os seus exemplos, e corramos ao encontro dessa grande virtude, na prática dessa grande virtude. Cada vez mais que nos rebaixamos diante de Deus, mais Deus nos exalta, mais Deus concede-nos a sua graça, mais Deus se achega a nós. Que Santa Teresinha, com seu exemplo, com a sua glória, a glória daquela que se fez nada diante do Altíssimo, possa rogar por nós, para que convertamos a nossa mente, o nosso coração, e possamos dizer como ela, como os Santos, como São Francisco de Assis: “Meu Deus e meu tudo”.

Homilia proferida em 02 de Outubro de 2011, festa dos Santos Anjos da Guarda.